Mauro Brucoli lança álbum solo primoroso
O Música em Letras esteve quinta-feira (05) com o violoncelista Mauro Brucoli que acaba de lançar o CD “Mauro Brocoli Violoncelo Solo” nas plataformas digitais e em CD. “Fiz uma cópia em vinil, mas só para mim”, disse o artista e professor afirmando ser perceptível a mudança de som de uma mídia para a outra.
Além de conceder uma entrevista exclusiva e realizar um faixa a faixa do CD, o músico, que entre outras funções ocupa lugar de primeiro violoncelo solista da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, gravou um vídeo com exclusividade para o blog de “Canto Primo”, primeiro movimento da “Suíte para Violoncelo Solo nº 1-Opus 72”, do britânico Benjamin Britten (1913-1976), composta por nove movimentos registrados no disco (veja vídeo no final do texto).
Ainda no CD, o instrumentista reúne à descrita suíte, a “Sonata para Violoncelo Solo-Opus 8”, do húngaro Zontán Kodály (1882-1967), com três movimentos.
O resultado é um disco primoroso, feito por quem estudou muito antes de gravar, tocou muito antes de gravar e continua tocando na mesma intensidade, depois de gravar, pois quando os concertos de apresentação do disco forem iniciados, previstos para o início do próximo ano, o repertório-lindo, mas nada fácil-tem de estar “embaixo dos dedos” para ativar a alma pelo som do instrumento. “Quando as pessoas nos assistem ou nos escutam tocar, pensam ser fácil, mas esquecem o enorme tempo que passamos estudando e aprimorando para chegarmos a esse resultado”, disse o dedicado e talentoso instrumentista.
Leia, a seguir, o que esse exímio artista tem a dizer sobre o disco, seu trabalho na orquestra, seus professores, e a pandemia, entre outros assuntos abordados.
MÚSICA EM LETRAS – De acordo com uma conversa que tivemos anteriormente [conversamos dias antes por telefone para marcarmos nosso encontro, que aconteceu na casa do artista, na Vila Carbone, zona norte de São Paulo] você comentou ter gravado esse disco solo por conta da pandemia. Explique isso, por favor.
MAURO BRUCOLI – Sim, eu estava combinando, no final de 2019, com o estúdio e um excelente pianista para gravar peças de violoncelo e piano, mas por conta da pandemia da Covid-19 alterei os planos para um álbum solo, em que pudesse ficar as horas necessárias para a captação do som, em total isolamento em salas separadas, apenas eu e o técnico de gravação;
Em termos de resultado final, após ter gravado esse disco e tê-lo ouvido, você conseguiu chegar aonde imaginava anteriormente.
Minha grande preocupação era conseguir, aqui em São Paulo, um estúdio onde eu pudesse ter os microfones e acústica da melhor qualidade. Após uma minuciosa pesquisa visitando e conhecendo o trabalho dos estúdios, fiquei surpreso com a qualidade do fantástico estúdio Guidon, assim como do técnico de gravação deles [Edielson Aureliano]. O resultado ficou melhor do que eu imaginava, pois a princípio eu buscava um som em especial, baseado em gravações consagradas do mercado, mas consegui um som personalizado, que retratou, ao meu ver, o som fiel do meu instrumento.
O que é o disco? Por que a escolha de obras de Britten e de Kodály?
O disco é a materialização da minha paixão por essas duas peças magníficas. São obras que eu escuto e tenho as partituras desde criança. Os meus vinis, com as gravações históricas dos grandes intérpretes dessas peças, ficavam misturados aos discos com as Fábulas de Esopo e brinquedos da minha infância.
O que as pessoas devem ter em mente quando forem escutar esse disco?
A suíte do Britten é fruto de uma amizade e admiração do compositor para com o violoncelista russo M. Rostropovich, que tinha como grande característica a personalidade eslava de interpretar. Com um som robusto e expressão de todas as notas sustentadas até o último milissegundo. A suíte favorece essa interpretação sonora de frases bem longas.
A sonata de Kodály já une o folclore húngaro à música erudita do ocidente, trazendo consigo a virtuosidade técnica característica dos violoncelistas húngaros, explorando todas as possibilidades do instrumento, transformando-a num desafio técnico ao músico a cada vez que a interpreta.
Qual a maior dificuldade que você encontrou ao gravar um disco solo?
