Raul Misturada lança ‘Tudo Começa Quando Explode’
Acontece nesta sexta-feira (2) o lançamento do álbum-filme “Tudo Começa Quando Explode”, do compositor, instrumentista e cantor pernambucano Raul Misturada.
O Música em Letras esteve no estúdio do artista, em São Paulo, onde o entrevistou e gravou, com exclusividade para o blog, um vídeo no qual Misturada interpreta “Pra Lá do Cantarolá”, dele e de Zeca Baleiro (veja vídeo no final do texto).
Raul Misturada, que tem 34 anos de idade, amealha 15 de carreira e oito discos lançados, sendo três deles no formato digital. Em 2012, lançou “Quântico”, um disco de duo, com viola caipira e violão, trazendo música regional pernambucana, regado a muito experimentalismo ao lado do músico Mazin Silva. Em 2017 foi a vez de “Equilibradamente Insano”, um disco que vai do brega ao stoner rock, com participações de Tête Espíndola e do Duofel.
Nesta sexta-feira chega às plataformas digitais “Tudo Começa Quando Explode”, um álbum-filme rodado em Portugal e gravado no Brasil, com canções que vão da MPB ao stoner rock em parcerias de Raul Misturada com Vitor Ramil, Zeca Baleiro, Dulce Quental, Paulo Monarco, Dandara, Sofia Ó e Sandro Dornelles.
Leia, a seguir, o que Raul Misturada disse sobre o disco, além de fazer um faixa a faixa exclusivo para o leitor do blog.
Como você tem enfrentado o período da pandemia com relação ao trabalho?
Escrevendo arranjos, produzindo discos de outras (os) artistas, singles, e fazendo direção de arte, entre outras coisas.
O que você aprendeu por conta da pandemia?
Aproveitei o momento da pandemia para mergulhar em um disco que questiona minhas atitudes. Entendi que o freio era fundamental e me ative a isso. Nunca fui cercado por uma ideia de produtividade durante esse período; aliás esse período só se deu por conta dessa tal “produtividade”.
O que é o novo álbum-filme?
Olhe, “o que é?” me interessa pouco, mas, “quando é” me anima! O que mais me anima nesse álbum-filme são as questões que ele colocou sobre mim mesmo. É ouvir e sentir o sopro no cangote do último suspiro de um pensamento velho, masculino, branco e eurocêntrico.
Como foi concebido esse álbum-filme?
Antes que eu me esqueça, não faço arte para algoritmo, faço arte para continuar vivo. Eu estava no C.E.M (Centro em Movimento), uma instituição de dança e pensamento contemporâneo, e sobretudo de investigação de arte. Elisa estava a partilhar uma instalação intitulada “Tudo começa quando explode”, e essa instalação fazia parte de sua tese de doutorado. Elisa sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) e transformou a instalação em pesquisa. A performance era sobre esse acontecimento.
Elisa: “Um click, apaguei, depois acordei já no ambiente hospitalar, dias depois o tempo parou”. Naquele momento me veio à cabeça a imagem de um ouvido estourado, que nasce de um couro, brota de uma outra parte (camadas). Naquele mesmo dia peguei um livro que continha imagens de Sterlac, um performer australiano, e me deparei com uma orelha implantada no braço. Entendi que minha perseguição entre o silêncio e o pipoco ganhara um novo input. Passei dias refletindo sobre o barulho externo em torno do sono de Elisa. Gritos, ambulâncias, buzinas, equipamentos hospitalares, choros de seus familiares etc.
O ponto de partida é esse, porém queria fazer um disco que ultrapassasse a minha explicação, queria fazer uma obra que se conectasse com tudo o que fosse possível, no limite entre a beleza e a tensão. Sou um sujeito que vem de Mumbeca 2, região metropolitana de Recife, por isso busco uma sensação auditiva que exista no entremeio da “tensão e beleza”.
Sentia que devia me conectar com algo ainda mais ancestral que eu, algo árabe, que eu pudesse ver a olho nu. Há dois vultos nesse momento, aqui do meu lado, que me acompanham por onde passo. É uma coisa ancestral que não sei bem explicar.
Em janeiro de 2020 fui até Marrakesh e por fim ouvi o que precisava sobre a atmosfera que queria criar, o eco dos chamamentos que as torres islâmicas urgem ao convidar uma nação inteira para a fé. Tudo muito “roots”, como em Mumbeca 2: a feira, o sol, os rostos estampados de taipa, tudo cor de barro.
Daquele momento em diante, compus parte das canções e anexei a outras canções que guardo há um tempo. Aproveitei o ano de 2020 pra investigar esses sons e sentidos a fim da criar uma atmosfera que pusesse pra fora a música que toca dentro da minha cabeça.
