Adiada a alegria
Até o dia 30 de março, por conta da “fase emergencial” determinada pelas autoridades, espaços culturais como casas de shows, centros culturais, cinemas, teatros, bibliotecas e museus devem permanecer fechados no Estado de São Paulo.
Anunciada na última quinta-feira (11) pelo governador João Dória, a “fase emergencial” adotou medidas mais rígidas em relação à fase anterior-a vermelha-, impactando não só as atividades econômicas, mas também as atividades culturais.
A ação, que tem o intuito de coibir a transmissão da Covid-19, é a razão pela qual foi adiado o lançamento de “O Forró de Zé Pitoco”, primeiro disco do compositor, arranjador, cantor, clarinetistas, saxofonista, pandeirista, baterista e zabumbeiro pernambucano, José Alves Sobrinho, 64, o Zé Pitoco.
Zé Pitoco tem mais de 50 anos de carreira e muitas histórias para serem contadas. Leia mais sobre essas ricas histórias, o artista, sua vida, seu apelido e sua carreira musical em https://musicaemletras.blogfolha.uol.com.br/2016/04/14/cobra-criada-ze-pitoco-leva-seu-forro-ao-butanta/ .
Anteriormente programado para acontecer nesta semana, com uma audição para poucos em um estúdio de São Paulo, o evento de lançamento do disco “O Forró de Zé Pitoco” ainda não tem uma nova data marcada.
No entanto, o Música em Letras adianta neste post o que é o álbum, além de ter gravado, com exclusividade para o blog, duas das 11 músicas que estão no CD. Assista, no final do texto, aos vídeos nos quais Zé Pitoco interpreta, de sua autoria, “Forró das Catacumbas”, e “O Xará”, de João Silva e Zé Mocó.
No disco, participações das cantoras Mônica Salmaso, Vanessa Moreno, Lu Alves-filha de Zé Pitoco-, e de Chico César, além de outros músicos excelentes. Entre eles, os contrabaixistas Guto Wirtti e Fi Maróstica; o rabequeiro e violinista Ricardo Herz; o clarinetista e saxofonista Nailor Proveta; o violonista Swami Jr.; o sanfoneiro Mestrinho; o guitarrista Fábio leal; o flautista e saxofonista Teco Cardoso e outros parças de som de Zé Pitoco como o sanfoneiro Olivinho; o baixista Lau Trajano; Dido Trajano, na zabumba; Guegué Medeiros, na bateria, além de Alisson Lima, na percussão, Léo Rodrigues, no pandeiro e Henrique Araújo, nos cavaquinhos.
Talentos brilhantemente reunidos para garantirem a alegria em forma de som, música, energia, suingue, poesia e muito gingado. “O Forró de Zé Pitoco” é um disco para ouvir, dançar, cantar, tocar junto e se alegrar.
A alegria de ouvir o disco inteiro pode ter sido adiada, mas não foi perdida. Afinal, adiar o evento de lançamento do disco, além de ter sido por uma boa causa, faz com que tenhamos mais uma razão para nos mantermos vivos, dentro de nossas casas, aguardando pelo melhor.
Leia, a seguir, a entrevista que o multi-instrumentista Zé Pitoco concedeu exclusivamente ao blog, além de um faixa a faixa de “O Forró de Zé Pitoco”.
Música em Letras-Como você tem enfrentado o período da pandemia com relação ao trabalho?
Zé Pitoco-Há um ano não tenho trabalho remunerado. Terminei o processo de gravação do disco e fiz algumas lives com artistas com quem eu já trabalhava, como o Antônio Nóbrega, mas nada com cachê. Como estou morando com a família, consigo me manter razoavelmente saudável, mas seria ótimo ter conseguido tocar mais com colegas ou ter feito meu próprio som. Infelizmente, não há perspectivas de conseguir me apresentar ao vivo tão cedo.
Você toca desde os oito anos de idade e há muito já poderia ter lançado vários discos. Por que só agora você lança seu primeiro disco? O que faltava para isso?
Eu nunca tive a pretensão de ser “linha de frente”. Minha trajetória foi sempre como integrante de grupos maiores. Mas desde que passei a produzir o meu forró, sempre em pequenas casas de show, foi tomando corpo um desejo de registrar minhas próprias composições, que são a base desse evento.
Você gravou esse disco durante a pandemia. O que foi fácil e difícil por conta dessa situação?
