Músicos são abençoados em São Paulo

Neste domingo (17), às 18h, acontece na igreja de Santa Cecília, em São Paulo, uma missa com benção especial para músicos. Batizado nessa igreja, em 1963, o repórter deste blog reuniu alguns fatos interessantes sobre o local.

Por exemplo, todo dia 22 de novembro – data na qual se comemora o dia de santa Cecília, padroeira dos músicos e dos cantos sacros -, um músico paulistano, muito considerado no meio e pai de uma conhecida cantora, aparece na igreja, tira um violoncelo de um “case” [estojo] e toca algumas peças musicais, prestando homenagem à santa.

Entretanto, tudo é feito de maneira discreta, pois o artista em questão não quer que se faça alarde sobre o fato, revelando, por exemplo, detalhes sobre o horário em que fará sua performance já presenciada por este repórter. “Faço isso todos os anos que posso, mas é apenas uma pequena homenagem minha para ela [santa Cecília], não tem um programa ou um roteiro como se fosse uma apresentação. Vou lá e toco um pouquinho o que sinto no momento e vou embora. É uma coisa singela. Por isso, não acho legal divulgar”, disse o humilde e versátil músico, que além de violoncelista é conhecido por mandar muito bem tocando outros instrumentos de cordas, como guitarra e violão.

Quem ele é? O homem pede sigilo sobre sua identidade, mas com certeza não irá se incomodar se eu der uma dica: ele carrega no nome uma fruta que faz, lá para as bandas do Nordeste, o “cão” [o diabo] chupá-la – não me pergunte o por quê -, expressão utilizada quando se quer dizer que algo é bem feio.

ARTE E ARTISTAS

Outro fato interessante é que a celebre pianista Guiomar Novaes (1894-1979), quando criança, tocava órgão nas missas da igreja de Santa Cecília , fundada em 1895, no mesmo local onde, em 1861, havia uma capela de madeira, conhecida como a Capela de São José e Santa Cecília. A capela foi construída em função de um abaixo-assinado dos moradores da cidade requerendo à Câmara Municipal a criação de um templo em homenagem aos santos.

Com a igreja pronta, adquiriu-se um órgão de tubos, além de um dos sinos da antiga igreja da Sé, um dos primeiros que soou em comemoração à proclamação de Independência do Brasil, em 1822. Também há muito “som” na luz que transpassa os vitrais de origem alemã. Os da capela-mor, por exemplo, são todos de figuras de mulheres santas.

O repórter do blog sendo batizado na igreja Santa Cecília, em 1963, em São Paulo (Foto: Arquivo pessoal)

No campo das artes, as paredes da igreja de Santa Cecília ostentam outros belos registros. Foram os artistas Oscar Pereira da Silva (1867-1939) e Benedito Calixto (1853 -1927) os responsáveis pelas telas e murais pintados na igreja. Junto com o decorador italiano Gino Catani (1879-1944), eles imprimiram às paredes e cúpulas a simbologia católica mesclada a temas florais.

Entre 1907 e 1917, Calixto e Pereira da Silva deixaram muito “som” no conjunto de pinturas e detalhes decorativos da igreja. Calixto trabalhou na decoração interna, desenhando o altar-mor, e pintou várias telas, além de dois murais representando cenas da vida e do martírio de Santa Cecília. Para “ouvir” um coro de anjos, basta olhar para o revestimento do teto e procurar a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, pintada por ele. Mas se quiser chapar mesmo nessa viagem de “ouvir vendo”, é só olhar para qualquer um dos murais pintados por Calixto, que estão no presbitério e nas paredes laterais do altar. Já o “som” de Oscar Pereira da Silva pode ser “ouvido” por meio de suas obras que ficam nas cúpulas central e lateral da igreja.

SANTA DE SANTO FORTE

Padroeira dos músicos e do canto sacro, santa Cecília tem uma história não menos interessante do que a da igreja e seus devotos artistas. A romana, nascida provavelmente em 150 d.C., era filha de um senador, além de ser devota obstinada de Cristo. Seus pais arranjaram-lhe um casamento com Valeriano, também de família nobre, mas na ocasião um pagão. Cecília tinha por hábito conversar com Deus e a Ele pedir que sua virgindade fosse conservada. Quando soube que teria de se casar, apelou para seu anjo da guarda, Deus e Maria para que a mantivessem pura. Casou, mas depois contou para Valeriano, seu marido, sobre seu compromisso com a castidade. Valeriano só comprou a ideia depois de ter se convertido ao cristianismo e um dia, ao chegar em casa, ter visto a esposa rezando na presença do tal anjo que a guardava.

Por serem cristãos, Cecília e familiares foram presos, mas recusaram-se a renegar a fé. Nem o prefeito de Roma convenceu a moça a abandonar sua crença. Decidiu-se, então, que Cecília morreria asfixiada por vapores exalados dentro do balneário do palacete onde a autoridade morava. Contudo, Cecília sobreviveu. Foi enviada a um carrasco para ser, como aconteceu com seus familiares, decapitada. Depois de três golpes, sua cabeça permaneceu no corpo. Ferida, Cecília permaneceu viva, jogada no chão, por três dias. Mesmo golpeada, exortou os cristãos que a viram a não renegarem a fé em Cristo. A fé da moça era tanta que soldados pagãos ao presenciarem tais cenas se converteram. Martirizada provavelmente entre 176 e 180, consta que ao morrer entoou  para Deus um canto emocionante. Daí vem o fato de ela ser considerada a padroeira dos músicos cristãos.

O corpo de Santa Cecília foi enterrado nas catacumbas romanas e por séculos permaneceu perdido, até que uma visão do papa Pascoal 1º (817- 824) revelou o paradeiro do caixão. Quando aberto, o corpo de Cecília foi encontrado intacto. Em 1559, o esquife foi aberto novamente, e o corpo permanecia íntegro.

Muita gente ligada á música a homenageia. Entre compositores eruditos importantes figura o nome de Henry Purcell, Friedrich Händel e Benjamin Britten. Entre poetas John Dryden, Alexander Pope e W. H. Auden.  David Byrne, Brian Eno e Paul Simon são alguns dos muitos artistas que também fizeram referência a ela em suas músicas.

OUTRAS RELÍQUIAS

Há outro fato bem interessante na história da igreja paulistana, localizada no bairro que ganhou seu nome. Expostas numa urna de mármore e vidro, na nave esquerda da igreja de Santa Cecília, encontram-se as relíquias de santa Donata, virgem também martirizada pelos romanos no início da era cristã. Pelo vidro vê-se a reprodução em cera de um corpo de 1,5 metro, vestido de dourado, réplica da efígie de Santa Donata. Junto a ele um pedaço do crânio de santa Donata e um maço de seus cabelos. As relíquias originais foram doadas em 1909, pelo papa Pio 10º,  à recém-elevada arquidiocese de São Paulo.  Rola a boca miúda que os cabelos de Santa Donata crescem de tempos em tempos, e que pessoas ligadas a paróquia cortam suas pontas.

Urna com relicário de Santa Donata na igreja de Santa Cecília em São Paulo (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

A devoção a santa Cecília e a santa Donata cresce a cada dia, pois a elas são atribuídos inúmeros milagres. O maior deles talvez seja o de fazer com que várias pessoas vivam como músicos e cantores no Brasil.

BENÇÃO AOS MÚSICOS

ONDE Igreja Santa Cecília, Largo Santa Cecília, s/n, Vila Buarque, São Paulo, tel. (11) 3331-5195

QUANDO Domingo (17), às 18h

QUANTO Pede-se a doação de fubá