Conseguir preencher com muitas “cores sonoras” um disco de um só instrumento.
Incontestável que sejam situações diferentes, mas entre tocar sozinho e tocar em outra formação, qual a que mais o satisfaz? Por quê?
Tocar sozinho é muito solitário, mas o deixa livre para expressar o que quiser ao ouvinte. De um certo modo é bem prazerosa essa liberdade. Mas tocar em conjunto sempre é mais gratificante porque há uma troca de criatividades entre os músicos durante a apresentação.
O que é ser primeiro violoncelo solista da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo? Esse trabalho é extenuante?
O cargo de chefe de naipe da OSM de SP requer muito estudo, dedicação e liderança, mas não chega a ser desgastante e cansativo. A orquestra, além de contar com os melhores músicos do Brasil, tem em especial um naipe de violoncelos excepcional com grandes especialistas no instrumento, como professores e solistas, em sua formação. Isso facilita demais o trabalho como líder do naipe e tenho muito orgulho do trabalho que lá exerço.
Você se realiza artisticamente mais fora ou dentro da orquestra?
Atualmente dentro da orquestra. Como músico solista estou começando agora a ter mais oportunidades profissionais.
Ter iniciado seus estudos com sua mãe, a violoncelista Maria Cecília Lombardi, antes de ser aluno do professor Sigmund Kubala, fez com que você conseguisse o que de cada um deles. Quais as principais lições?
Ter tido aulas de violoncelo com a minha mãe durante a infância deixou uma marca importante em mim, acredito. As aulas eram como um direcionamento constante em como brincar de fazer música e não uma aula semanal com algum professor chato e austero. O meu segundo professor, S. Kubala, foi na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Por ele ser uma pessoa muito querida e que teve uma formação também na música popular, continuou a me trazer a grande motivação e a paixão pela música que eu recebia em casa.
Você também estudou com o violoncelista Antonio Lauro Del Claro. O que aprendeu com ele que foi de enorme valia?
O grande violoncelista brasileiro A. L. Del Claro veio me despertar a consciência técnica do instrumento e da interpretação. Pude ter a grande honra e oportunidade de absorver a experiência desse ícone na música brasileira.
Na Bulgária, mais precisamente na Academia Nacional de Sófia, você estudou com o professor Anatoli Krâstev, com quem concluiu o curso de especialização em violoncelo, e com o compositor, pianista e professor Victot Shuchukov, o curso de música de câmara. O que de mais importante aprendeu com cada um deles?
Anatoli Krâstev é indiscutivelmente o maior solista de cordas do seu país. Ele me trouxe com a sua técnica e maestria maior tranquilidade para os palcos e a possibilidade de conseguir êxito musical com qualidade profissional em qualquer repertório do violoncelo.
O pianista e compositor V. Schuchukov é a pessoa que eu sempre lembro, de suas dicas e sugestões, quando faço música em conjunto. Tocar prestando atenção em todos os seus companheiros, tanto na música de câmera quanto sinfônica, é uma arte que deve ser muito bem estruturada pelos profissionais.
Você já foi convidado e participou como primeiro violoncelo de várias orquestras, entre elas a OSESP, a sinfônica de Curitiba, além das orquestras de câmara de Londrina e de Curitiba. Como professor, qual a orientação que você passa para seus alunos quanto às regras que devem ser seguidas quando se é convidado para tocar?
O maior trabalho é de preparação; para aceitar trabalhos desafiadores você precisa ter tempo para se dedicar ao estudo e preparação deles.
O texto do encarte de seu CD é primoroso, com uma didática notável. A que você atribui seu dom de ensinar?
Eu sempre lecionei em toda a minha vida profissional. Ensinar é aprender com os outros, como disse algum filósofo. Não é fácil transformar em palavras a música, procuro fazer isso.
Qual a lição que o músico brasileiro deve aprender para edificar uma carreira?
Aqui estamos num crescimento cultural em andamento. A música popular é muito original e fantástica, temos que levar isso aos nossos clássicos. O músico brasileiro tem que ter mais autoconfiança e se mostrar como é. Não deveríamos só aprender música no estrangeiro, deveríamos começar a ensinar também. Manter uma boa conexão de informações com todo o mundo da música, Europa e Estado Unidos da América, principalmente, pois o investimento em música deles é enorme e temos que aproveitar essa fonte. Unindo a nossa criatividade brasileira a isso, tenho certeza de que nosso sucesso é certo.
