Raul de Souza fez a diferença
O trombonista Raul de Souza (1934-2021) morreu no último domingo (13), na França. Leia mais em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/06/trombonista-raul-de-souza-um-dos-maiores-do-mundo-morre-aos-86-anos.shtml.
Um câncer na garganta tirou desse supermúsico seu maior prazer: tocar. Contudo, mesmo acamado e sem poder mais soprar, Raul não traiu sua maior devoção à deusa música, e continuou dedicando-se à arte de amealhar os sons escrevendo arranjos e temas enquanto seguia à risca um tratamento para debelar a doença.
Sim, Raul não se entregava à toa. Era um músico diferente, intuitivo, rebelde, criativo e que sempre mostrou seu enorme talento de maneira irreverente pelo mundo afora.
Eu o conheci em 1983, na Berklee College of Music, em Boston, Massachusetts. Ficamos amigos e curtimos muito juntos. Além de ser o Rei do Trombone, Raul era o rei das histórias. Entre elas, muitas vivenciadas com o Rei Roberto Carlos e outros artistas bem sucedidos, como Sérgio Mendes, que, segundo ele, teria ganho uma “puta grana” sem recompensá-lo.
Raul voltou ao Brasil, mas manteve residência também na França. A partir daí, foi ficando mais “manso”, deixando de beber e de usar outras “cositas”. Quando o bicho pegou, voltou à França onde teve uma assistência médica e acolhimento para tratar a doença.
Em 2014, o artista deu uma entrevista https://musicaemletras.blogfolha.uol.com.br/2016/09/23/raul-de-souza-lanca-o-cd-brazilian-samba-jazz-em-sao-paulo/ ao Música em Letras, na qual gravou com exclusividade para o blog um vídeo no qual interpreta “Azul”, de sua autoria. Assista em https://youtu.be/Kuii5zzYAeM.
Na ocasião, era o lançamento de seu CD “Brazilian Samba Jazz”, gravado em Paris. Raul já estava mais comedido, careta, centrado sem a euforia e intransigência que o acompanharam durante anos, mas ainda tocando e bem. Quem o acompanhava era uma banda formada por craques escolhidos a dedo por ele: Fábio Torres (piano), Celso Almeida (bateria), Glauco Solter (baixo) e Mario Conde (guitarra).
Foi nessa entrevista que Raul comentou sobre a depressão, doença que matou seus amigos e ícones do trombone: J. J. Johnson (1924-2001) e Frank Rosolino (1926- 1978), ambos suicidas. Lembro-me de ele ter me dito, já com o gravador desligado, um pouco antes de eu deixar o apartamento onde ele estava, na Vila Marina: “Malandro, essa doença não me pega. Sou diferente”.
Verdade. Raul de Souza, além de diferente, fez a diferença, sendo sem dúvida alguma um dos maiores trombonistas do mundo, e embora fosse reconhecido internacionalmente e parcialmente no Brasil, nunca teve pelo seu próprio país o acolhimento que deveria ter tido. Teve de recorrer à França para ter um tratamento digno e de respeito.
Contudo, se cada um de nós é filho de suas obras, pode-se afirmar que Raul foi um excelente pai.
Boa viagem, Raul!