Webinário gratuito explica sonificação de dados e apresenta projeto sobre paisagem sonora do Rio de Janeiro
Acontece nesta sexta-feira (19) um webinário gratuito sobre sonificação de dados. O Música em Letras entrevistou Samuel Van Ransbeeck, 35, compositor, doutor em música computacional e pesquisador do projeto Ciência de Dados nas Ciências Sociais do Programa de Pós-graduação em História, Política e Bens Culturais da FGV- Rio, que discorrerá sobre o assunto, no evento.
O acadêmico, pesquisador da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC, com financiamento do programa CAPES PRINT, morava na Bélgica, mas está há seis meses no Rio de Janeiro, onde desenvolve um projeto sobre a paisagem sonora da cidade durante a pandemia do COVID-19, mais especificamente pesquisando os sons de vendedores ambulantes. “Depois do Brasil, não sei ainda para aonde irei, mas devo certamente retornar para a Europa”, disse.
O Laboratório de Humanidades Digitais da Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC convida todos os internautas do blog a participarem do webinário “Introdução à sonificação de dados”, no qual Samuel Van Ransbeeck fará uma introdução geral à sonificação de dados, processo de representar dados através do som. As inscrições, gratuitas, devem ser realizadas acessando o endereço https://cpdoc.fgv.br/noticias/eventos/19062020
No evento, o acadêmico apresentará conceitos teóricos acompanhados de exemplos práticos, por meio de ferramentas online e também criará exemplos de sonificações básicas.
Samuel criou a caixa de ferramentas DataScapR, usada por compositores para sonificar a Bolsa de Valores. Essa ferramenta foi também usada em projetos de sonificação de dados sobre energia solar, sobre a violência policial no Rio de Janeiro e sobre o comércio de têxteis.
Leia, a seguir, a entrevista que Samuel Van Ransbeeck concedeu ao blog, por telefone e e-mail, na qual ele explica não só como será o webinário, mas também como é interessante essa área ainda tão pouca difundida pela mídia, ao menos no Brasil. O Música em Letras aproveita para “botar a boca no trombone”, no intuito de compartilhar com mais gente que pode vir a contribuir com seus repertórios, pesquisas e experimentos para mais esse “sonoro” saber. Afinal, o evento é para qualquer pessoa, pois não requer conhecimento prévio na área .
Como se representam dados através dos sons?
Existem várias maneiras de fazer esse processo. O mais comum é simplesmente mapear o dado num parâmetro musical. Por exemplo, se um valor é 60, você vai tocar a nota dó, se o valor é 61, você vai ter dó sustenido. Por meio de mapeamento de dados em parâmetros musicais, você cria uma composição ou paisagem sonora. Pode ter também objetivos diferentes, ou seja, algumas sonificações são criadas para transmitir uma mensagem simples (por exemplo, um alarme), para melhor se entender os dados. Por exemplo, a astrônoma Wanda Diaz Merced usa sonificação para explorar dados astronômicos [acesse em https://www.ted.com/talks/wanda_diaz_merced_how_a_blind_astronomer_found_a_way_to_hear_the_stars] , outros como em obras de arte. Um exemplo é a trabalho “The last Gun”, de Constantine Zlatev, que pode ser acessado em https://vimeo.com/50737810. Há ainda muitas obras que se encontram no cruzamento entre compreensão de dados e arte.
Quais são os principais conceitos teóricos existentes sobre esse assunto e seus exemplos práticos?
O campo da pesquisa em sonificação começou a ganhar importância a partir dos anos 1990, com as criações da International Conference for Auditory Display. Pessoas importantes ligadas a essa área são: Gregory Kramer, Brice Walker e Thomas Hermann, entre outros. Por exemplo, “The Sonification Handbook” é um livro extenso sobre sonificação em todos aspectos e está disponível gratuitamente em: https://sonification.de/handbook/.
Quais ferramentas serão utilizadas online durante o webinário, no dia 19, para exemplificar a sonificação de dados?
Vai ser uma palestra com vídeos e áudios pré-gravados. É a minha primeira vez que faço uma palestra online, então quero ter certeza de que tudo vai funcionar sem problemas. No entanto, vou demonstrar o uso de Twotone.io, uma ferramenta online que é muito boa para se conhecer a sonificação.
Quem criou as ferramentas para a sonificação de dados e como elas funcionam?
Existem várias ferramentas. Algumas são gerais, como o Sonification Sandbox, que pode ser acessada em http://sonify.psych.gatech.edu/research/sonification_sandbox/index.html . Outra ferramenta é Twotone.io. Por outro lado, muitas ferramentas são feitas sob medida para um projeto específico. No caso de ferramentas sob medida, muitos pessoas usam Max, um linguagem de programação visual, que pode ser conhecia em http://www.cycling74.com, ou Pure Data, que pode ser acessada em https://puredata.info. Também podem ser usadas linguagens de texto como Python, CSound, ou SuperCollider.
