Após 20 anos, músicas inéditas de Baden Powell (1937-2000) são lançadas em álbum

Uma pesquisa em arquivos familiares resgatou composições nunca registradas do violonista e compositor Baden Powell (1937-2000). A pesquisa resultou no álbum “Baden Inédito”, do quarteto Ludere, formado pelo pianista e tecladista Philippe Baden Powell (filho do violonista e compositor Baden Powell), Rubinho Antunes (trompete e flugelhorn), Bruno Barbosa (contrabaixo acústico e elétrico) e Daniel de Paula (bateria e percussão).

Neste sábado (26), o álbum chegará ao público através das plataformas digitais, nos formatos CD e vinil, além de lives e vídeos produzidos também para lembrar os 20 anos da morte do compositor, ocorrida em 26 de setembro de 2000.

O Luedere, formado desde 2015, apresentou-se em festivais no Brasil e no exterior. Entre os lugares onde seu som ecoou estão o conceituado Duc Des Lombards, em Paris; a Casa da Música, no Porto; o tradicional jazz club londrino Ronnie Scott’s; além do Birds Eye Jazz Club, em Basel, na Suíça e na JazzAhead, em Bremmen, Alemanha.

Em março de 2020, antes das interrupções em função da pandemia da Covid-19, o Ludere fez mais uma turnê na Europa, no projeto Musik Winter, em Gschwend no sul da Alemanha, e no conceituado club Porgy and Bess, em Viena.

O disco “Baden Inédito” traz sete temas instrumentais inéditos, além de duas canções de Baden Powell com parceria de novos compositores. Conta ainda com as participações especiais das supercantoras Vanessa Moreno e Fabiana Cozza e dos exímios instrumentistas Thiago Carreri (violão e guitarra) e Gabriel Grossi (harmônica).

Leia, a seguir, a entrevista exclusiva que o filho de Baden Powell, Philippe Baden Powell concedeu ao Música em Letras, por e-mail, e veja (no final do texto) o faixa a faixa também exclusivo que o artista fez sobre o disco “Baden Inédito”.

Música em Letras – Você mora em que local da França e há quanto tempo?

Philippe Baden Powell – Moro em Paris, praticamente, há 15 anos. Cheguei em dezembro de 2005. Aqui é a cidade onde eu nasci, e aqui já morei em bairros diferentes. Há um mês estou morando, com minha mulher e meu filho, no que as pessoas chamam de região parisiense de Auvers-sur-Oise, uma cidadezinha histórica e famosa porque Van Gogh morou aqui. Foi uma mudança rápida. Por conta da crise sanitária, sentimos a necessidade de estar num ambiente afastado da cidade grande. É uma cidade pequena que tem floresta. Nós conseguimos uma casa maior do que o apartamento que morávamos, mais barata e perto de bosques. Resolvemos melhorar nossa qualidade de vida por conta dessa situação.

Há pretensões de um dia voltar a morar no Brasil?

Não sei se pretendo voltar a viver no Brasil; é uma pergunta difícil de responder. Ainda que eu não tenha esse projeto no momento, não é uma opção que eu descarte. Eu amo o Brasil, apesar de eu ter nascido na Europa, vivi no Brasil, no total, por 15 anos, não seguidos. Minha família e minhas raízes são todas brasileiras, e eu ainda tenho parte da família no Brasil-minha mãe, meu irmão, meus primos. Enfim, meu contato com o Brasil é diário, e ter vivido no Brasil é extremamente importante pra mim como pessoa, já que eu também sou brasileiro. Se isso acontecer, vai ser bom, mas por enquanto, estou concentrando na França, tanto profissionalmente como pessoalmente. Eu tenho ido ao Brasil pelo menos duas vezes ao ano, claro que não durante a pandemia, mas nunca me distancio do país.

Como está lidando com a pandemia? Há escassez de trabalho?

