Chico Salem lança clipe-manifesto ‘Só que Não’

O paulistano Francisco Sanches Salem, o Chico Salem, 42, instrumentista e cantor – só na banda de Arnaldo Antunes atua há 20 anos –, lança na quinta-feira (16) sua mais recente composição, “Só que Não”, com um clipe-manifesto a ser exibido na Ocupação 9 de Julho, na região central de São Paulo.

O evento, que acontece a partir das 18h, é gratuito e conta com muita música, intervenções circenses, exibição do clipe com a música “Só que Não”, e uma mesa de debate sobre o tema Arte em Tempos de Censura, com a presença da deputada federal Luiza Erundina (PSOL), da professora de política, filosofia e sociologia, a drag queen Rita Von Hunty, entre outros convidados, além de um pocket show com Chico Salem e banda.

O Música em Letras esteve na casa do artista, em São Paulo, e além de entrevistá-lo gravou-o tocando e cantando “Só que Não”, de sua autoria e de Edu Mantovani, com exclusividade para o blog (veja vídeo no final).

O compositor Chico Salem na sua casa em São Paulo (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Chico Salem 22 anos de carreira, dois discos autorais lançados, “Chico Salem-01” (2002), “Maior ou Igual a Dois” (2016), e caminha para o terceiro, no qual “Só que Não” fará parte do repertório.

O clipe, que tem a participação de Arnaldo Antunes, aborda temas como o feminicídio, nepotismo, meio ambiente, a “indústria da doença” e machismo. Segundo Chico Salem, “pior do que não estarem sendo combatidos por esse governo, [esses temas] são estimulados pelo governo”.

“Só que Não” parece ter uma pegada do Raul Seixas (1945-1989), procede? Perguntei ao artista, que em um ano realizou 40 shows interpretando o Maluco Beleza, no espetáculo “Raul Vivo”, e confirmou ter sido influenciado por ele nesta composição. “Total! É isso. Cara, essa música foi feita em maio, com meu parceiro Edu Mantovani, que compõe comigo de um jeito muito solto. Estávamos tomando uma cerveja, lendo as notícias, e decidimos fazer uma música dizendo que dedetizaram o governo, acabaram com o crime, tudo está indo de vento em popa, sensacional; só que não. Tentamos trazer boas notícias, mas que são fakes, coroadas com esse ‘só que não’. É uma denúncia dessa visão da sociedade que acha que agora finalmente as coisas vão entrar no lugar, a corrupção acabou, e que vamos para um novo mundo. Só que não, né?”, disse o compositor que fez o rockão à la Raul Seixas para emitir sua opinião sobre a atual conjuntura do país.

O compositor Chico Salem cantando ‘Só que Não’ (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

E o clipe, como foi a sua realização? “São 150 pessoas participando voluntariamente, entre elenco, artistas, equipe técnica, diretores e produção. Foi uma loucura. Acontece isso, às vezes, de fazermos uma canção e ela ganhar força porque já veio forte, mesmo só com voz e violão”, contou o artista que contextualizou o cenário da música em um espetáculo teatral circense.

Por que as pessoas participaram voluntariamente do clipe e quanto tempo durou o processo de produção? “Foram cerca de três meses, e as pessoas participaram voluntariamente, porque foi um processo movido por uma osmose ideológica. As pessoas enlouqueceram e quiseram participar desse clipe de qualquer jeito. A ponto de termos uma maquiadora e uma diretora de arte, por exemplo, com cinco assistentes cada; uma equipe de fotografia de 20 pessoas, tudo em um circo gigante que comportou as 150 pessoas do set de filmagem. No final, agradeci a todos, mas ouvi que quem estava ali estava pela causa, por querer gritar. Acho que está todo mundo entalado com esse caos que a gente está vivendo. Fazer seu trabalho, estar a serviço de um manifesto, acho que seduziu muito essas pessoas.”

As pessoas não cobraram pela participação? “Elas sabiam que era um projeto que não tinha verba e em nenhum momento isso foi um empecilho. Acho que a única coisa que tivemos de pagar nesse clipe foi o gerador. Conseguimos a alimentação com restaurantes e pizzarias de amigos, por exemplo, então foi um clipe feito absolutamente na raça, com um custo superbaixo.”

Mas o que está entalado nas pessoas? “Acho que é esse grito do ‘só que não’, que é ambíguo, pois ele tem um quê de denúncia, que diz: ‘Não, não é nada disso que vocês estão falando, que vai melhorar. As coisas não são bem assim’. É um ‘só que não’ de resistência, que significa: ‘Aqui não! Não vem com esse papo que aqui não vai rolar!’”

