Violeiro Paulo Freire estreia show online ‘Viola, Rosa e Sertão’

O violeiro, compositor, escritor e contador de “causos” paulistano Paulo de Oliveira Freire, 64, estreia nesta terça-feira (13) “Viola, Rosa e Sertão”, série de seis shows online, com bate-papo no final de cada apresentação.

O Música em Letras entrevistou, por e-mail, o artista que tem 45 anos de carreira e discorreu sobre particularidades dos shows, além do livro que irá lançar ainda este mês, completando as frases, a seguir.

Viola, Rosa e Sertão” deve ser visto porque…

Porque são apresentações que tratam de uma grande aventura, realizada a partir de um livro fundamental, tendo como fio condutor a nossa violinha. Em 1977, abandonei a faculdade de jornalismo e fui morar no sertão do Urucuia, noroeste de Minas Gerais, local onde é passada a trama do romance “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa. Quis conhecer a “música” do livro, a realidade do sertão brasileiro, vivendo como um sertanejo. Nessa série de apresentações conto todo esse processo.

Viola, Rosa e Sertão” está dividido em seis shows diferentes, com uma conversa no final, sempre abordando uma temática diferente. Na primeira você irá falar sobre…

As conversas no final sempre abordam uma temática diferente. Na primeira delas vou falar sobre “O diabo na rua, no meio do redemoinho”. Guimarães Rosa traz a figura e toda a representação do diabo em seu romance. Desconfia-se que o personagem Riobaldo encarou o “bruto”. Quando morei no sertão, convivi com violeiros pactários, aprendi receitas para se fazer o negócio com o tinhoso. Da noite para o dia, o vivente pode se tornar um grande violeiro, mas isso tem um preço. Dizem no sertão que quando o capeta vem cobrar pelo serviço realizado, é sempre num tanto impossível de se pagar. Vou contar quase tudo…

Você concebeu esse trabalho pensando em levar para as pessoas…

Uma experiência de conhecimento do sertão, na década de 70, quando morei em uma localidade sem telefone, luz elétrica, nem correio tinha! Celular, nem existia. Dessa forma, a cultura da região era muito preservada e bem próxima ao enredo criado por Guimarães Rosa. A viola tem uma importância fundamental neste contexto, seja na forma de levar as notícias, conduzir uma Folia de Reis, ou de representar a natureza musicalmente. O sertão é um mundo!

Guimarães Rosa era…

Absolutamente genial. Um livro como “Grande Sertão: Veredas” é um milagre. Fruto de muito trabalho, claro, uma potência criadora extraordinária, mergulhos no texto, trabalho, trabalho, trabalho, revelações sobre a alma humana, relacionamentos, batalhas, coragem, amor.

Lendo a obra de Guimarães Rosa aprendemos que…

Aprendemos que “carece de ter coragem, carece de ter muita coragem”. Aprendemos sempre lendo o Rosa. Nesse momento pandêmico, sua obra segue nos ensinando, trazendo-nos compreensão e força para seguir na jornada. Tem um episódio, quando Riobaldo atravessa o Liso do Sussuarão, que parece bastante com a realidade que estamos vivendo. Com coragem e determinação, podemos atravessar o Liso. Sim, vamos sair lanhados lá na frente, mas vamos seguir. E sem perder de vista o ensinamento do escritor: “O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia”.

O que o levou a morar no sertão do Urucuia foi…

A busca de uma música que estivesse de acordo com meus anseios de juventude, que retratasse o Brasil profundo. Depois de estudar violão e guitarra por três anos no CLAM [Centro Livre de Aprendizagem Musical], escola do Zimbo Trio, senti necessidade de aplicar esses ensinamentos, de buscar um caminho. Na orelha das edições antigas do “Grande Sertão” tem um mapa desenhado pelo Poty, de todo trajeto de Riobaldo e Diadorim. Pois esse mapa nos guiou.

Durante os dois anos em que você que viveu no Sertão do Urucuia aprendeu que a vida é…

Posso citar o Rosa? “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Durante os dois anos que vivi no Sertão do Urucuia aprendi que a arte é imprescindível para o ser humano. Tanto nas festas religiosas, como nas de divertimento puro, seja girando uma roda de farinha, fazendo um telhado com palha de buriti, pintando um vaso com toá, as relações humanas vão se desenhando. Na dureza do dia a dia, trabalhando de sol a sol, o sertanejo abraça a arte como quem precisa de água. Alma, arte, essas palavras repetidas, ali tem uma função concreta, como a terra que nos acolhe e a gente nem se dá conta.