A minha vida profissional se baseia em três pilares: dou aulas, faço shows e componho. Então, no que se refere aos shows, isso está quase zero. Eu toquei em dois shows em agosto, em Paris, mas agora estou sem previsão. Preciso voltar a ligar para os lugares para saber quem está programando, mas não é minha prioridade, até porque não há uma previsão certa da evolução da pandemia e, mesmo que eu agende shows, eles podem ser anulados. Então deixo essa opção de lado e me concentro na composição e nas aulas, que são atividades que, mesmo durante o isolamento, renderam uma demanda. Eu tive que adaptar a maneira de dar aula, sempre a distância, workshops pela internet, através de ferramentas que permitem isso. Então, essa escassez de trabalho, no meu caso, não ocorreu. Continuei dando aula, continuei compondo, agora tenho uma música que eu compus com a Melody Cardot [cantora e compositora de jazz], que sairá no disco dela. Fiz trilha sonora, dei aulas e workshops a distância. Também estou retomando as aulas presenciais, já que aqui já é permitido, com medidas preventivas importantes como o uso de máscara.

Por quanto tempo você ficou buscando essas composições inéditas de seu pai?

Na verdade não teve um tempo certo de busca, existiu um tempo de trabalho sobre músicas que eu sabia que existiam. Após alguns anos do falecimento do meu pai, nós começamos a juntar os elementos do acervo dele. Tinha violões em fitas k7, discos de vinil e muitas partituras. E nessas partituras havia trechos de músicas. Conversando com meu irmão Marcel [Marcel Powell, violonista e compositor] e com minha mãe, Silvia, achamos por bem deixar esse acervo sob os cuidados do Instituto Moreira Salles, no departamento de música dirigido pela Bia Paes Leme, que tem uma equipe extremamente competente e cuidadosa. Eu morando e trabalhando na França, e o Marcel com a carreira dele, não teríamos tempo pra cuidar desse acervo, teríamos que parar para cuidar disso. Todas as partituras foram digitalizadas, as fitas e discos, guardados e classificados, sendo tudo colocado para pesquisa. Eu sabia que ali existiam músicas inéditas, mas eu nunca tinha colocado a mão nelas. Em 2015, formamos o grupo Ludere, esse quarteto de que eu faço parte e que tem o trompetista Rubinho Antunes como membro fundador, o baterista Daniel de Paula e o Bruno Barbosa, contrabaixista e produtor do grupo. Sempre tivemos muita afinidade com a música de meu pai. Nos shows já apresentávamos, além de nossas composições, releituras de músicas do Baden, que são propícias para a linguagem musical que usamos, com improvisação, sofisticação harmônica e elementos polirrítmicos. Essa identificação com a obra do Baden é que nos levou a pensar em um dia dedicar um trabalho inteiro a ele. E 2020 foi o ano ideal para fazer um disco de obras inéditas, arranjadas e com uma roupagem que rendesse uma homenagem ao Baden como compositor e ao universo musical que ele gostava. Acho que é isso que eu trago para o disco: uma coisa diferente dele, que usava o violão pra se expressar na música, e, ao mesmo tempo, uma roupagem que fosse compatível com a onda do quarteto. Temos influências diferentes, o jazz contemporâneo, a música instrumental brasileira também, e então resolvemos fazer esse disco.

Nessa busca você encontrou mais composições, além das que foram gravadas? Quantas ficaram de fora do repertório do disco?

Além dessas gravadas, há outras também inéditas em partituras, trechos de um lado da folha e outros no outro….Tivemos que garimpar, explorar e encontrar uma coerência nas composições. A primeira pessoa que fez esse garimpo foi o Rubinho Antunes [trompetista do Ludere]. Cada um na banda tem uma função, e eu como filho não quis puxar essa responsabilidade só para mim, pois era importante o envolvimento dos outros integrantes. Ele [Rubinho] me enviava os temas e o grupo todo opinava. Em alguns casos, encontramos ali o processo criativo do Baden, como por exemplo o “Cai Dentro”, que a gente descobriu, ali, que tinha uma melodia que parecia o início do processo de composição dessa música. Não sei dizer quantas [músicas] ficaram de fora…mas muitas ficaram.

Da esquerda para a direita, o baterista e percussionista Daniel de Paula, o pianista Philippe Baden Powell, o trompetista Rubinho Antunes, e o contrabaixista Bruno Barbosa, integrantes do quarteto Ludere (Foto: Divulgação)

Qual critério você usou para selecionar o material encontrado?