Nessa viagem ao Marrocos, ganhei uma parceira muito importante nisso tudo, com Sofia Ó, que por sorte é minha companheira de vida amorosa. Ela é bailarina e antropóloga, uma gata e a intelectual mais quente que conheci na vida. Foi ela quem me provocou a pensar num filme, na relação entre as pessoas e suas pedras. Como temos várias amigas (os) da performance que já desenvolvem trabalhos importantes, nós as(os) arregimentamos.
Cesar Lacerda, meu parceiro prolixo, amigo e irmão me indicou uma cineasta da cidade do Porto, uma jovem muito sensível, a Mariana Vasconcelos. César também sugeriu projetar o filme em prédios históricos e isso me animou muito, primeiro por expandir o trabalho para outros braços da arte, mas, também, pela possibilidade de curvar a música como produto para seu ponto inicial: a performance.
O que motivou você a conceber o álbum-filme?
A vida, o amor, os pensamentos ocultos e o desejo da partilhar de uma ideia.
Qual a maior dificuldade que você encontrou ao conceber esse trabalho?
Não tive dificuldades em conceber o disco, nem tampouco em realizá-lo. Pode parecer uma fala arrogante, mas estou sendo sincero. O disco tocava dentro da minha cabeça, tive a companhia maravilhosa de artistas que muito admiro e que se entregaram ao feitio do disco junto a mim. Eu simplesmente vivo isso diariamente. Não sinto que fiz um disco, sinto que tirei uma foto, em 2020, do meu tempo e espaço. Assistir ao assassinato em massa que ocorre no Brasil é triste no último nível. Com tanta notícia horrorosa no “trending topics”, fazer esse disco foi um jeito de atravessar esse momento.
Quais são as particularidades do disco e o que as pessoas devem ter em mente quando o ouvirem?
O disco é uma reflexão sobre o deslumbramento de nós em relação a algo anterior. Por que que deu tanta merda no mundo? É o caso de perguntar.
Onde o álbum-filme “Tudo Começa Quando Explode” poderá ser encontrado?
Preferencialmente no YouTube, pois se trata de um trabalho audiovisual, mas vai rolar LP e também estará nas plataformas de som, a partir do dia 2 de julho.
FAIXA A FAIXA DO ÁLBUM-FILME “TUDO COMEÇA QUANDO EXPLODE”
1- “Tudo Começa Quando Explode”, de Raul Misturada e Vitor Ramil
Essa tal explosão pode ser silenciosa, aliás internamente acredito que tudo seja silencioso ou seja uma busca à imensidão. Escrevi isso, inspirado num texto, isso pra mim soa como um metarrefrão. É muito difícil escrever sobre algo que fica arrodeando essa frase; fiz uma melodia, harmonizei, achei um pulso. A única frase que eu tinha escrito, seria o norte do trabalho que eu estava a desenvolver. Só um sujeito tão especial como Vitor Ramil, seria capaz de achar uma história pra essa finalidade. Passamos meses ao telefone, conversando sobre o que seria essa “cena”. Numa madrugada, recebi um whatsapp do Vitor me avisando: “Fiz a letra”. Corri pra caixa do e-mail, li aquilo tudo e fiquei maravilhado, além de hiperfeliz por ter feito uma música com um compositor que admiro tanto.
2- “Pipocar no Mundo”, de Raul Misturada, Dandara, Sofia Ó
Já havia terminado o disco, eram oito canções. Um dia, numa conversa com Sofia Ó, que assina a direção de arte do álbum-filme, ela comentou: ” Tem uma hora que cansa”. Ela falava justamente da música que mais gostava, na sequência Dulce Quental também achou a mesma coisa. Sentimos juntas (o) que essa canção é isolada, pra outrora mesmo. Acabei tirando outra música do disco, pois não havia mais sentido sem sua “música-par”. Como já tinha o disco todo, precisei fazer mais uma canção. Escrevi um outro refrão, desses que considero “meta”: “pra gente pipocar no mundo, diante do absurdo, pipocar no mundo até não querer mais”. Liguei pra Dandara e perguntei: “O que falta pra gente pipocar no mundo?”. Ela respondeu: “Diálogo”. Na sequência senti o estômago se espremendo, aí escrevi: “Pode ser que o silêncio seja o (boom) de nós”. Ficamos eu e Dandara no vídeo, se amando e pensando no diálogo. Dandara escreveu um monte de coisas que fizeram pipocar insides em mim. Fomos fazendo e Sofia também escreveu um monte de coisas. Dessa maneira, assim, fizemos essa “triceria”.
Gravei a música pro disco, ainda sem a letra, e não mexi em mais nada. Quando as meninas terminaram de escrever essa letra, gravei a voz. Foi um desabafo muito grande, cantar isso nesse momento. Aproveito pra convidar o (a) internauta a conhecer Sofia Ó e Dandara, duas artistas imensas.
