CD Bar: templo da música, comida caseira e simplicidade

Hoje é sábado (5), dia de feijoada (magra) no CD Bar, que você pode comer por R$ 24,90 reais. Também vale degustar um dos muitos acepipes (bolinho de carne, pastel, linguiça, esfiha, entre outros disponibilizados na estufa de vidro, daquelas típicas dos botecos de São Paulo ou dos botequins do Rio de Janeiro.

Não, você não está no Cozinha Bruta, blog excelente do Marcos Nogueira, jornalista profissional e cozinheiro amador, que aborda a gastronomia de forma crítica e original. Aqui é o Música em Letras mesmo, mostrando para você que esse pequeno estabelecimento (28 lugares) é mais do que um bar ou restaurante: é uma loja, por onde já passaram muitos músicos (Luiz Ayrão, Bira, Leonardo, entre vários) e artistas (Bussunda e a turma do Casseta e Planeta), entre outros que continuam a frequentar o local.

Loja na qual você pode comer ou beber ladeado por discos, instrumentos musicais (violões, ukuleles,  flautas, gaitas, triângulos e pandeiros, entre outros), cordas para violão, fitas cassete de gravações originais, discos de vinil, DVDs e CDs. Com exceção dos discos de vinil, todos os produtos são novos e lacrados de fábrica. Mas atenção: o CD Bar não é um sebo! É uma loja, bar e restaurante, onde toda a mercadoria contendo fonogramas foi adquirida diretamente dos distribuidores.

Estantes e vitrines com discos  à venda no CD Bar, em São Paulo (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapres)

A quantidade de “filés”-não só os de carne, frango, porco e peixe-é impressionante. Há no estabelecimento vitrines, estantes e muitas caixas repletas de discos raros de diversos gêneros musicais.

Enquanto este repórter esteve no local, por volta das 16h nesta quinta-feira (3), almoçando-sim, já era tarde-um prato comercial (arroz, feijão, salada com alface, cebola e tomate, farofa, um farto bife de contra-filé bem macio, batata frita na hora-de verdade, não é massa-e um ovo frito, por R$ 19,90), ouviu das caixas de som do estabelecimento, em um som suportável (ufa), jazz, blues, samba, música instrumental, pop, rock e MPB, muita MPB (veja vídeo no final do texto).

Essa não era minha primeira vez no local, que fica próximo ao prédio onde funcionou a Escola de Música do Estado de São Paulo-Tom Jobim (EMESP Tom Jobim), no Brooklin, antes de sua transferência para a Luz, no centro de São Paulo, cedendo o lugar para o Polo Brooklin do Projeto Guri (Av. Padre Antônio José dos Santos, 1019).

Há muito eu queria fazer do local uma pauta. Contudo, procrastinar faz parte da vida de quem vive de olhos, ouvidos e boca abertos para tudo que se relaciona a música e som. Um assunto toma lugar de outro, outro toma lugar de um, e quando se percebe lá foram anos daquela ideia que renderia uma bela pauta.

Jurandir Apolinário, comerciante apaixonado por música (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

APAIXONADO POR MÚSICA

Pois bem, agora não deixei mais escapar a oportunidade e entrevistei o paraibano Jurandir Apolinário, 58, nascido em Coxixola, cidade que fica a cerca de 250 quilômetros de João Pessoa, e radicado há mais de 35 anos em São Paulo. Há 28 anos, ele criou o CD Bar, que fica na Av. Padre Antônio José dos Santos, 898, Brooklin, zona sul da cidade. A casa funciona das 7h às 20h, de segunda a sábado, e, aos domingos, das 9h às 16h.

“Agora com a pandemia o povo que vinha no final da tarde e ficava até tarde, às vezes passava das 22h, não vêm mais. É gente de idade que vinha tomar uísque, vodca, cachaça e comer salgados. Mas estão com medo de sair, né? Por isso, tem dias que fecho até antes das 18h”, contou Jurandir que estudou música desde criança e tocava em uma banda, “uma orquestrazinha”, animando casamentos, festas e o Carnaval de Coxixola.

O proprietário do CD Bar com uma de suas caixas repletas de CDs originais (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Jurandir iniciou seus estudos musicais, ainda “menino novo”, tocando clarinete, antes de trocar por um trompete de pistons, que teve de vender para um policial de sua cidade, no intuito de vir para São Paulo. “Rapaz, esse piston não me sai da cabeça. Até hoje, ele [o policial] não me pagou tudo. Só pagou a metade, mas eu estava precisando de dinheiro para vir para cá e vendi”, contou o nordestino que, ao chegar em São Paulo, trabalhou em uma padaria no bairro Brooklin Novo, primeiro como ajudante de balcão, depois como gerente e nessa função ficou por oito anos antes de comprar o que atualmente é o CD Bar.

“Vim para São Paulo, com o pensamento de trabalhar com música, como não deu certo trabalhei em padaria. Economizei o que ganhava lá até abrir aqui, onde posso trabalhar, não tocando, nunca tive essa oportunidade, mas ouvindo e vendendo música, que eu gosto demais.”