A ferramenta DataScapR, de sua criação, foi usada por compositores para sonificar a Bolsa de Valores. Como se deu esse processo?
Quando estudei para o mestrado já tinha um interesse em sonificação e na bolsa de valores. Percebi que a dinâmica da bolsa podia ser um fonte interessante pra criar material musical. Infelizmente, o Yahoo Finance, que fornecia os dados, decidiu de retirar o aplicativo do ar no o ano passado e assim, não é mais possível utilizar os dados em tempo real. No entanto, a ferramenta continua disponível em http://DataScapR.wordpress.com. Eu a considero um projeto aberto, ou seja, quem quiser pode modificá-la para suas próprias necessidades.
Quem são esses compositores e quais são as obras que utilizam a DataScapR? Favor citar, além dos nomes dos compositores e obras se elas podem ser acessadas pela internet (endereços) para serem ouvidas.
Nunca segui quem usou a ferramenta. Deixei a ferramenta disponível para experimentação. Assim, não posso dizer quem realmente a usou. No entanto, eu usei o DataScapR pra desenvolver o projeto Outros Registros, que pode ser conferido em http://outrosregistros.wordpress.com, uma sonificação da violência policial no Rio de Janeiro. Nesse projeto, contei com a colaboração de Rafael Puetter (Rafucko), Nico Espinoza, e Tori Holmes, além do People’s Palace Projects, no Rio de Janeiro, uma organização de arte e cultura para a justiça social.
Quantas ferramentas deste tipo existem atualmente?
Tal como o Twotone.io e o Sonification Sandbox, existe o SoniPy, em https://sourceforge.net/projects/sonipy/, e uma série de módulos para fazer sonificação em Python. Em geral, a maioria de ferramentas são feitas sob medida para um fim específico. O DataScapR e SoniPy são diferentes, no sentido de deixar o usuário adaptar o software.
A ferramenta DataScapR foi também usada em projetos de sonificação de dados sobre energia solar, violência policial no Rio de Janeiro e no comércio de têxteis, entre outros ambientes. Como se deu sua utilização para a sonificação de dados em cada um desses ambientes?
Dada a flexibilidade da DataScapR, foi possível reutilizar o software. Claro que sempre adaptei partes da ferramenta pra chegar ao resultado final. O primeiro projeto, sobre o uso de energia solar, era bem simples, e resultou num protótipo de uma aula de música ambiental. O projeto mais importante foi Outros Registros, sobre violência policial. Em primeiro lugar, e nos outros projetos também, tive que me familiarizar com os dados. Isso também implica em limpar os dados e preparar pra inseri-los na sistema de sonificação. Depois, construí as regras de mapeamento, ou seja, qual valor resulta em qual som. É um processo de experimentar e ouvir, para saber o que funciona melhor.
Em que a sonificação nesses ambientes contribui?
No projeto de energia solar, as pessoas gostaram de ter o som ambiente ao fundo, imaginando que o sol estava criando o som. Em Outros Registros, conseguimos gerar conversas com várias pessoas, em vários lugares, que às vezes não estavam conscientes de como a violência policial atinge a população no Rio de Janeiro. Coletamos o feedback, e a análise desse feedback mostra que a sonificação abriu espaço para a conscientização do problema. No projeto sobre comércio de têxteis, tive a sorte de poder trabalhar com arquivos da biblioteca de John Rylands, em Manchester. Nesse projeto, o objetivo era encontrar uma outra maneira para o público explorar arquivos em vez de olhar para papéis antigos. Por causa da pandemia, essa sonificação vai ser mostrada futuramente.
Como essas ferramentas são mensuradas em termos de eficiência?
Não existe um sistema de mensurar a eficiência. Isso, aliás, eu gostaria de pesquisar no futuro, quais características ajudam a melhor experienciar e compreender uma sonificação. Acho que vai ser útil saber como podemos criar uma sintaxe de sonificação.
Durante o webinário, como serão criadas algumas sonificações básicas?
Vamos usar a Twotone.io porque é a ferramenta mais simples para fazer uma sonificação básica
O que foi encontrado no projeto desenvolvido sobre a paisagem sonora do Rio de Janeiro durante a pandemia da COVID-19, mais especificamente, tratando os sons de vendedores ambulantes?
Durante a pandemia, percebi que o Rio de Janeiro é uma cidade altamente definida pelo som. Conhecemos toda a cidade como polo de cultura, mas os sons da rua, como os dos vendedores ambulantes, também fazem parte fundamental da cidade. Quero documentar esses sons. Não só pela qualidade sonora, mas também pela importância no tecido social. Daqui a 50 anos, esses vendedores provavelmente não existirão mais. Acho importante guardar esses sons pra futuro.
O que as pessoas devem ter em mente quando forem participar desse webinário?
Que será um webinário muito acessível pra pessoas que não sabem nada sobre sonificação.