Na verdade, o processo começou antes da pandemia, quando tive a coragem de abrir uma campanha no Catarse [plataforma de crowdfunding] para levantar recursos. Foi uma ideia do Luciano Fagundes, uma figura maravilhosa ligada ao Teatro Brincante e ao meu trabalho com o Nóbrega. O próprio Nóbrega foi um incentivador importante, gravando o primeiro vídeo pedindo contribuições. Outros artistas ajudaram a divulgar, como Hamilton de Holanda, Ná Ozzetti, Mônica Salmaso, Chico César, Maestro Spok, Verônica Ferriani, Wandi Doratiotto…Talvez seja injusto eu estar aqui citando, porque certamente vai ficar de gente de fora. Sou muito grato a muita gente. Passada essa fase de captação, fizemos as primeiras bases no Estúdio 185 [em São Paulo]. Quando finalmente a gravação iria engrenar, veio a pandemia. E a partir daí, nada foi exatamente fácil. Fiquei muito sem rumo por não poder dar continuidade. Até que, em meados de 2020, fui passar uma temporada com minha filha Luciana Alves, no Rio. Ela e o marido, o baixista Guto Wirtti, têm um pequeno estúdio em casa e foi isso que me salvou: vivendo juntos, fomos tendo ideias e gravando as faixas pouco a pouco. Guto, inclusive, tocou vários instrumentos.
Como foi o processo de produção desse disco?
A ideia original era que o disco fosse produzido pelo Luciano Fagundes, junto com o técnico de som Gustavo Trivela. Quando os encontros se tornaram impossíveis, tudo mudou. Gustavo foi me enviando as bases já gravadas e eu fui concluindo com o Guto Wirtti, lá no Rio.
Qual o nome do disco e qual a razão de sua escolha?
Eu quis chamar de “O Forró de Zé Pitoco”, que era o nome do forró que eu promovia todo mês-os últimos aconteceram no Bambu Brasil, na Vila Madalena. Esse é também o nome de uma das faixas do disco, que inclusive teve participação do Chico César e de um coro mais que especial formado pela Lu Alves, a Mônica Salmaso e a Vanessa Moreno. Tenho carinho por esse título.
Como você o define? Qual o conceito desse trabalho?
É um disco de música instrumental e também de canções que levam o ouvinte a cantar junto e dançar, bem no espírito do forró ao vivo. Está muito alegre e essa alegria era meu grande objetivo quando concebi o disco.
O que pretende com ele?
Pretendo mostrar a diversificação do meu trabalho: meu papel de compositor, de instrumentista, de arranjador e de cantor, especificamente de forró. Se as pessoas se divertirem enquanto me ouvem, estarei feliz da vida.
Como pretende lançar o disco?
Minha meta é reunir todos os que participaram do disco e fazer esse lançamento logo mais. Obviamente o plano ideal é juntar as pessoas ao vivo em uma audição, atendendo aos protocolos de enfrentamento da pandemia. Não sabemos se isso vai ser possível; se não for, vamos lançar digitalmente, mas isso ainda precisa ser combinado com a turma do Estúdio Juá, que inaugura um selo musical, com esse disco. A Tratore também está envolvida na divulgação. Vamos ver o que será possível promover como lançamento, até que seja possível dançarmos juntos de novo!
O que as pessoas devem ter em mete quando escutá-lo?
Eu penso na alegria que sempre foi, para mim, ouvir essa música tão brasileira que é o forró. Gostaria muito que elas entendessem minhas origens, toda a riqueza da música do Nordeste.
Complete: Ser músico no Brasil é…
Uma tarefa difícil pela instabilidade, mas ao mesmo tempo maravilhosa quando conseguimos atuar satisfatoriamente.
Os músicos do Brasil deveriam…
Ser mais reconhecidos e viver dignamente de fazer arte, o que nem sempre é possível.
Muita coisa melhoraria para o músico se…
A classe fosse mais unida e organizada.
A relação de um instrumentista com seu instrumento é…
Um trabalho diário de cuidado e aperfeiçoamento, até o fim dos dias. Sem isso, não é possível manter uma boa performance.
A música é…
O que eu escolhi para viver. Uma extensão do que eu sou, da respiração aos movimentos corporais. Música está em tudo em mim.
O forró é…
Meu primeiro berço musical, que influencia tudo o que faço musicalmente.
FAIXA A FAIXA CD “O FORRÓ DE ZÉ PITOCO”
1-“Aos Mestres do Canavial”, de Zé Pitoco
Uma homenagem aos mestres da cultura popular com quem eu convivi e convivo. Em termos rítmicos, é um cavalo-marinho, uma manifestação muito rica da cultura da Zona da Mata pernambucana. Ricardo Herz tocou rabeca; Nailor Proveta tocou o clarinete; o Mestre Nico tocou pandeiro e bage, dois instrumentos típicos do cavalo-marinho.