Samba, marchinha de carnaval, “música americana”, chorinho, entre outros gêneros, compunham o repertório da banda onde Jurandir tocava no interior da Paraíba. Provavelmente daí vem seu gosto tão eclético: “Gosto de tudo que é música, bolero, música popular brasileira, rock, jazz, blues…Rapaz, se é música boa, eu gosto. Ouço de tudo aqui, o dia todo. Vou para casa e ainda escuto mais música. Eu ouço música dia e noite.”

Algumas das muitas caixas de CDs originais, que ficam embaixo de um dos balcões do CD Bar (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

O CD BAR

No início do CD Bar, Jurandir vendia, além de bebidas, refeições, tira-gostos, salgados e fitas cassete de gravações originais. “Ainda tenho muito delas aí. Todas novas. No começo era só fita, depois veio o CD, o pessoal pedia muito e comecei a negociar CD também, além dos discos de vinil. Hoje tenho de tudo quanto é tipo de música aqui. E tudo novo, embalado no plástico de fábrica, tirando os LPs”, disse o músico-ouvinte, que não faz troca e nem compra discos usados, mas tem ofertas sensacionais de discos, que vão de R$ 2,99 (seis por R$ 10), passando por R$ 14 e R$ 25 reais.

Os CDs lideram as vendas. O gênero que mais vende? Pasme: “Vende mais jazz e blues, além de rock mais clássico. Mas tenho de tudo”.

Dos instrumentos que estão à venda, segundo o proprietário, sai de tudo um pouco também. “O que as pessoas pedem eu trago. Já vendi sanfona, só não tenho mais aqui porque é cara, mas se a pessoa quiser eu trago.”

Jurandir Apolinário, no CD Bar (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Na definição de Jurandir, o CD Bar é uma casa bem simplesinha. “Mas agente faz as coisas bem direitinho, comidinha caseira, tudo limpinho, tudo bem organizadinho e bem familiar. Trabalhamos eu e minha esposa [Vânia]. Sou eu quem cozinho, ela só serve.  Aqui é para pessoas simples, mas mesmo assim vem muita gente importante aqui”.

O aparelho de som da casa é ligado desde sua abertura até a hora que fecha, mas só roda CDs. “Já tive vitrola, mas vendi porque não dá pra ficar trocando os lados, né rapaz? Tenho que trabalhar, e o CD corre direto. Às vezes aparecem umas vitrolas aqui, mas eu compro pra revender, não uso mais.”

GENTE DE PESO

A proximidade das escolas de música (Escola de Música do Estado de São Paulo-Tom Jobim e o Polo Brooklin do Projeto Guri) sempre incrementou a frequência de professores, alunos e artistas no CD Bar. “Não sei o nome deles todos, mas sei que são gente que toca bem. Vinham uma duas vezes por semana, para almoçar, o Miltinho [baterista] e o Bira [contrabaixista 1934-2019], que eram do grupo do Jô Soares. O cantor sambista Luiz Ayrão vinha sempre também, o cantor Leonardo…Rapaz, já veio muita gente aqui. Agora, com essa pandemia, diminuiu muito. Mas quem vinha todo mês, também para almoçar aqui era o Bussunda [humorista, jornalista, integrante do grupo Casseta e Planeta] e a turma toda do Casseta e Planeta. Ninguém reconhecia eles, só o Bussunda, porque os caras são bem velhos e, sem maquiagem, você não reconhecia não. Mas eram uns caras legais para caramba. Depois que o Bussunda morreu, eles sumiram daqui, também o programa acabou, né?”

Alguns dos muitos ‘filés’ da casa (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

O que não acabou e nunca irá acabar é o amor de Jurandir pela música. Mesmo estando perto de instituições de ensino musical, ele nunca mais voltou a estudar a arte de amealhar os sons. “Não tenho tempo, rapaz. Não tem como eu parar no comércio para isso, não. Trabalho muito aqui. Por isso, aproveito e ouço muito.”

Assista, a seguir, ao vídeo no qual o repórter almoça o comercial do local, ouvindo um som, além de outros dois, nos quais pode-se perceber o ambiente do estabelecimento, e um outro com o proprietário do CD Bar convidando o internauta para passar bons momentos em meio a muita música, comida caseira, aperitivos e uma afabilidade rara, simples e inigualável.

CD BAR

O QUE É: Bar, restaurante e loja de discos, fitas, instrumentos musicais e acessórios

ONDE: Av. Padre Antônio José dos Santos, 898, Brooklin, zona sul. A casa funciona das 7h, às 20h, de segunda à sábado; aos domingos, das 9h às 16h. Tel. (11) 968-39-4100 Cartões de crédito e débito: aceita as principais bandeiras.

PRATOS: Feijoada (magra) R$ 24, 90; comercial, R$ 19, 90.