Pessoas ajudam pessoas, alguns músicos nem sempre

A figura do músico é essencial em uma sociedade por conta de inúmeros motivos. Entre eles, o de edificar e alimentar almas com a arte de amealhar os sons e, por vezes, tornar a vida algo que signifique vivê-la. Isso para quem toca ou para quem apenas escuta, ou seja, para músicos e não músicos.

Contudo, há no meio musical excelentes músicos que, concomitantemente, são péssimas pessoas. Pessoas que, apesar de serem profissionais exemplares, não têm empatia, ética ou que não sabem se relacionar com o próximo de maneira justa, cordial ou respeitosa. Muitas vezes por não saberem e não terem noção alguma de que podem ser nocivos, nefastos e, como crianças, cruéis e tiranos em seus comentários ou ações repetitivas.

Sabe-se que há entre essa categoria de profissionais muita inveja. Inveja sobre quem se posicionou de maneira justa no mercado, fez uma sólida carreira, conseguiu abocanhar um bom edital, ganhar um concurso, escrever bem um arranjo, tocar muito bem ou compor de maneira exemplar, entre tantas habilidades técnicas e fatos nos quais a sorte pode ter contribuído de modo determinante.

Ilustrando o dito acima, cito a imagem do compositor operístico italiano Antonio Salieri (1750-1825) retratada no filme “Amadeus”, vencedor de oito Oscars, em 1984. Tal imagem -imbuída da total liberdade ficcional de seus criadores- mostrou-nos um músico invejoso com relação ao gênio de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), embora denotasse profunda admiração pelo invejado.

Quantas não foram as bandas, grupos ou orquestras que foram diluídas por brigas, discussões e desentendimentos que tiveram por motivo a inveja? Inúmeras. Até aqui, novidade alguma, e tenho plena consciência de que a inveja também ocorre entre profissionais de outras áreas.

Mas e a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro? Compreender o problema alheio, não no intuito de resolvê-los, mas mostrar que você se importa com a outra pessoa? Pois é, parece que muitos músicos, assim como não músicos, não possuem essa capacidade e nem bom senso.

Prova disso são os inúmeros vídeos compartilhados nas redes sociais, mostrando músicos, profissionais e amadores, desafinando, atravessando, errando, “asfrando”, dando na trave, literalmente fodendo por completo o som.

Recentemente, um desses vídeos caiu nas malhas da rede, e o deboche de um cidadão cantando mal, a partir de uma base executada por dois músicos consagrados, foi imenso. A ponto de o vídeo com a performance do equivocado artista ter sido muito mais compartilhado do que os muitos que divulgam músicos “quebrando” tudo, ou seja, mostrando seus talentos sem atravessar, desafinar, “asfrar”, dar na trave, errar ou foder o som.

Na quinta-feira (23), um bandolinista e compositor paulistano chegou a postar, em sua página no Facebook, a indignação sobre essa questão: por que as pessoas compartilham mais os erros do que os acertos? Há uma pá de vídeos com pessoas tocando bem e que não contam com um bom número -ou mesmo nenhum- de compartilhamentos.

Uma pianista e compositora paulistana chegou a comentar, no mesmo post, que o compartilhamento do fato em si evidenciava mais ainda o vídeo com o registro do cantor qualquer nota. O comentário foi endossado por uma contrabaixista e por um monte de músicos fazendo mea culpa, mas que afirmavam terem dado altas risadas sobre a equivocada performance do cantor.

Li, refleti e, para minha surpresa-eu que minutos antes havia parabenizado o autor da postagem que buscava fazer uma reflexão-, percebi que a superpianista e a supercontrabaixistas, além de serem ótimas pessoas, tinham razão. Afinal, quanto mais se veicula o nome do Coiso, mais o nome do Coiso será veiculado. Seja falando bem ou mal do Coiso, o Coiso ficará em uma baita evidência coisificada.

A postagem reflexiva foi retirada do ar. O fato é que o autor de tal postagem, o superbandolinista e excelente pessoa, assim como alguns outros que comentaram em sua postagem, motivaram-me a fazer esse post para tentar trazer à luz como devemos proceder com relação a situações constrangedoras ou que causam o que em inglês se denomina “cringe”, algo como vergonha alheia, na audiência.

Simples. Ajude quem “erra” exercendo seu poder de empatia. Pense que aquele sujeito, que fode o som com aquela performance equivocada, pensa estar correto, dando o melhor de si, e que, como você, se despe ao tocar, cantar ou interpretar. Imagine-se sendo ele, que ficou exposto, nu diante de um público, e que esse público morreu de rir, cascou o bico por conta de alguns defeitos de seu corpo. É ruim, né?

Pois é, quem ri do erro alheio corre o risco de, quando errar, ouvir o eco de suas próprias risadas. Geralmente naquele sôfrego e desagradável momento, elas se transformam em imensas e altas gargalhadas, que contagiam histericamente mais e mais gente, rindo cada vez mais alto de você.

Ah, só mais uma coisa: atualmente empatia se pratica ficando em casa. Faça isso, ouça e assista a vídeos que contenham bons resultados musicais no aconchego de seu lar. Para rir, basta ler os jornais e se conscientizar mais sobre o que estamos passando. Afinal, sob esse aspecto, aí sim, ainda é melhor rir do que chorar.