Violonista Chrystian Dozza lança ‘No Frontiers’ no Brasil, com aval de Egberto Gismonti
Em novembro de 2019, o Música em Letras entrevistou o violonista, compositor, professor, produtor e arranjador mineiro, radicado em São Paulo, Chrystian Dozza, 37, que estava de partida para a Austrália. O motivo da viagem era a realização de uma série de shows solo e com músicos locais, além do lançamento no exterior do CD “No Frontiers”, o quarto de sua sólida carreira.
A entrevista, com um faixa a faixa e um vídeo feito com exclusividade pelo blog, no qual o artista toca “Samba Rock”-peça que lhe fez abocanhar o primeiro lugar no concurso Nova de Violões-, aconteceu no apartamento onde o músico morava, no bairro da Pompéia, em São Paulo. Você pode ter aceso à entrevista pelo link https://musicaemletras.blogfolha.uol.com.br/2019/11/05/violonista-chrystian-dozza-lanca-cd-na-australia/
Atualmente, o músico mora-com seu fiel e sempre afável “cãopanheiro” John Dowland-na serra da Cantareira, em São Paulo, onde este repórter foi entrevistá-lo e gravou, com exclusividade para o blog, outra versão de “Samba Rock”. Nela, é possível acompanhar os novos caminhos tomados por Chrystian Dozza para realizar seu próximo disco, ao utilizar uma plataforma com pedais de looping (veja vídeo no final do texto).
“No Frontiers” pode ser encontrado em todas as plataformas digitais, e o CD físico, com 11 faixas, é distribuído pela Tratore. O preço nas lojas, em média, é de R$ 30.
Por que o CD “No Frontiers” está sendo lançado só agora no Brasil? “Por conta da pandemia, houve um atraso maior que o previsto, mas finalmente o disco chegou aqui”, disse o artista que ganhou do mago Egberto Gismonti um belíssimo texto para o encarte do disco, enaltecendo o músico e seu trabalho.
Dozza conheceu pessoalmente Gismonti por tocar no afamado quarteto de violões Quaternaglia, do qual participa há dez anos. O quarteto já gravou e produziu um disco de Gismonti e sempre insere composições do artista em seus repertórios.
Com o passar dos anos de atuação no quarteto, Dozza compôs para violão solo-com uma versão para o quarteto-a música “Sobre um Tema de Gismonti”, uma variação inspirada em “Sete Anéis”, de Egberto Gismonti, que faz parte do repertório de seu terceiro CD, “Despertar” (2014). O disco registra ainda dez composições com diversas influências musicais: música brasileira, mineira, rock’n roll e música erudita. Tudo com pitadas do Barroco e da Renascença.
Antes de gravar “Sobre um Tema de Gismonti”, Dozza mostrou-a para Gismonti, tanto na versão solo quanto na com quatro violões, e ganhou a aprovação do mestre que, a partir daí, passou a trocar e-mails com o pupilo.
Em 2019, Dozza esteve com os pais em uma apresentação de Gismonti, em São Paulo. Apresentou-os ao mestre e, diante da pergunta sobre o que estava fazendo, disse: “Estou terminando um disco [“No Frontiers”], totalmente dedicado à música de câmara, sem nenhuma peça solo e com várias formações para o violão. Gostaria muito de te enviar e ter algumas palavras suas sobre o trabalho”.
Gismonti topou, explicando antes que recebe muitos discos para avaliar, além daqueles sobre os quais habitualmente tem de escrever, como os da gravadora ECM, mas que colocaria o de Dozza na fila. “Ele deu essa abertura, enviei e depois de um tempo recebi o texto que prova a dedicação dele em ouvir-e muito-um disco de cabo a rabo, por muitas vezes, antes de escrever a respeito. Fiquei muito honrado e, claro, disponibilizei o texto no encarte do CD”, disse Dozza.
Além do texto, o violonista recebeu uma “ligação-aula” de Gismonti: foi mais de uma hora de conversa, na qual rolaram várias dicas sobre o conceito de gravação e captação para violão, além de composição.