O critério principal foi de que a música fosse inédita. O segundo critério foi da estrutura da composição; não queríamos um tema muito curto, pois se tivéssemos que desenvolver muito mais não seria uma composição dele. Outro critério foi o caráter de cada música, como por exemplo o “Choro para Estudo”, que é uma melodia fundamentalmente instrumental. O “Vai Coração” é uma melodia que poderia receber letra. Queríamos dar uma roupagem contemporânea. Como filho, pensei: ‘Onde estaria o Baden hoje, que música ele estaria fazendo e com que parceiros ele estaria?’. Ele gostava muito de artistas jovens, portanto achei que ter novos parceiros, como o Pretinho da Serrinha, daria essa contemporaneidade a sua música.

Como foi o processo de gravação do disco?

O processo de gravação foi relativamente longo. Ocorreu quase que inteiramente no período de confinamento. Foi difícil. Foi a distância. Eu tinha um fuso de cinco horas a mais, então encontrar um horário bom para todos foi um desafio. Trompete, baixo e bateria foram gravados no Brasil, e eu com o piano daqui da França. Eles imaginavam como eu tocaria. Quando eu recebi as faixas, ouvi muito para entrar naquele clima, em estúdios diferentes, sem o bate-bola comum das gravações, que há em condições normais. Mas por nos conhecermos tão bem e termos trabalhado na pré-produção, acabou tudo dando certo. Não soa como gravado separadamente. Há uma unidade sonora. Esse isolamento somente exigiu o melhor de cada um de nós.

Em que tipo de mídia estava esse material: fitas k7, fitas de rolo, VHS, filmes, partituras… Fazia parte de gravações que ele mantinha como estudo ou tocando informalmente?

Eram essencialmente partituras, nenhuma gravação. As melodias escritas, às vezes inteiras, às vezes em trechos. Tivemos que reconstituir e juntar para ter o tema integralmente. Algumas melodias tinham cifras de acordes, o que facilitou o nosso trabalho, mas muitas não. O zelo do meu pai foi deixar só o que ele queria, o que era importante pra ele. Onde encontramos a melodia, não encontramos a harmonia, nem a indicação de tempo; nós harmonizamos com a nossa liberdade de colocar um acorde inesperado e de escolher o andamento da música. Respeitamos o que ele deixou.

Como você acha que ele reagiria ao ouvir o disco?

Não quero arriscar, pois seria fruto da minha fantasia, da minha esperança. O que posso dizer é que eu fiz tudo aquilo que aprendi com ele nesse disco. Pode soar diferente do que ele faria, pois somos artistas diferentes, mas o que fizemos foi dentro do que ele gostava na música: improvisação, balanço e sonoridades eletroacústicos. Tudo o que ele me mostrou. Então, não estou traindo a memória e nem a convicção musical dele.

Qual a maior lição, musical ou de vida, que você teve com seu pai.

Essa pergunta é muito boa. O meu pai dizia em casa, diariamente, que a gente tinha que ser escravo do instrumento. Outra coisa que ele dizia era: “Você tem que vencer o instrumento, o instrumento não pode te vencer”. O estudo, a prática é exigente. Ele sempre conseguia tocar uma peça muito bem. E outra coisa que ele dizia era que quando você sobe no palco tem que tocar pra valer. Ele transmitiu para o Marcel [violonista, irmão de Philippe Baden Powell] e para mim, a noção do compromisso. Ele não tinha uma exigência injusta, de ser gênio, ele dizia: “Você tem que ser competente”. E quando a gente tocava bem, nem tinha muito elogio, era quase uma obrigação: “Você estudou pra tocar bem”. Mas se a gente não tocava bem, ele ralhava. Ele era muito simples. Meu avô era sapateiro e minha avó não trabalhava fora [de casa], então meu pai teve que ser muito bom para ter trabalho, numa época em que ser músico não era bem visto. A relação dele com a arte era sempre muito concreta, pragmática. Ele também dizia: “Música não tem mentira, se você toca bem, todos ouvem; se toca mal, também”.

O que as pessoas devem ter em mente quando escutarem o disco?

Essa pergunta é difícil de responder. Acho que as pessoas devem ouvir pelo coração. A música é para se sentir; que se deixem levar pela música.

