Você pode ter bebido cataia, mas ouvi-la será a primeira vez

Cataia é uma planta da mata Atlântica, que, lá para os lados do litoral do Paraná, quando tem imersas suas folhas em cachaça, depois de meses, produz uma bebida com coloração semelhante à do uísque. Por isso, foi alcunhada popularmente de “uísque caiçara”.

Suas folhas e cascas são vendidas na internet a mais de R$ 50. Quantas folhas? Varia do tamanho das folhas, em média 21. É preciso sete delas para se produzir um litro do embriagante líquido. Resumindo, com um pouco mais de R$ 50 você tem três litros.

Por R$ 25 você pode ter o efeito embriagador da cataia imersa em pinga, sem os malefícios produzidos pelo álcool. E, ao invés de apenas três litros, você ganha 11 ou 14 faixas de um disco inebriante gravado por três músicos: Mauro Martins (bateria), Glauco Sölter (contrabaixo) e Arismar do Espírito Santo (piano e composições).

O disco é “Cataia: Da folha ao chá”, com 11 faixas no formato físico e 14 nas plataformas de streaming. As composições são de Arismar do Espírito Santo, que recebeu o Música em Letras em sua casa, em São Paulo, na última segunda-feira (7).

O Música em Letras entrevistou Arismar e gravou o músico tocando com exclusividade para o blog trechos de duas músicas, “Papagaio” e “Tereza”, as duas presentes no disco que está sendo lançado (veja vídeo no final do texto).

Leia, a seguir, o que o multi-instrumentista e compositor tem a dizer sobre seu novo trabalho, pandemia, música, além de um faixa a faixa, no qual descreve poeticamente cada uma das músicas do disco “Cataia: Da folha ao chá”.

O compositor Arismar do Espírito Santo tocando piano, em sua casa, em São Paulo (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Como você tem enfrentado o período da pandemia com relação ao trabalho?

Tenho estudado todos os dias. Compondo diariamente para o projeto chamado “Quarentemas”, que já está no YouTube. Duas generosas dezenas de músicas, alguns trabalhos que se transformaram em projetos virtuais, festivais, shows, aulas em grupo.

Como você define o disco ‘Cataia: Da folha ao chá’?

Cataia tem como definição ‘parceria’. Um lego de ludos onde tudo se encaixa. Um jogo de encaixes entre músicos, amigos, irmãos de sons, estúdio, donos de sites “loucos por música”. É como o alinhamento dos astros. Todos no lugar certo, na hora certa, com disposição pra tocar. Metade do CD ensaiado, e metade ao vivo, com público. Entre a dinâmica de um sarau e a sobriedade de uma sala de concerto. Tendo colado, na mesma nave, um baixista e um baterista ligados na criação.

No disco você toca piano, violão e usa a voz. A música pede o instrumento ou você? Como é feita essa escolha?

Tocando piano com o violão no colo e cantando de alma aberta, esse é o mote. A música não pede, manda! A escolha é dela. A escolha do instrumento também é uma busca do timbre inédito. Se você imaginar a música como uma imensa aquarela, os instrumentos são os pigmentos que dão vida aos tons. A luz nasce da escolha momentânea do timbre, da região e da tessitura que a música pede.

O Mauro Martins [baterista que gravou o disco] mora no exterior, quem irá tocar no lugar dele quando das apresentações?

O alinhamento dos astros colocou Mauro Martins em Curitiba naquela semana. Já havíamos tocado juntos em Basel (Suiça) e penduramos na conta do destino a promessa de gravarmos em breve. O Mauro é um baterista contrabaixista. Toca com o som e para o som, no apoio do som. A turnê na Europa, em 2021 será com ele. No Brasil, o projeto Cataia conta com a bateria batuqueira de Cleber Almeida, batera zabumbeiro, triangueiro, panderista, compositor e cantador. São duas digitais distintas, que brilham e benzem esse repertório.

Comente a participação do Glauco nesse som.

Glauco Solter é o fiel escudeiro do projeto. Foi quem primeiro ouviu e tocou, com seu contrabaixo, a maioria das músicas do CD, na Ilha do Mel, quando surgiu a ideia de gravá-lo. De lá mesmo articulou a parceria com Caco, artista ilhéu e autor da capa do disco, Álvaro Ramos, do estúdio Gramophone, que imediatamente marcou a data da gravação para três dias depois, Paulo Dom Max que apoiou com datas no seu palco mágico, Mauro Martins, que estava de férias em Curitiba, e assim se fez a parceria.

Em termos de resultado final, após ter gravado esse disco e tê-lo ouvido, você pode dizer que vocês três conseguiram chegar aonde imaginavam chegar?

Claro, ou até mais, pois três faixas acabaram ficando fora do CD, mas serão aproveitadas para o próximo projeto.

O Q-Code que está na contracapa do CD dá acesso ao clima de como tudo aconteceu. Quando e quantas foram as sessões de gravação?

Foram duas sessões de gravação no estúdio Gramophone, em Curitiba, no verão de 2019. O Q-Code é uma ferramenta a mais para passar essa parceria.

No CD físico há 11 faixas, nas plataformas 14. Comente.

Três faixas ficaram fora do CD físico por uma questão de espaço. Mas foram para as plataformas. São elas: uma segunda versão de “Cataia”, uma segunda versão de “Tereza” e outra música, “Tema pra Waltel”.

O que as pessoas devem ter em mente quando forem escutar esse disco?

Paz, pra receber notas escolhidas num trajeto de 50 anos de música, tentando iluminar os temas com essa verve de tocar, pesquisar, improvisar, cantar, busca, compor todos os dias. Como um canto de trabalho e de festejo. As notas soam livres como palavras, pro pensador ambulante

O artista em entrevista ao blog Música em Letras (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Complete:

Tocar em trio é…estar amarrado na roda do atirador de facas, com os olhos vendados.

Tocar em duo é…estar de bem com a própria sombra.

Tocar solo é…cobrar o escanteio e fazer o gol de bicicleta.

Tocar piano é…nado cachorrinho.

Tocar baixo é…o abraço do tamanduá.

Tocar guitarra é…criar a onda e surfar no próprio tubo.

Tocar violão é… deitar na rede e sentir que quem te balança é o vento.

Não tocar é…um vazio…

Este é meu disco mais…brincante.

Este é meu disco menos…craniado.

Capa do CD ‘Cataia: Da folha ao chá’ (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

FAIXA A FAIXA DO DISCO ‘CATAIA: DA FOLHA AO CHÁ’ POR ARISMAR DO ESPÍRITO SANTO

1-“Cataia”

A semente.

2-“Pitaia”

O mistério do “flavor”.

3-“Tereza”

A corda feita de trapos que vem da boca do meu violão e me puxa para dentro da música.

4-“Seu Hélio”

Mão de violão.

5-“Célia”

A voz do sorriso.

6-“Papagaio”

Doar voz ao instrumento.

7-“Chegança”

Casa de música.

8-“10 Passitos”

O lego de ludos.

9-“Pra Léa”

Minha maninha amada.

10-“Caindo em Si”

Piano de criança.

11-“Pico Alto”

Mirante admirante, Ceará de cima.

Assista, a seguir, ao vídeo no qual Arismar toca exclusivamente para o internauta do blog, trechos de duas músicas “Papagaio” e “Tereza”, as duas no CD.

CD “CATAIA: DA FOLHA AO CHÁ”

ARTISTAS Mauro Martins (bateria), Glauco Sölter (contrabaixo) e Arismar do Espírito Santo (piano e composições)

ONDE Plataformas de striming

QUANTO R$ 25 o CD físico