Léa Freire lança mais uma faixa de seu disco virtual
A compositora, arranjadora, flautista e pianista paulistana, Léa Freire, 63, lançou nos primeiros minutos desta quinta feira (23), no seu canal do YouTube, mais uma faixa do disco virtual “Cine Poesia”. “Não vou prensar isso [o disco], porque 50% é imagem. Vou fazer o quê? Um DVD? Ninguém mais tem DVD. Não existem mais essas coisas”, disse a compositora em entrevista ao blog.
Desde que retomou seus estudos no piano, há cerca de quatro anos, a artista queria fazer vídeos de piano solo. Uma das razões era resolver uma dúvida que sempre pairava no ar com relação à autoria de suas composições. “As pessoas duvidam, ainda hoje, que sou capaz de compor os temas que faço. Depois de ouvirem minhas músicas, sempre perguntam para mim se sou eu mesma quem as compõe, ao que sempre respondo desaforadamente: ‘Não, sou eu e a sua mãe’”, disse a artista em entrevista ao blog.
“Risco” e “Samba de Mulher”, composições de Léa Freire com letras de Joyce Moreno, são duas das muitas músicas da compositora. “Já passei por situações nas quais outros músicos insistiam comigo que essas músicas eram da Joyce, mesmo eu dizendo que eram parcerias minhas com ela. A ‘Risco’ eu gravei com o Quinteto em 1998, e a Joyce colocou letra só em 2004.”
Entre o final de 2018 e metade de 2019, a pianista gravou suas composições em estúdio e teve a ideia de fazer vídeos. Lucas Weglinski passou a fazer os vídeos com imagens captadas durante as gravações, além de outras tiradas da internet, usadas com a intenção de criar videoclipes. No entanto, o resultado foi outro. “Desde que assisti ao primeiro vídeo, percebi que havia ali uma parceria e não apenas um vídeoclipe. É cinema e pura poesia. É uma ‘letra’ para as músicas que faço, somando meio a meio comigo.”
Para destacar esse cinema com qualidade poética-musical, Léa Freire criou o nome de Cine Poesia. A resposta do público tem sido muito boa, e a série pode ser assistida gratuitamente no YouTube. Os áudios podem ser baixados nas plataformas onde são distribuídos pela Tratore.
Quatro títulos já foram lançados, “Turbulenta”https://www.youtube.com/watch?v=IC7zrBPb0qg&feature=youtu.be; “Maré Ardida” https://www.youtube.com/watch?v=E0tPwOsRSMA&feature=youtu.be; “Choro de Chuva” https://www.youtube.com/watch?v=Y6WWwTlAyWw&feature=youtu.be; e “Samba do Árvore” https://www.youtube.com/watch?v=uBZ9UsLtamg&feature=youtu.be.
Segundo a compositora “Turbulenta” é uma locomotiva a vapor, e tal ideia está expressa em seus vários tempos simultâneos. “Ela tem, por exemplo, o tempo do chacoalhar nos trilhos, que se altera por conta dos dormentes não serem do mesmo tamanho. Então, ela às vezes dá aquela balançada, mas volta. Outro tempo é aquele que fica passando muito rápido pela janela do trem. Os postes que passam na janela têm uma rítmica completamente diferente do que está acontecendo nos trilhos. E o terceiro tempo é a paisagem lá do fundo que passa em câmera lenta, ou seja, um tempo totalmente distinto dos outros dois.”
“Maré Ardida” foi gravada no disco “Cartas Brasileiras” (2007). “Ela faz parte da suíte de valsas brasileiras, é a valsa dois de uma série de três, mas em uma versão ardida, por conta de umas sétimas maiores na melodia e na harmonia. Quando não é na melodia é na mão esquerda. Isso a deixou com uma característica mais de vidro, cristal, sabe? A primeira melodia tem o pulsar interno do coração, e a outra é mais ardida, como se fossem arrepios da pele”, disse a autora sobre a música que remete ao vaivem das ondas da praia, como se registrasse o pulsar do coração da Terra.
“Choro na Chuva” surgiu quando a compositora estava escrevendo a música e sentiu “tamborilar uns negócios estranhos”. “É um choro que começa com o som das primeiras gotas de uma chuva e vai aumentando até chegar em uma tempestade. Aí surge um compasso, já no meio da tempestade, que é 17 por 16, o compasso do tamborilar, da gotejação que acontecia no teto da garagem onde eu morava. Foi bem difícil escrever isso, porque 17 por 16 não é um compasso muito comum. Além disso, perdi quase todos os meus amigos músicos quando os chamei para tocar isso, pois no meio desse compasso ainda tem um ralentando para piorar a situação”, contou rindo a pianista que não facilitou nem um pouco para os instrumentistas que executaram a peça.
Léa Freire compôs “Samba do Árvore”para seu amigo, o músico norte-americano, saxofonista e clarinetista Harvey Wainapel. “Fiz para ele e se chama ‘Samba do Árvore’ porque o Hermeto Pascoal o batizou de Árvore por achar que assim era mais fácil de pronunciar o nome dele. Esse é um samba-canção sem letra e tem muito a ver com uma viagem na qual você pode estar dirigindo um carro e entra em transe com suas memórias. É quando temos aqueles momentos meditativos, sabe?”
A “poesia” que está sendo lançada nesta quinta-feira, a partir da zero hora, é “Vento Em Madeira” https://www.youtube.com/watch?v=Br8ekSZj26M. “Essa música foi uma coisa emblemática que mudou toda a minha vida. A partir dela eu disse para mim mesma: ‘Ah, pode!’Pode erudito, pode ralentado no samba, no baião, em tudo. Porque não podia. Sei lá porque não podia também, mas como eu entendi que estava ficando velha me dei essa liberdade.”
A próxima música, “Copenhagen”, está programada para ser lançada no dia 30 de abril. No total serão 12 títulos, todos autorais. “Teremos 11 temas de piano solo e mais um, o último, que será uma surpresa. Lançaremos todos até 27 de julho”, disse a artista que está realizando um trabalho de fôlego no qual a música brasileira ganha caráter de música universal. Há nele muito do erudito que se assemelha ao popular, e muito do popular assemelhando-se ao erudito, mas sempre conversando com belas imagens.Poesia é realmente a melhor palavra para definir tal encontro.