Como e onde (endereços) serão as lives do disco? Como são os vídeos que foram gravados sobre o disco e onde estarão disponíveis?

Vamos fazer lives pelo nosso Instagram http://@Ludere_oficial durante todo o mês de outubro, e faremos uma live de lançamento, apresentando todas as músicas do disco, no dia 30 de outubro, que será transmitida pelo nosso canal do Youtube e no Facebook.

Capa do CD ‘Baden Inédito’, do quarteto Ludere (Foto: Divulgação)

FAIXA A FAIXA DO ÁLBUM “BADEN INÉDITO” POR PHILIPPE BADEN POWELL

1-“Vai Coração” de Baden Powell e Pretinho da Serrinha. Participação de Vanessa Moreno (voz).

“Samba de linhagem tradicional e temática, que aparece muito na obra do Baden, do homem que sofre de mal de amor, mas acaba curado.”

2-“Afrosambagroove”, de Baden Powell

“Tema que batizamos rendendo homenagem à série de composições feitas por Baden Powell em parceria com Vinícius de Moraes, influenciadas pelas raízes africanas. A roupagem que foi dada por Daniel De Paula, o arranjador nessa faixa, tem influência de uma outra ramificação da herança africana, que deu origem a alguns estilos norte-americanos, como o rythm and blues ou o jazz-funk.”

3-“Lamento para Milton Banana”, de Baden Powell

“O Milton Banana [baterista] foi grande amigo de adolescência de Baden. Essa composição levava, a princípio, o nome de ‘Milton Banana’. A melodia nos pareceu ser mais expressiva tocada lentamente, assemelhando-se a um canto chorado, um lamento.”

4-“Partido”, de Baden Powell e Daniel de Paula

“Tema cujo título já estava indicado. Era um tema muito forte, que já sugeria o andamento e a roupagem adequada, porém muito curto. O Daniel [baterista do Ludere] resolveu experimentar compor uma extensão que ficou muito coerente. É difícil distinguir a parte existente da parte composta por Daniel.”

5-“Mergulhador”, de Baden Powell

“É um tema contemplativo, no qual procuramos explorar e preencher os espaços com texturas sonoras diluídas. O título desta música também já havia sido decidido por Baden.”

6-“Meias Verdades”, de Baden Powell

“Tema mais lento, cadenciado, que vai se transformando e nunca se deixa entregar. Por isso ganhou esse título, lembrando o famoso ‘vai, vai, não vou’, conhecido em outra música [‘Canto de Ossanha’, de Baden Powell e Vinicius de Moraes].”

7-“A Lua Não Me Deixa”, de Baden Powell e Eduardo Brechó. Participação de Fabiana Cozza (voz).

“Samba pra frente, muito característico do Baden, que ganhou uma belíssima letra do Eduardo Brechó e uma interpretação irretocável da Fabiana.”

8-“Baden Blues”, de Baden Powell

“Acabamos chamando-a de ‘Blues’ pelo caráter afrojazzístico ao qual essa composição remete. Apesar do título, a roupagem é totalmente ‘afrosambística’, com ambos os ritmos, afro e samba.”

9-“Choro Para Estudo”, de Baden Powell. Participação de Gabriel Grossi (gaita).

“Essa é das composições a que mais gostei. Geralmente o choro pede violão, e o Baden tinha um jeito muito pessoal e exuberante de tocar choro. Na maioria das vezes, tocava os próprios choros sozinho e acrescentava variações com um forte caráter erudito. Foi um desafio muito bem vencido de restituir a exuberância e a personalidade violonística dessa composição, através de um arranjo e execução no qual o violão está ausente. Gabriel [gaitista] é um músico ‘casca grossa’, que injetou uma forte energia nessa interpretação.”

Quarteto Ludere (Foto: Divulgação/Monise Terra)

LANÇAMENTO CD “BADEN INÉDITO”
QUANDO Sábado (26)
ONDE Plataformas de streaming
QUANTO CD $25; vinil $100
ONDE COMPRAR Instagram http://@ludere_oficial; site: www.ludere.art.br; Facebook: https://www.facebook.com/ludereoficial
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