Publicação revela vida e obra de Heraldo do Monte
Pernambuco tem frevo, maracatu e o guitarrista, compositor e arranjador Heraldo do Monte, que tem o frevo, o maracatu, Pernambuco dentro de si, e a música do mundo todo dentro de sua música, a brasileira.
O Brasil tem Heraldo, Heraldo tem o Brasil; a música tem Heraldo, e a recíproca é sonoramente verdadeira. Basta ouvi-lo tocando guitarra, viola ou o escambau para perceber haver Brasil em seu som, matando a pau.
Agora é possível conhecer boa parte da história musical e artística desse músico brilhante que, segundo ele, foi escolhido e escravizado pela deusa Música, diante de sua beleza.
Inaugurando o selo Brasil de Dentro, Heraldo merecidamente ganha uma bela publicação com sua história, obras em partituras e coletânea em CD: “As cordas livres de Heraldo do Monte”.
Em formato de caderno, com 240 páginas, o livro traz a obra completa do compositor em partituras, além de um CD coletânea que registra sua trajetória musical. A publicação é a primeira da série Brasil de Dentro, criada pelo Instituto Çarê, para sistematizar, editar e difundir obras de compositores brasileiros, em parceria com a editora Contraponto.
A publicação foi uma iniciativa da artista plástica e educadora Elisa Bracher e do músico e professor Ivan Vilela, além de uma equipe de profissionais como Luis do Monte (filho de Heraldo e também guitarrista), que realizou a maior parte das transcrições, e de Edmilson Capelupi (violão de 7 cordas) e Toninho Carrasqueira (flauta), que realizaram a revisão musical ao lado do próprio compositor, entre outros. Só craques.
Segundo o violeiro Ivan Vilela, que assina o texto de abertura com Elisa Bracher, o livro faz parte de uma coleção que em suas edições pretende mostrar a riqueza presente na nossa música, sobretudo a que não chegou ao conhecimento do grande público. Artistas como Antonio Madureira, do Movimento Armorial, e Marlui Miranda, pesquisadora do universo sonoro indígena do Brasil, estão no elenco das obras a serem contempladas em futuras edições.
Agora, pense na história de um artista de 85 anos que tocou, viu, ouviu e nunca desistiu? Persistiu e conseguiu ser um grande músico, mesmo no Brasil. No mínimo interessante saber o porquê desse grande feito, além de momentos vividos por Heraldo quando participava do Quarteto Novo, ao lado de Théo de Barros, Airto Moreira e Hermeto Pascoal; ou quando integrava o Dick Farney Trio, o Grupo Medusa, e o Hermeto Pascoal & Grupo, entre outros.
Sem spoiler, leia a seguir um trecho do depoimento do compositor Tom Zé sobre Heraldo do Monte e sinta quanta música há em suas letras.
“Heraldo educa. Dórico, frígio, lídio, mixolídio. Quirom é um centauro educador. E não há criatura mais semelhante ao centauro do que o guitarrista. A parte equina é o homem, a parte humana é a guitarra. Os guitarristas são asas da imaginação humana. Os homens voam com o pensamento, e eles com as cordas. O nordeste voa com Heraldo. Para dar corpo a esta afirmação, ele nasceu em Pernambuco, em 1935. Lourdes [mulher de Heraldo] é uma asa, Luis [filho de Heraldo] é outra, Heraldinho é uma recordação e as meninas, as musas. É do monte que Heraldo salta. O monte é uma elevação. A montanha pode ser maior, mas a heráldica é a ciência que estuda os brasões. De forma que, heraldicamente falando, é uma gema pernambucana, um cara matreiro, sempre amolando a faca atrás da moita. Heraldo também toca outros e muitos instrumentos: violão, viola, cavaquinho, bandolim, banjo, baixo, e a dita. Quem toca guitarra parece usar um instrumento estrangeiro. Mas essa mentira deve-se à pobreza e ao enovelado desenvolvimento do país.”