O texto de Gismonti, em inglês, ressalta, entre outras ideias, a de que o violão e a música do disco não são uma mistura da música clássica com a popular, mas sim um indicador da miscigenação existente no Brasil, sem deixar de mencionar Antonio Carlos Jobim. Mas por que em inglês? “Optamos por deixar em inglês para facilitar a difusão do disco no mundo inteiro. É a língua comum, não adianta.”
Entre os conselhos que Gismonti passou para Dozza estão as dicas de gravar sempre ao vivo, com todos os músicos juntos, ao mesmo tempo, o que é uma de suas principais características. Segundo Dozza, Gismonti tem essa concepção de fazer a música inteira, para captar na gravação o impacto do live, da coisa viva. “Eu nunca consegui fazer dessa forma, principalmente repertório solo, porque é difícil. Sempre tive o cuidado de gravar seccionando, por partes, ou às vezes executar trechos inteiros e pegar a melhor parte de cada um. Quem sabe um dia eu consiga, porque a gente ouve nos discos dele uma coisa muito viva, né? Isso pega o ouvido de uma forma que faz com que se vá até o fim do disco, sem parar de ouvir. Talvez, no meu próximo trabalho eu faça assim, mas tenho dificuldade ainda de gravar assim.”
No disco “No Frontiers”, seria impossível realizar as gravações com essa pegada do “ao vivo”, onde todos tocam juntos. Não só pela dificuldade que Dozza tem em gravar dessa forma, mas também pelo fato de contar com captações realizadas na Austrália, com a violonista Karin Schaupp, e na Hungria, com a orquestra Sinfônica de Budapeste.
Contudo, em seu novo trabalho, Dozza talvez possa incorporar o conselho do experiente e sábio Gismonti. Nele, o músico deve gravar uma suíte que compôs originalmente para violão e contrabaixo acústico, “World Suite”. “Nessa peça uso o violão plugado com microfone a um pedal de looping para mostrar cinco movimentos. Depois do prelúdio, cada um traz em sua sonoridade diferentes partes do mundo como a Índia, Britânia, Austrália e América.”
Após o prelúdio que inicia “World Suite”, referências da música indiana ficam evidentes no primeiro movimento; no segundo, há influências musicais da Inglaterra que passam pelo compositor e alaudista renascentista John Dowland (1563-1626), inglês reconhecido por ter “melancoliado” almas com suas músicas até as modernas bandas de rock; no terceiro movimento, a inspiração é a música da Austrália, país que Dozza considera sua segunda casa. O último movimento, mais “groovado”, traz referências que passam pela colonização da América do Norte até Michael Jackson. Mas e o Brasil? “Ainda dentro desse projeto há uma peça solo, também usando o looping, chamada ‘Brasil Sonata’, com três movimentos: ‘Samba Rock’, ‘Toada’ e ‘Pagode’, um pagode caipira”, disse o compositor que lança o trabalho, com oito faixas, em 2021.
Desde o início do ano, Dozza virou o que o meio musical denomina, jocosamente, “músico- artista”, quando um instrumentista ascende na carreira e passa a dispor de melhores condições econômicas. Brincadeiras à parte, Dozza mudou-se de um “apertamento”, na Pompéia, para uma espaçosa e bonita casa de dois andares, construída com madeira de pau-falho, dentro de um terreno com 3 mil metros quadrados, repleto de plantas e árvores, piscina, churrasqueira, além de uma outra edificação, construída com o mesmo material, que abriga um estúdio, três quartos, banheiro e uma adega subterrânea revestida com paralelepípedo. “Aqui é sem dúvida bem melhor para criar, compor, estudar e tocar. Sempre tive o hábito de estudar na madrugada e aqui, de dia, já é tranquilo, sem barulho algum, imagine de madrugada. Nesse estúdio, finalmente conquistei um espaço que antes não tinha, e isso me dá condições bem melhores para trabalhar.”
Quem ganhou com a mudança, além da música e do artista, foi seu fiel “cãopanheiro” John Dowland -um golden retriever megaboa-praça-, sempre acompanhando as entrevistas que fiz com Dozza. Ele também se faz superpresente durante as seções de fotos, além de curtir o som conosco, enquanto gravamos os vídeos do artista tocando com exclusividade para o blog.
Assista, a seguir, ao vídeo no qual Chrystian Dozza mostra a nova versão do “Samba Rock”, utilizando pedais de looping com o violão.