2-“Forró das Catacumbas”, de Zé Pitoco
Essa é uma música que fiz durante uma noite em Paris, onde eu estava com a saudosa Mexe com Tudo -banda da qual fiz parte no fim dos anos 80. A música inclusive, fez parte do disco da Mexe. Nesta nova gravação, mantive a mesma intenção dançante da música, com algumas improvisações minhas no sax tenor, de Daniel Alain, na flauta, e de Fabinho Leal, na guitarra.
3-“O Xará”, de João Silva e Zé Mocó
Quase todas as músicas do disco são composições minhas. O “ O Xará” é uma das duas exceções: quis incluí-la porque gosto muito de cantá-la. Foi gravada por Dominguinhos e tem uma letra que eu sempre gostei -especialmente do verso que diz “de que importa ter dinheiro, mas ser pobre de amor?”. É um baião mais sacudido, digamos assim.
4-“Bibiu na Lambada”, de Zé Pitoco
Fiz essa música quando o Brasil vivia o auge da lambada -e pensei no meu irmão Bibiu, que gostava muito de dançar esse ritmo no Bar Avenida. É uma música instrumental, com toda a levada que fez sucesso em vozes como a do Beto Barbosa. É sempre um dos momentos mais animados do meu forró, e a gravação no disco também tem esse espírito alegre. Sou eu quem executa todo o naipe de sopros-sax tenor, sax alto e clarinete.
5-“Carecendo”, de Zé Pitoco
Essa é uma toada baião e foi a primeira canção em que eu compus também a letra. Já tinha sido gravada no disco da Banda Mistura e Manda, grupo que montei nos anos 90. Agora, para o disco, ficou um time de convidados especiais: o Swami Jr., no violão de 7, o Mestrinho, na sanfona, e a voz inigualável da Mônica Salmaso.
6-“Forró na Serra do Bode”, de Zé Pitoco
A Serra do Bode foi onde eu passei boa parte da minha infância; no pé dessa serra ficava o sítio de meu avô, Seu Manuel Mandú. Fica a 6 km da minha cidade natal, Cupira. Essa faixa tem a participação especial do Teco Cardoso, nas flautas e pifes, e do Marcelo Caldi na sanfona (além da sanfona do Olivinho).
7-“Forró do Zé Pitoco”, de Zé Pitoco
Eu fiz essa letra descrevendo a atmosfera dos bailes que a gente faz, que começou no Feira Moderna, depois na Casa do Núcleo e no Bambu Brasil, todos ali pela Vila Madalena. Quis expressar sobre a alegria que rola no salão. E convidei o Chico César pra cantar comigo, acho que caiu como uma luva.
8-“No Sítio de Pai Du”, de Zé Pitoco
Foi no sítio do meu avô onde eu tive os primeiros contatos com som de banda de pífano, porque meu avô fazia muitas novenas nesse lugar. E eu dormia ouvindo esse som. A música é um ritmo de caboclinho com arrasta-pé.
9-“A Munheca de Guegué”, de Zé Pitoco
Essa é uma brincadeira com meu baterista, o Guegué Medeiros, dando o troco por ele ter feito uma música pra mim, chamada “A Titela de Pitoco”. Nós somos grandes amigos e eu admiro muito o grande músico e a doçura de pessoa. Ele teve um acidente e quebrou o pulso, passou por cirurgia e tudo. Na música, sou eu o doutor que vai curar essa munheca…(risos). É um baião coco.
10-“Pensando Nela”, de Zé Pitoco
Acordei com uma melodia na cabeça e a letra foi aparecendo, virando um xote. Não é autobiográfica, é só uma paixão imaginária. O convidado dessa faixa foi o baixista Fi Maróstica
11-“Baião Jovem”, de Camarão
Essa é uma homenagem ao Mestre Camarão, sanfoneiro e compositor. Camarão foi uma grande referência da música nordestina, um ícone da cultura pernambucana. Eu tive a honra de, ainda muito jovem, fazer parte da banda de baile do Camarão, fazíamos muitas excursões pelo nordeste, foi uma grande escola. A faixa tem a participação do Diogo Duarte, no trompete,. e do Doug Felício na tuba. Mas a base dela, e de todo o disco, é com a rapaziada que me acompanha há tempos nessa jornada: o sanfoneiro Olivinho, o baixista Lau Trajano, Dido Trajano na zabumba, Guegué Medeiros na bateria, além do Alisson Lima na percussão, o Léo Rodrigues no pandeiro e o Henrique Araújo nos cavaquinhos.
Assista, a seguir, aos vídeos nos quais Zé Pitoco interpreta, de sua autoria, “Forró das Catacumbas”, e “O Xará”, de João Silva e Zé Mocó.