O sertão do Urucuia era…

Minha forma de estar no mundo. Cada vez que me sinto acuado, toco a viola do jeito mais bruto que aprendi. Bruto aqui no sentido de diamante bruto. O sertão onde vivi está muito modificado, mas ainda está lá. Ontem mesmo conversei com minha família urucuiana, as notícias que me deram, o som de sua fala, os sentimentos atiçados, me mostraram que ele ainda está lá: o meu sertão.

O sertão do Urucuia é…

Minha maior referência. Cada vez que piso lá, saio andando meio que sem rumo e vou ajustando tudo dentro do peito. Só de pensar em um mergulho no rio Urucuia, ou em tomar um banho nas águas das veredas, sentar no terreiro, acompanhar uma Folia de Reis, já me aprumo. Essas coisas fazem eu ter ainda mais gosto de cruzar as distâncias.

Sua vivência com o mestre Manelim foi tão rica e importante na sua formação como artista e como ser humano, que você pode compará-la a …

Um encontro inevitável, uma sorte tremenda, um afluente desaguando no rio generoso e caudaloso Manelim, a importância da entrega ao poder da natureza.

Mestre Manelim era…

Uma grande mata, uma floresta, uma samaúma gigante.

Alguns toques de viola traduzem a forma como o sertanejo observa a natureza. Por exemplo…

A corrida do sapo com o veado. Duvida? Assistam ás apresentações que eles já confirmaram presença, além da Inhuma. O canto desse pássaro, com suas esporas na perna batendo no bojo da viola, ah, só olhando bem de perto.

Com o mestre Manelim você aprendeu alguns toques de viola, entre eles…

O Rio Abaixo, uma música instrumental poderosa, que tem uma técnica muito particular, além de ser o nome de uma afinação. Esse toque retrata o diabo descendo o rio, tocando viola, encantando as pessoas e “inté” levando algum desavisado rio abaixo.

A lição mais importante que o mestre Manelim ensinou para você foi…

O amor. O amor do Rosa, do Manelim, e da viola, tudo misturado.

Um “causo” ruim é…

Aquele mal contado, não vivenciado, só por contar, sem trabalho, querendo atravessar as importâncias, sem dar crédito ao acontecido. Uma bestagem.

Um “causo” bom é…

Aquele que você apura, vai lá, vivencia, diz de onde veio, trabalha por ele, acredita no que está vendo e conta da sua maneira.

Um “causo bão demais da conta” é…

Sentar numa varanda com o Rolando Boldrin, sapecar uma violinha, e ficar ali, largado, conduzido pelas histórias desse homem fundamental.

Seu novo romance, “Selva”, com previsão de lançamento para junho de 2021, traz…

Essa vivência com os mestres. Mas em uma visão diferente da que eu tive. Selva é uma moça que deseja virar planta. Para isso joga-se no mundo com uma vontade arrebatadora, até conhecer seu mestre, Teófilo, e sua mãe, Luduvina, uma mulher que é o próprio sertão.

As pessoas devem assistir aos seis shows de “Viola, Rosa e Sertão” porque…

Porque nós temos que seguir juntos, cuidando uns dos outros. Após as apresentações abriremos uma sala de conversa para tratarmos de temas importantes, a “siora”, o “siô”, eu e a violinha. Vamos apurar nossas ideias, afinar os sentimentos. E temos que seguir juntos sabem por quê? Ora, arremato com mais uma frase do Rosa: “Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.

Para assistir aos shows, as pessoas devem acessar quais endereços e em quais dias…

Nos dias 13, 15, 20, 22, 27 e 29 de abril, sempre às 20h, o público deve acessar gratuitamente na sala Zoom, se inscrevendo-se em www.violarosaesertao.com.br; no Facebook, em https://www.facebook.com/paulofreirevioleiro; e no YouTube, em https://www.youtube.com/paulofreirevioleiro .

Paulo Freire (Foto: Divulgação)