Sérgio Augusto: da bossa nova ao jingle, do jingle à bossa nova

Neste sábado (16), o cantor, violonista e compositor Sérgio Augusto Sarapo, 80, fará uma live diretamente de Denver (EUA), onde mora, às 7h (horário local); às 22h, nos relógios do Japão -onde o artista é superconhecido e já realizou vários shows-; às 14h, em Portugal, e às 10h, para quem está no Brasil.

Quem é Sérgio Augusto? Essa é uma excelente oportunidade para conhecer um pouco da incrível musicalidade desse artista da bossa nova, que ficou obscuro nos palcos por ter se dedicado, durante 40 anos, ao mercado publicitário criando trilhas e jingles. Embora nessa área tenha amealhado inúmeros prêmios, entre eles, 13 Clio Awards, um dos mais famosos prêmios da publicidade internacional. Entre eles, trabalhos que veicularam sonoramente marcas internacionais como Coca-Cola, Chevrolet, Nissan, Vigor e Oral-B.

O fato é que o paulistano Sérgio Augusto, mesmo passando por períodos nos quais criava seis peças musicais publicitárias por dia, nos estúdios da Sonima, que ficavam na avenida Rio Branco, em São Paulo – produtora da qual foi um dos proprietários-, nunca compôs jingle, mas sempre música.

Pelas mãos e ouvidos do pai, maestro e compositor de música clássica que sacou a musicalidade do filho, Sérgio Augusto foi matriculado para aprender violino, com apenas quatro anos, no conservatório Carlos Gomes, em São Paulo. Quando completou seis anos, o pai passou a ensinar ao filho outro instrumento, o piano. Aos 11 anos o artista mudou-se para uma fazenda em Santa Bárbara d’Oeste, cerca de 138 km de São Paulo, onde passou a adolescência.

Capa do disco ‘Barquinho Diferente’ do cantor, compositor, violonista, e jinglista Sérgio Augusto (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

No entanto, o som da bossa nova com “aquela batida diferente” do violão seduziu os ouvidos e a alma do mocinho para voltar à capital. Retornou com violão em punho, além de uma vontade grande de cantar, e assim o fez nos bares próximos à faculdade onde cursava química industrial.

Profissionalmente, Sérgio Augusto começou atacando em um puteiro no centro de São Paulo, na rua Major Sertório, o extinto La Barbare. Contudo, as apresentações nesse local duraram pouco, pois convites começaram a aparecer para apresentações em TV. Foi em uma delas que conheceu, entre outros artistas, o coreógrafo, dançarino, ator e cantor ítalo-americano radicado no Brasil, Leonardo La Ponzina, ou melhor, Lennie Dale (1934-1994), além do cantor Agostinho dos Santos (1932-1973) e a cantora carioca Claudette Soares, 82.

Foi essa carioca quem levou o paulistano Sérgio Augusto para outra casa noturna, mas de melhor frequência -também extinta e situada na r. Major Sertório-, a Ela, Cravo e Canela. Lá, a dupla formada por Claudette Soares e Sérgio Augusto apresentava-se ao lado do famoso pianista Pedrinho Mattar (1936-2007), e do contrabaixista Arnaldo Alves de Lima, o Azeitona (1935-198?), que tinha apenas 1,40 m de altura, mas era um gigante em afabilidade. O rei do samba na bateria, Toninho “Calça Justa”, o Toninho Pinheiro (1938-2004) era outro gigante que formava o time de músicos que atacavam com Sérgio Augusto na casa.

Passado um tempo, a dupla Claudette Soares e Sérgio Augusto mudou de endereço e passou a se apresentar em um dos templos da bossa nova de São Paulo, o também extinto Juão Sebastião Bar, onde nos anos 1960 rolava muito som. A casa funcionava também na r. Major Sertório, no número 772, próximo a outra casa noturna famosa, o La Licorne, onde tocavam o violonista, arranjador e compositor Edson José Alves (1951-2020) e o guitarrista e compositor Natan Marques, entre outros músicos de respeito.

Naquela ocasião, o Zimbo Trio já havia gravado de Sérgio Augusto “Barquinho Diferente”, música que veio intitular o primeiro disco do artista, com 12 faixas, lançado pela gravadora Continental em 1965. Amplie as fotos da contracapa e leia o texto escrito por Pedrinho Mattar e a relação das faixas dessa rara bolacha.

Contracapa do disco ‘Barquinho Diferente’ do cantor e compositor Sérgio Augusto, com texto do pianista Pedrinho Mattar (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Foi gravando esse disco, nos estúdios da produtora dos integrantes do grupo vocal Titulares do Ritmo, a Pauta, em São Paulo, que Sérgio Augusto conheceu o cantor, violonista e compositor Walter Santos (1939-2008), passando a criar como ele, além de lindas canções, jingles publicitários. Leia mais sobre Walter Santos em https://musicaemletras.blogfolha.uol.com.br/2018/11/21/onde-esta-joao-gilberto/

Relação das músicas por faixas no disco ‘Barquinho Diferente’, do cantor e compositor Sérgio Augusto (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

A partir desse encontro com Walter Santos, Sérgio Augusto, apesar de ter obtido sucesso com seu disco, deixou de conviver tanto com os companheiros de música, como os “garotos” do Zimbo Trio, Johnny Alf (1929-2010), Paulinho Nogueira (1927-2003); as então garotas e cantoras Alaíde Costa e Maricenne Costa e aproximou-se mais de companheiros que enveredavam pelos caminhos da publicidade como Álvaro Assumpção e Carlos Eduardo de Campos Filho, com quem fundou a Sonima. No período da manhã, dentro dos estúdios da Sonima, só se gravavam peças para publicidade, mas no período da tarde e à noite, discos, muitos “discões”. Reza a lenda que só o Rei Roberto Carlos não gravou na Sonima, a maioria dos outros artistas gravavam ou queriam gravar lá. Entre os que gravaram figuram Elis Regina (1945-1982) e Novos Baianos.

Sérgio Augusto deixou a Sonima após 20 anos de trabalho e muito êxito. Ficou mais 20 passando de estúdio em estúdio, levando sua alta qualidade musical para dentro de trilhas sonoras e jingles publicitários. Entre os estúdios nos quais Sérgio Augusto gravou estavam os da Matrix, do ator e locutor Luiz Guilherme Favati e do poeta e publicitário Carlos Guerra, o “Pança”; os da Lua Nova, de Thomas Roth e Júlio Moschen, além do estúdio Cardan, do maestro Vicente de Paula Salvia, o Vitché (1942-2012). Leia mais sobre Victhé, o rei de escrever bem arranjos para cordas e orquestras, em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1161332-vicente-de-paula-salvia-1942-2012—vitche-um-compositor-de-trilhas.shtml?origin=uol

Foi nos estúdios da Matrix que este repórter trabalhou e conheceu Sérgio Augusto. Um artista que teve coragem de se distanciar, após 40 anos, do trampo publicitário que lhe rendeu fama e um bom dinheiro para retomar a sua carreira nos palcos, que certamente lhe traz mais realização. Afinal, Sérgio Augusto gosta de trilhas sonoras e jingles, mas ama a música.

Boa live!