3- “Frágil Beleza”, de Raul Misturada e Dulce Quental
Dulce Quental, havia me mandado a letra de “Frágil Beleza”, que eu já li cantando. Tem letras que rolam na paquera, outras, uma transa instantânea, foi esse o caso. Passou um tempo fui ao apartamento de Dulce no Rio de Janeiro, a fim de investigar um repertório pra um disco que possivelmente eu produziria. E ali fiquei sabendo que essa letra tinha mais de 30 anos de existência. Trabalhamos na música durante uns dias e finalizamos essa canção, que virou o single do disco e tem um arranjo de cordas maravilhoso feito pelo meu amigo Conrado Goys.
4- “Pra Lá do Cantarolá”, de Raul Misturada e Zeca Baleiro
Eu estava no vão do MASP, onde colou um molecote vendendo Halls. Comprei o Halls e ele comprou um cigarro com outro garoto que ali estava. Aquele gosto meio de água sanitária sabor menta me trouxe uma melodia. Quando essa melodia bateu, achei que era uma melodia do Zeca Baleiro, e isso me levou a constatar uma coisa muito interessante: sempre que eu componho em parceria, sinto um prazer em ser um cover, do, ou da, artista que estou trabalhando. É como se eu “sampleasse” na minha mente o dizer de outrem, e esse dizer fosse reproduzido com a interferência do meu filtro. Essa simbiose é clara em todas as canções do álbum, mas, sobretudo nesta, tem nós dois, verdadeiramente nós, dizendo: “Minha casa fica longe, fica lá pras bandas do cantarolá-ra-ia-la-ia”. Donde está o corpo/casa? Faz tempo que saímos de nossos lugares de origem pra poder cantarolá, sabe? É lindo isso! Tenho muita sorte em ter um parceiro como o Zeca, um sujeito movido pela arte, viciado em partilhar o amor através de canções. Ele cantou lindamente comigo, numa tarde emocionante. Estou guardando um abraço apertado entre nós, assim que estivermos vacinados esmago o Baleiro.
5- “Fabergé Gorado”, de Raul Misturada, Paulo Monarco e Sandro Dornelles
“Eu tô dentro desse Fabergé gorado e se eu sair do ovo, deus me livre tocar na rádio”. Em 2012, escrevi uma letra chamada: “Fabergé Gorado”. Mandei para o Paulo Monarco, que na altura não tinha entendido nada. Em 2014, ele me disse que havia uma letra do Sandro Dornelles que combinava com o lance do “Fabergé Gorado”. Começamos a juntar uns pedaços de letras e escrevemos outras coisas. Nessa ocasião, eu morava em Curitiba, pegava o busão pra ir na casa de Monarco, que morava em Várzea Paulista, e o Sandro morava na edícula da casa. Era um barato e começamos ali a fazer muitas coisas lá. Essa música cabia como uma luva nesse repertório. Chamei o Monarco pra tocar e cantar comigo, afinal essa música, sempre, só funciona como deve na nossa presença. Escrevi uns arranjos pra trompete, flugelhorn e chamei meu amigo e grande músico Nahor Gomes pra gravar e o Tó Brandileone fez uma programação.
6- “Sem Sinal”, de Raul Misturada
Essa música é a única que assino sozinho: “Tentei te avisar sobre o fim dos tempos, mas meu telefone é da TIM. Caiu o sinal, não deu tempo”.
7- “Flor de Abril”, de Raul Misturada e Zeca Baleiro
Em 2018, eu estava indo passar uma temporada na Europa de três meses para uma turnê, residências artísticas e outras investigações juntamente com Paulo Monarco [compositor, cantor e violonista], Dandara [cantora, compositora e instrumentista] e Jotaerre [compositor, cantor, baterista e percussionista]. Fui barrado no aeroporto de Lisboa, indo para uma sala com outros brasileiros, crianças, latinos, uma turma do Ceará. Ganhamos uma marmita, uma maçã verde, e uma garrafa de água. Os passaportes foram recolhidos e, de tempo em tempo, uns eram deportados e outros liberados. Me chamaram e disseram: “Então és músico?”. Respondi que sim e imediatamente o encarregado perguntou: “Como é o nome daquele rapaz dos cabelos encaracolados, que é maestro de um país da América? Ele é jovem e está sempre na televisão…“Dudamel!& rdquo”, respondi. “Pronto. Sabes Raul, gosto muito de Raul Seixas. É brutal! Verifiquei aqui suas documentações e a carta convite do seu amigo da Suíça e você pode ir”. Muita coisa me passou na cabeça, sentei na beira do Tejo e refleti sobre muita coisa, compondo ali uma melodia, um lamento, um aboio. O Zeca Baleiro traduziu esse sentimento em palavras; comigo foi só choro.
Assista, a seguir, o vídeo gravado com exclusividade pelo Música em letras no qual o artista interpreta “Pra Lá do Cantarolá”, dele e de Zeca Baleiro.