Dois CDs garantem oportunas ‘mulheragens’
Dois discos chegaram ao Música em Letras: “Vozes Mulheres”, da cantora soprano Adélia Issa, com a pianista Rosana Civile, e “Cantos à Beira-mar”, da cantora, compositora e escritora Socorro Lira.
O que eles têm em comum? Os dois prestam uma “mulheragem”, que – segundo explica Socorro Lira, no encarte de “Cantos à Beira-mar” – é assim que se diz no feminino a palavra homenagem.
E daí? Afinal, mulheres são constantemente “mulherageadas” por artistas. Daí que nos dois discos há o registro de parte das obras de mulheres que enfrentaram preconceitos políticos e de gênero. Mulheres que, segundo escrito no encarte de “Vozes Mulheres” por Adélia Issa, “lutaram contra o peso da tradição e o estereótipo do papel da mulher na sociedade e no meio artístico de suas épocas”.
Quem são essas “mulherageadas”?
Acolhida por Socorro Lira em “Cantos à Beira-mar”, Maria Firmina dos Reis é considerada a primeira romancista brasileira. Em 1859, publicou a obra antiescravista “Úrsula”, considerada o primeiro romance de uma autora brasileira. Essa mulher nasceu em São Luís (MA) no ano em que o Brasil declarou a independência de Portugal (1822), e morreu cega e pobre no ano da Revolução Russa (1917). Abolicionista, aposentou-se como professora; era negra, e escreveu o “Hino da Abolição dos Escravos”, além dos 10 poemas que Socorro Lira adaptou e “melodiou” para “Cantos à Beira-mar”, tirados do livro homônimo lançado por Maria Firmina dos Reis em 1871.
Os poemas ganharam muitos ritmos na obra de Socorro Lira: “Uns Olhos” soa como bolero; “Ela!”, um reggae; “Amor”, uma loa (toada) de maracatu cearense; “Meus Amores”, uma canção-choro; “Embora eu goste”, um fado; “Itaculumim”, uma canção; “Seu Nome”, uma valsa; “Uma Tarde em Cumã”, um samba; “O Meu Desejo”, em uma declamação, e como uma milonga; além de “O Volúvel”, como um baião.
“Mulheragem” merecida, o disco foi lançado em 14 de abril, em show no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, e agora pode ser comprado pela internet http://socorrolira.com.br/loja/ por R$ 45.
Já as compositoras “mulherageadas” pela soprano Adélia Issa e pela pianista Rosana Civile em “Vozes Mulheres” são cinco. Todas têm em suas obras algo em comum, o alto nível de elaboração e sofisticação. São elas, Dinorá de Carvalho (1895-1980), Helza Camêu (1903-1995), Eunice Katunda (1915-1990), Esther Scliar (1926-1978) e Kilza Setti, 87.
Caracterizaria um crime descrever as músicas, sendo que todas elas serão apresentadas por Adélia Issa e Rosana Civile em um recital gratuito, que acontece nesta sexta-feira (13), às 16h, na Sala do Conservatório na Praça das Artes, no centro histórico de São Paulo. Além disso, no encarte do disco há a descrição de cada uma das peças, assim como um breve perfil de cada compositora e das intérpretes. Tal cuidado impede que se detalhe por aqui mais sobre o disco – sob pena de causar vergonha e constrangimento ao autor deste blog –, dada a clareza e o rico conteúdo das informações ali contidas e escritas por quem é do ramo. Entre eles estão a pianista e mestre em musicologia, Aída Machado, escrevendo sobre Esther Scliar; a cantora, compositora e pesquisadora, Luciana Monteiro de Castro sobre Helza Camêu; o musicólogo, educador e compositor Carlos Kater, sobre Eunice Katunda; o cantor e professor Flávio de Carvalho, sobre Dinorá de Carvalho; e Kilza Setti, sobre ela mesma.
Entretanto, você pode ir ao recital sabendo que da compositora Dinorá de Carvalho será interpretada a canção “O Fogo”, com poema de Paulo Bonfim, “Menino Mandu”, com texto do folclore nacional, e “Ideti”, com texto do folclore iorubá; de Helza Camêu, “A Toada da Chuva”, com poema de Olegário Mariano, “Noitinha”, com poema de Florbela Espanca, “Prenúncio de Outono”, com poema de Helena Kolody, e “A Cavalgada”, com poema de Raimundo Correa; de Eunice Katunda, “Moda do Corajoso” e “Moda da Solidão-Solitude”, ambas com poemas de Mário de Andrade, além de “Incelença dos Cravos e Rosas”, do folclore; de Kilza Setti, “Raro Dom”, com poema de Suzanna de Campos, “Trova de muito amor para um amado senhor”, com poema de Hilda Hilst, e “Lua Cheia”, com poema de Cassiano Ricardo; e de Esther Scliar, “A Esquila”, com poema de Laci Osório, e “Novos Cantares”, com poema de Frederico Garcia-Lorca.
Duas “mulheragens” muito bem-vindas e merecidas. Que se “murelhageie” sempre assim, com embasamento, poesia, música e bom gosto
RECITAL DE LANÇAMENTO DO CD “VOZES MULHERES”
ARTISTAS Adélia Issa (soprano) e Rosana Civile (piano)
QUANDO Sexta-feira(13), às 16h
ONDE Sala do Conservatório, Praça das Artes, av. São João, 281, Centro Histórico de São Paulo, tel.(11) 3053 2092/ 2093
QUANTO Gratuito. O CD será vendido no recital por R$ 28