Banda Sururu de Capote pode voltar à ativa, ou não
Umas das mais suingadas bandas que acompanhou o compositor alagoano Djavan foi a Sururu de Capote, que perigas voltar para esbanjar seu balanço em disco. Contudo, há controvérsias.
O Música em Letras entrevistou, nesta sexta-feira (5), Sizão Machado, músico que integrava o grupo tocando contrabaixo para saber dessa notícia, veiculada na live da banda disponível pelo YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=657ju6imRBY
Formada nos anos 1980 para realizar a turnê do disco “Alumbramento”, a banda contava, além de Sizão Machado, com músicos excelentes: Téo Lima (bateria), Moises (trombone), Marquinhos (sopro), Zé Nogueira (sax), Café (percussão) e Luiz Avellar (piano).
O SURURU
O nome da banda Sururu de Capote faz alusão a um dos pratos mais típicos da região litorânea de Alagoas, no qual o sururu, um molusco amarelado encontrado no fundo dos canais e das lagoas, é servido com sua casca, o capote: duas pequenas conchinhas pretas e ovaladas, onde ele se esconde. A maneira de capturar o sururu é primitiva e trabalhosa. O pescador navega de canoa até o meio de uma lagoa. Próximo a uma croa -um banco de areia-, o indivíduo mergulha, com as mãos pega a lama- onde fica o sururu- e enche a canoa com ela. Quando a embarcação fica com lama próxima à linha d´água, ele retira a água, sobrando apenas a lama. O pescador peneira essa lama em cestos grandes dentro da lagoa ou batendo com os seus pés, dentro da embarcação, para retirar o que sobra, o sururu.
Para poetizar e se informar mais sobre essa captura, por meio de sons e imagens, vale assistir ao documentário de 13 minutos, “Papa Sururu”, feito, em 1989 pelo cineasta Celso Brandão, com música de dona Hilda e pesquisa de Fernando Veras em https://vimeo.com/258419024
A BANDA SURURU DE CAPOTE
Como se diz pelas bandas de Alagoas -onde este repórter já morou alguns anos-, para pescar sururu: “É um trabalho da pega. Da boba. Da gota serena”. Mas e a banda Sururu de Capote, como Djavan capturou seus músicos? O que essa banda tinha de diferente? Quanto tempo ela durou? Como era o clima entre seus integrantes? Por que ela acabou? A Sururu de Capote vai gravar um disco?
Leia, a seguir, a entrevista que o arranjador, compositor, instrumentista e professor Sizão Machado, 66, deu com exclusividade para o Música em Letras, por telefone, de sua casa na serra da Cantareira, em São Paulo.
Você está na Cantareira, dentro de casa ou saindo para dar um rolê?
Opa, estou dentro de casa há dois meses. Não tem nada para fazer na rua, bicho. Juro por Deus. Já conheço muita gente, já fui a muitos lugares, não estou com curiosidade de nada. Estou adorando ficar na minha casa e poder dar minhas aulas pela internet [Sizão Machado é professor da EMESP Tom Jobim (Escola de Música do Estado de São Paulo), e do conservatório e faculdade de música Souza Lima, instituições nas quais dá aulas de segunda a sexta-feira, nos períodos da manhã e da tarde]. Estou feliz da vida aqui. Das nove da manhã até seis da tarde dou aulas, e depois rola um extra-classe, porque a molecada fica em cima. É dúvida o tempo todo, com neguinho mandando perguntas de madrugada. Mas eu estou sempre à disposição, já que é regime de exceção, né? E estou achando ótimo, porque o rendimento deles [alunos] melhorou muito. Sabe o que é? Os alunos prestam mais atenção pela internet. Às vezes, você está dentro da classe, tocando com o grupo de alunos, e para falar alguma coisa sobre um acorde, ou outra coisa para um cara, e enquanto você está falando com ele, todo mundo fica fazendo bagunça, conversando, tocando…Acaba que o cara não presta atenção em você e não foca na parada. Aqui, pela internet, enquanto você fala com um deles, todo mundo está ouvindo, olhando para a sua cara na tela, e você está vendo os alunos ali, parados e prestando atenção. Então está tudo certo, não tem dispersão e você aproveita muito mais o tempo.