Como você enfrentou o período da pandemia com relação ao trabalho?
Foi triste não ter o contato presencial com o público, apenas o virtual. Nós músicos nos atiramos nas redes sociais nesses meses com apresentações, ensaios virtuais e aulas numa atitude desesperada de manter viva a arte da música. Isso me manteve com esperança para vencer esses dias de incerteza e medo. Aos poucos os teatros estão sendo reabertos e isso é um alívio. O próprio concerto de lançamento do álbum ainda não foi marcado por causa dessa reabertura imprecisa. Espero em breve poder confirmar a data e local.
Aulustrio é o nome do grupo composto por você (violoncelo) e seus dois irmãos, Paulo Brucoli (piano) e Fabio Brucoli (violino). Misturar música com família dá certo? Vocês conseguem ter distanciamento quando têm de resolver algo musicalmente entre vocês?
A profissão de músicos na nossa família vem de gerações. Desde criança aprendemos a separar e respeitar a boa convivência em fazer música e encará-la como uma profissão. Existe um respeito a hierarquias no ensaio dos conjuntos que não podemos abrir mão para que o trabalho funcione, mesmo sendo pessoas da mesma família. Há uma tolerância entre as interpretações individuais, e certas regras a serem seguidas quando se trata de quem é o líder nas diversas situações da partitura. Algumas brigas ideológicas musicais sempre acontecem nos ensaios, mas nada que não pode ser resolvido no café dos intervalos com uma boa conversa.
Complete por favor: Ser músico no Brasil é…
Ter muita coragem.
Violoncelistas do Brasil deveriam…
Fazer mais orquestras só com violoncelos.
Muita coisa melhoraria se maestros e maestrinas…
Soubessem popularizar a música clássica.
A relação de um instrumentista com seu instrumento é…
Diária, não tem sábado, domingo nem feriado.
Leia a seguir, o faixa a faixa feito por Mauro Brucoli, com exclusividade para o blog.
FAIXA A FAIXA CD “MAURO BRUCOLI-VIOLONCELO SOLO” POR MAURO BRUCOLI
Benjamin Britten (1913-1976)
“Suíte para violoncelo solo n° 1 Op. 72”
1-“Canto Primo”, sostenuto e largamente-1’43”
“Som de violoncelo e afinação.”
2-“I Fuga”, andante moderato-3’33”
“Como seria uma fuga de Bach no século 20.”
3-“II Lamento”, lento rubato-2’39”
“Um dançarino solitário e muito expressivo.”
4-”Canto Secondo”, sostenuto-1’09”
“O instrumento em sua cor mais grave e escura.”
5-“II Serenata”, allegretto pizzicatto-2’12
“Violoncelo transformado numa guitarra espanhola.”
6-“IV Marci”, alla marcia moderato-3’21”
“As ameaças militares da guerra fria nos anos 60 do século 20.”
7-“Canto Terzo”, sostenuto-2’22”
“ Lembranças das falésias geladas do litoral oeste da Inglaterra.”
8-“Bordone”, moderato quasi recitativo-3’13”
“A transfiguração da gaita escocesa num violoncelo moderno.”
9-“Moto Perpetuo e Canto Quarto”, presto-3’24
“Rápido, desesperado e um fim imponente.”
Zontán Kodály (1882-1967)
“Sonata para violoncelo solo Op.8”
10-Allegro maestoso ma appassionato-7’49”
“Como seriam contadas as histórias musicais do interior da Hungria nas grandes cidades do país.”
- Adagio (con grand’spressione)-10’49”
“O improviso lento e decidido do Oriente.”
- Allegro molto vivace-10’54”
“A música folclórica húngara, sua linguagem forte, primitiva e brutal na visão de um compositor moderno.”
Assista, a seguir, o vídeo que o artista gravou com exclusividade para o blog Música em Letras, no qual interpreta “Canto Primo”, primeiro movimento da “Suíte para Violoncelo Solo nº 1- Opus 72”, do britânico Benjamin Britten (1913-1976), composta por nove movimentos registrados no disco.
CD “MAURO BRUCOLI -VIOLOCELO-SOLO”
ARTISTA Mauro Brucoli
ONDE Plataformas https://sl.onerpm.com/9071280448?_ga=2.185356521.1976551143.1601845521-1788425606.1601753190 , site do artista www.maurobrucoli.com