Vibrafone, atabaques e o candomblé de angola reunidos em uma mesma live

Acontece neste sábado (11), às 16h, a live “Xirê de Vibrafone”, reunindo dois músicos excelentes e profundamente ligados ao candomblé angola: Ricardo Valverde (vibrafone) e Jonathas Elias Gabriel (atabaques). A apresentação poderá ser acompanhada pela página no Facebook do CCJ (Centro Cultural da Juventude), da zona norte de São Paulo, em https://www.facebook.com/CCJuventude/?ref=page_internal.

O Música em Letras entrevistou o vibrafonista Ricardo Valverde para saber como será essa apresentação inusitada, rica em sonoridades e em informações sobre essa que é considerada uma das maiores nações de candomblé desenvolvida entre escravos.

O compositor, arranjador e vibrafonista soteropolitano Ricardo de Almeida Valverde, 42, conta com 23 anos de carreira, além de um álbum lançado no Brasil e, recentemente, no Japão, com ritmos do candomblé. Saiba mais sobre o disco “Xirê de Vibrafone”, que terá suas músicas interpretadas durante a live, em post publicado por esse blog em https://musicaemletras.blogfolha.uol.com.br/2019/04/25/xire-de-vibrafone-album-com-ritmos-do-candomble-e-lancado-nas-plataformas-digitais/

O som do vibrafone de Valverde será conduzido pelo tempo do paulistano e percussionista Jonathas Elias Gabriel, 45, conhecido como Samba Ossale, que conta com 29 anos de carreira. Durante a live, Samba Ossale irá utilizar dois atabaques para expressar seu talento na arte de amealhar os sons.

Leia, a seguir, a entrevista concedida com exclusividade ao blog por Ricardo Valverde.

Tata Samba Ossale, percussionista que participa da live acompanhando Tata Inberekwe ( Fotomontagem: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Na hierarquia do candomblé de angola, que lugares vocês ocupam e quais são os nomes sagrados que vocês receberam quando foram iniciados nessa religião?

Eu, Ricardo Valverde, sou Tata Inberekwe, e o Jonathas Gabriel, Tata Samba Ossale. Somos dois Tata Kambandos, posto dado pelo “inkise” [divindade] dentro do candomblé angola, respectivamente dos “nzo” [Casa de Santo] Kyloatala [Casa de Cultura Afro-brasileira de Nação Angola] e Redandá [Templo de Cultura Bantu].

O que significam essas denominações e quais funções são atribuídas a elas?

“Tata” equivale à palavra “pai”, que tem uma hierarquia elevada no candomblé angola e dentro do “nzo” [Casa de Santo], além de ser responsável por várias funções. Entre elas, a de tocar os “ngomas” [atabaques], zelar pela harmonia e proteção da casa, construir e reformar as dependências do terreiro e zelar pelos animais, além de várias outras funções. “Tata Kambando”, como é conhecido em Bantu, é o posto similar ao de Ogã, nas casas de tradição yorubanas. Tata Inberekwe é Tata Xikaringoma, similar ao Alabê, na tradição yorubana do “inkise” Mutala, da Casa Kyloatala. Já Tata Samba Ossale é Tata Xikaringoma de Gongobila, na Casa Redandá, ou seja, é quem canta as “zuelas” [cantigas] para essas entidades.

Como será essa live?

Vou tocar vibrafone enquanto Samba Ossale tocará dois atabaques para mostrarmos as músicas do meu CD “Xirê de Vibrafone”, lançado no ano passado [No Brasil, o disco foi lançado no formato digital e, no Japão, o CD físico foi prensado pela gravadora Disc Union]. Faremos também três músicas autorais inéditas, compostas no período da quarentena. Caso alguém esteja interessado em saber algo sobre nossa religião, também colocaremos à disposição nossa vivência, experiência e devoção para esclarecermos quaisquer dúvidas que estejam ao nosso alcance.

Quais os nomes dessas novas composições e como você descreve cada uma delas?

“Katendê” é uma composição minha feita em um ritmo chamado de congo de ouro, para saldar esse “inkise” [divindade], responsável pelas energias das folhas. Acredito que num momento como esse o “inkise” é de fundamental importância, pois sua energia também está relacionada à energia da cura. A composição tenta narrar um momento, que pode ser descrito como se você estivesse entrando na mata, em busca das folhas sagradas. Sem folhas não existe nenhum rito no candomblé. “Arrebate” é um tema composto em ritmo de arrebate, um toque que se usa no começo da “kizomba” [festa] para entrar no barracão. Também é usado para outras funções dentro da “nzo” [casa de santo]. E a outra composição nova é “Angorô”, um tema composto em ritmo de barravento, em compasso de seis por oito, que fiz em homenagem ao “inkise” [divindade] Angorô que é a fonte de energia e liberdade, simbolizado pela cobra e pelo arco-íris. Fui inspirado para compor esse tema durante um passeio que fiz dentro da mata. Atualmente, com o isolamento, a nossa mente não vê a hora de estarmos em liberdade, juntos novamente com a energia da natureza.

O que as pessoas tem que ter em mente ao assistirem essa live?

Devem estar com a mente aberta para poderem interagir com o som do vibrafone e do atabaque, além de pensarem de maneira positiva e curtirem o sábado à tarde, com uma música instrumental baseada nos ritmos do candomblé de tradição de matrizes afro-brasileiras. Digo isso, pois as composições foram em homenagem aos “inkises” e orixás e eles representam as energias da natureza que são o vento, o fogo, a água e a terra. Será muito bom se as pessoas conseguirem se conectar a isso. Durante a live, quem se sentir confortável pode interagir com perguntas sobre o vibrafone, as músicas, os ritmos, ou qualquer assunto incluindo religião. Afinal, interação é, talvez, o ponto mais forte das lives, já que os ouvintes não poderiam fazer isso num teatro.