Como a banda Sururu de Capote foi montada?
Cada integrante tem uma visão disso, da montagem e de seu ingresso na banda e de como é que iniciou a história. E todas elas são válidas porque a banda começou meio que de todos os lados. O Téo já tocava com o Djavan, em Maceió, fazendo bailes, antes de irem juntos para o Rio de Janeiro, onde trabalhavam também juntos tocando na noite. Pelo meu lado, fui fazer um projeto Pixinguinha, no qual estava o Djavan, e o conheci. Foi quando eu falei: “Pô, esse som dá certo, vamos fazer uma banda”. A gente ficou elaborando isso durante um ano mais ou menos, até que um chama daqui, outro chama dali e juntou todo mundo. Legal que foi uma coisa bem heterogênea. Eu conhecia o Téo de gravação e o Luizinho também, porque antes da existência da banda fizemos alguns shows de trio com o Djavan, no subúrbio do Rio de Janeiro. Umas coisas na FUNARTE, se não me engano, acho que nem existia a RIOARTE na época. Sei que um dia rolou. Foi feita uma reunião para todo mundo se conhecer e passou a existir a banda Sururu de Capote. Foi marcada uma temporada no teatro Ipanema [Rio de Janeiro] e começamos a trabalhar muito, ensaiando e preparando para estrearmos na data dessa temporada que foi o maior barato, foi ótima. Dali já emendamos outros shows, acho que em Santos e no planetário da Gávea, no Rio, e aí começou a rolar muito trabalho. Teve um projeto Pixinguinha junto com a Fátima Guedes e o Filó, pelo sul do país, e assim foi rolando.
O que havia nessa banda que a fazia soar cheia de suingue
O som rolava, né bicho? Era tudo muito fluido, sabe? Estávamos todos conectados naquele universo, naquela hora, naquela música. E tudo era novo para a gente. Não combinávamos de tocar assim ou assado; a gente saía tocando e dava certo daquele jeito
Como eram feitos os arranjos?
Tinha uma coisa que a gente fazia, e que o Luizinho gostava de fazer e que eu também acho legal, é usar uma técnica de arranjo que outros arranjadores também fazem. A gente gravava a base e depois, em cima da base, o Luizinho, que já tinha uma ideia na cabeça, escrevia o arranjo. Porque muita coisa que aconteceu na base você pode aproveitar para o arranjo. Muita coisa que a gente nem havia combinado, acabava saindo na hora de gravar a base. Coisas que viram uma convenção.
Como era o clima de trabalho nessa banda?
Era muito fluido e muito fácil no sentido de entendimento. No entendimento da música, da partitura. Isso quando tinha partitura, né? Porque o Djavan mostrava a música, a gente aprendia, começava a tocar e gravava para ver como ficava. Às vezes, ficava o que tinha gravado e outras se modificavam, algumas coisas que refazíamos, mas era tudo muito fácil. Não tinha esquentação de cabeça, não tinha problema. A química do grupo funcionava. Tocar ali era uma delícia, sempre foi.
Quanto tempo durou a banda Sururu de Capote?
Com essa formação, cerca de cinco anos. Depois teve um ou outro sendo substituído, mas a base, o nome Sururu de Capote, durou, na minha cabeça entre cinco a seis anos. Eu continuei trabalhando com o Djavan ainda. Trabalhei com ele dez anos. Depois da Sururu de Capote, ele [Djavan] montou outros grupos, com outras formações. Era diferente porque não tinha mais o vinculo Djavan e Sururu de Capote; era Djavan e banda.
A banda acabou porque Djavan buscava outra sonoridade presente em outros tipos de formação?