Chico Salem (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Na primeira parte do clipe, as pessoas estão usando máscaras e há imagens projetadas ao fundo mostrando tragédias; na segunda parte, as pessoas tiram as máscaras e invadem o palco onde acontece o espetáculo. O que significa tudo isso? “Existe uma plateia mascarada ao longo do clipe todo que está ali como massa de manobra, fazendo os mesmos movimentos, mas no final, essas pessoas se revoltam, caem na real, e gritam rindo, sorrindo e festejando: ‘Só que não! Aqui, a gente não vai deixar acontecer esse caos’”.

Você acredita que isso irá acontecer, ou seja, haverá um momento no qual as pessoas irão se revoltar com a situação do país? “É difícil, né? É muito difícil, mas eu acredito na verdade que a gente está caminhando para um momento de colapso, em que talvez isso aconteça por falta de opção. Por não existirem mais opções intermediárias. Não acredito numa consciência ideológica ou política que vá acontecer pela informação. Acho difícil e não sei nem se a gente tem tempo ambiental para isso. Acho que o mundo pode acabar antes. Mas pode acontecer em um momento limite de guerra e diferença sociais, acontecer mais por uma necessidade inconsciente do que por meio de um movimento organizado. Acredito porque só me resta acreditar, senão eu dou um tiro na cabeça.”

O compositor, guitarrista, violonista e cantor Chico Salem (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

A cultura está sob ataque no Brasil? “Acho que todo movimento que beira o fascismo, com esse autoritarismo, começa basicamente por duas grandes guerras, uma é a guerra cultural e a outra é a guerra contra a educação. O que é exatamente que esse governo fez? Uma das primeiras medidas foi acabar com o Ministério da Cultura. Você mina a cultura e a educação do país e você tem um terreno fértil para fazer suas manobras. Sinto, antes de tudo, que estamos em guerra cultural contra esse governo, que na verdade é a ponta de um iceberg de uma força muito maior, que eu não tenho totalmente clareza, mas é uma força do capital, que vem do capitalismo, que vem dos Estados Unidos e dos blocos econômicos do mundo. Nós temos que comprar essa guerra não só para salvar nossas peles quanto artistas e garantir nossos editais, shows e trabalhos, mas porque a guerra cultural atinge a nação toda. Você acaba com a cultura e acaba com a chance de as pessoas pensarem e verem outros horizontes, outras coisas.”

Você não teme ser sancionado, por exemplo, no que se refere à participação em editais, como você acaba de mencionar? Você não teme ter seu nome excluído deles por manifestar sua posição por meio desse clipe? “Isso não me preocupa. Primeiro porque eu não fui muito contemplado por editais ou dinheiro público durante minha carreira. Meu trabalho sempre foi um trabalho de guerrilha, de ir para os lugares e fazer acontecer. Quando lidamos com uma sociedade que está saindo do armário em termos de fascismo e intolerância, a gente se preocupa um pouco com a violência. Mas isso não tem jeito. Fazendo ou não um clipe-manifesto, estamos sujeitos a isso. Então, é melhor fazer e ver no que dá.”

Chico Salem (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

No pocket show do evento na Ocupação 9 de Julho, músicas de autoria de Chico Salem e algumas de Raul Seixas serão interpretadas pelo artista, que canta e toca violão acompanhado por Loco Sosa, na bateria; Fábio Sá, no baixo; Estevan Sinkovitz, na guitarra; e Ricardo Prado, no teclado. “Além da ‘Só que Não’, toco algumas outras músicas minhas como a ‘Mesmo Fim’, que é nova e fiz com o André Lima, e algumas músicas mais políticas do Raul [Seixas], como ‘Aluga-se’, ‘Ouro de Tolo’, ‘Cowboy Fora da Lei’ e ‘Sociedade Alternativa’.”

O que as pessoas devem ter em mente quando foram ao lançamento do clipe-manifesto? “Não estamos promovendo nada de surpreendente ou novo. Estamos fazendo apenas um convite para que as pessoas percebam o que está acontecendo ao lado delas e que é só uma questão de mudar um pouquinho o olhar. Nossa ideia é que as pessoas tenham mais do que um show ou uma mesa de debates, mas uma experiência por meio da arte. O papel da arte não é dar respostas, mas fazer perguntas. Tenho certeza de que será uma noite muito reflexiva e importante para todos”, disse o compositor que acaba de retornar de Portugal, onde realizou sete shows.

O compositor Chico Salem em entrevista ao Música em Letras (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Para assistir um teaser do clipe-manifesto de Chico Salem, acesse https://youtu.be/wQprwkE5csg

Para se inscrever e assistir o clipe, que será lançado dia 16 de janeiro acesse https://youtu.be/63KA914ode0

Assista, a seguir, Chico Salem interpretando “Só que Não”, música dele e de Edu Mantovani, com exclusividade para o Música em Letras.

LANÇAMENTO DO CLIPE “SÓ QUE NÃO”

ARTISTA Chico Salem

ONDE Ocupação 9 de Julho, r. Álvaro de Carvalho, 427, Bela Vista, São Paulo

QUANDO Quinta-feira (16), a partir das 18h

QUANTO Gratuito