Palavrões estão com seus dias contados

O serviço de streaming de áudio Deezer, disponível para usuários de mais de 180 países e que conta com um acervo de mais de 56 milhões de músicas, desenvolveu uma ferramenta pioneira para detecção de conteúdo explícito -linguagem pesada, palavrões, menções a drogas ou violência, entre outros- em letras de músicas.

Batizada de Keyword Spotting System, a nova ferramenta utiliza inteligência artificial e machine learning para identificar palavras-chaves explícitas, e também o momento em que aparecem, a partir do vocal de uma música, conseguindo fazer uma classificação automatizada.

Para chegar a tal resultado, o Deezer integrou o Keyword Spotting System a uma outra ferramenta, o Spleeter, que consegue separar cada parte de uma música, como o vocal, piano, bateria e guitarra, entre outros instrumentos gravados.

Buscando maior aprimoramento, a plataforma “treinou” o Keyword Spotting System em relação a diferentes estilos de músicas e ao seu conteúdo, para obter uma ferramenta bem balanceada.

Contudo, o sistema ainda precisa de uma análise humana, mas já serve como um grande facilitador no processo de categorização de músicas a partir do vocal.

A plataforma Deezer está disponível para smartphone, tablet, PC, laptop, sistema de home sound, sistema de áudio multimídia em carros, smart TV ou console de videogames.

Nos dispositivos mencionados, letras com conteúdos considerados explícitos estão com seus dias contados de passarem despercebidos. Contudo, análises feitas em trabalhos artísticos, geralmente com base em critérios morais ou políticos para julgar a conveniência de sua liberação à exibição pública, publicação ou divulgação, podem caracterizar censura.

A história não desmente que os efeitos provocados pela censura são nefastos tanto para a cultura quando para a sociedade. Seria essa nova ferramenta, aliada a uma análise humana, um tipo de censura?

No Brasil, durante o regime militar, já tivemos uma “ferramenta” que inventivamente transformava canetas em tesouras para cortar fora palavras de letras de músicas, textos de peças de teatro, jornal, programas de rádio, cinema, e TV.

Em suma, isso não é novidade. Pelo bem da democracia e da liberdade de expressão, nenhuma forma de censura deve ser tolerada.

Diante desse polêmico assunto, o Música em Letras entrevistou, por e-mail, Manuel Moussallam, diretor de pesquisa da Deezer, que atua na sede da empresa, em Paris.

Leia, a seguir, o que Manuel Moussallam respondeu ao blog.

O serviço de streaming de áudio Deezer não teme ter desenvolvido uma ferramenta que fomenta a censura?

Não temos essa preocupação, pois não estamos censurando nenhum conteúdo da Deezer. Os detentores dos direitos das músicas decidem quais são os metadados de cada faixa e nós não os modificamos. A ferramenta de detecção de letras com conteúdo explícito faz parte do nosso trabalho contínuo para melhorar nosso serviço. Não remove, edita ou modifica o conteúdo oferecido. O nosso principal interesse é poder evoluir nossas recomendações e outras ferramentas ainda mais. Também não estamos lançando essa ferramenta publicamente, pois isso é algo que estamos fazendo para melhorar nosso serviço no futuro.

Quais as garantias que vocês dão aos usuários de que o serviço de streaming da Deezer não irá censurar as músicas?

Temos 56 milhões de faixas na plataforma. Temos um processo rigoroso para monitorar e remover conteúdo ilegal da nossa plataforma, garantindo, ao mesmo tempo, que não haja restrição da liberdade de expressão, independentemente de nossa visão pessoal sobre um determinado artista ou questão. Não toleramos qualquer tipo de discriminação, violência ou ódio contra indivíduos ou grupos por causa de raça, religião, sexo, orientação sexual ou outros fatores. Também não modificamos as faixas na plataforma de forma alguma. Os metadados são definidos pelos detentores dos direitos de cada faixa.

Quais serão os critérios utilizados para classificar o que é ou não é conteúdo explícito?

Esta é uma questão sensível e subjetiva. Também não há consenso geral sobre o que são exatamente letras explícitas. Assim como nos filmes, o objetivo principal de marcar algo como “explícito” é fornecer orientação para determinar o quão adequado é para um público-alvo. Obviamente, grande parte dessa conversa diz respeito ao que é apropriado para crianças. É geralmente aceito que linguagem forte (palavrões e termos sexuais), representações de violência e discurso discriminatório se enquadram no escopo do que não é adequado para as crianças ouvirem em uma música e, portanto, devem ser marcados como conteúdo explícito. No entanto, é claro que essa definição está aberta a várias interpretações.

Como uma letra considerada portadora de material explícito será classificada? Por faixa etária?

A razão pela qual rotulamos as coisas como explícitas é oferecer aos usuários a possibilidade de filtrar o conteúdo que eles, ou seus filhos, podem acessar. Obviamente, também cumprimos as leis de conteúdo locais dos países em que operamos.

Quando detectado um conteúdo considerado explícito em uma música, ela ainda poderá ser veiculada na plataforma ou será excluída?

A ferramenta que desenvolvemos não toma nenhuma decisão sobre remoção ou marcação de conteúdo. Isso é feito por um revisor humano para garantir que fazemos as escolhas certas. Mas, para ficar claro, temos um monte de conteúdo explícito na plataforma, e isso não tem nada a ver com a remoção do conteúdo. Conteúdo explícito é uma parte natural do entretenimento em áudio. Cabe a cada ouvinte escolher se ouvem letras explícitas ou não, e já fornecemos as ferramentas para nossos usuários fazerem isso.

Qual o perfil dos profissionais, que irão trabalhar aliados à nova ferramenta Keyword Spotting System para decidirem se o conteúdo é ou não explícito?

A decisão de marcar músicas como explícitas é, e sempre permanecerá, de responsabilidade dos detentores dos direitos de cada faixa. O que criamos é apenas uma validação do conceito de uma ferramenta que pode ajudar, de forma automática, os humanos a fazerem esse trabalho. Isso não significa que estamos prestes a começar a marcar faixas ou censurar o conteúdo na Deezer.