Provavelmente sim. Ele nunca explicou o que exatamente aconteceu. Eu não sei, mas acho que todo convívio intenso uma hora cansa. Pode ser que tenha sido isso. Também tivemos alguns compromissos marcados que foram desmarcados, e as pessoas têm que trabalhar. Alguns foram fazer outros trabalhos, com outros artistas, como o Café, que e acabou indo morar fora do Brasil. Enfim, foram vários os caminhos que levaram a Sururu de Capote a acabar.
Qual foi a maior lição que você aprendeu atacando na Sururu de Capote?
Aprendi a acreditar na situação, na possibilidade de inovar e de criar alguma coisa diferente. Isso foi o que tive de mais valioso, para mim, vindo da Sururu de Capote: Nunca desacreditar da oportunidade. Nunca recusar a oportunidade de tentar uma coisa diferente, nova. Isso musicalmente e no sentido humano também. Estar aberto sempre para mudar, inovar e se questionar. Juntos acabamos criando com essa banda, dentro da música brasileira que é muito vasta, uma sonoridade particular. E isso foi sem querer, ninguém combinou nada. Tivemos uma oportunidade, mas nem nos demos conta do tamanho da responsabilidade que havia nela, saiu naturalmente. Isso eu trago para mim: acreditar na oportunidade, dentro da música, de que podemos sempre nos questionar e renovar uma atitude tocando.
Como era o convívio com os outros integrantes da Sururu de Capote?
Era muito intenso, porque estávamos juntos o tempo todo, fazendo shows e gravando. Fazíamos temporadas em todos os lugares, viajamos juntos várias vezes pelo mundo inteiro. A todo momento havia algo novo para aprendermos. Tem que estar aberto, né? Manter a cabeça aberta e manter a atenção nas coisas para poder tirar conclusões e rever suas posições e conceitos. Foi um grande prazer tocar nessa banda. Tenho ótimas lembranças desse tempo. O convívio da gente era extremamente feliz e harmonioso, claro que por ser um grupo grande sempre tem pequenos desencontros, mas a gente sempre se renovava, se reconsiderava, se questionava. E dava tudo certo. Gostei de ter participado desse reencontro na live porque gosto de todo mundo ali.
Nesse reencontro aventou-se a possibilidade de, talvez, rolar um disco novo do grupo. Você confirma isso?
Quando se falou sobre isso na live, eu já havia saído porque tinha que dar aula. Fiquei cerca de uma hora no ar com eles, mas depois saí conforme já havia combinado. No dia seguinte, o Téo me ligou dizendo que teve esse papo. Eu falei para ele o seguinte: “Vamos combinar primeiro um churrasco, depois a gente combina o disco. A gente marca um encontro, se junta, toma uns chopps, se diverte e depois pensamos em disco.” Tem dois caras da banda fora do Brasil. Um nos Estados Unidos e outro na Europa [Café (percussão), mora em Nova York; e Luiz Avellar (piano), em Lisboa]. Isso limita um pouco a atividade. Já estamos acostumados a trabalhar a distância por conta da pandemia, mas, por enquanto, não tem muito o que fazer. O que a gente vai gravar? De quem? Não precisa gravar nada de ninguém. A gente pode compor até umas duas músicas por dia, sei lá. Não tem erro. Eu adoraria, mas não fazer por obrigação, porque tem que fazer, porque é necessário, porque a posteridade…Não é dada disso. Seria porque é bom tocar com eles, estar com eles, porque o som aparece mesmo e rende independentemente de qualquer outra coisa. Mas eu quero antes desenvolver bem esse assunto para ver o que é que vai acontecer. Além disso, quando seria isso? A gente sabe que o mundo que conhecíamos acabou com essa pandemia. Precisamos esperar e ver o que é que vem agora, né? Porque nesse mundo pós-pandemia ainda desconhecemos como as coisas serão reestruturadas.
Diante de sua resposta, a banda Sururu de Capote pode voltar, ou não?
É isso. Acho que é uma ideia que cativa todo mundo, mas precisa ver tudo isso que falei. Eu já estou fazendo o papel de advogado do diabo aqui. É possível sim que role, mas depende muito das condições que nos serão apresentadas. Ainda precisamos conversar bastante a respeito.