Show de lançamento do CD ‘Inzu’, do saxofonista Mané Silveira e da pianista Heloísa Fernandes, é cancelado em São Paulo
Aconteceria nesta segunda-feira (20), às 14h, no auditório da EMESP (Escola de Música do Estado de São Paulo), em São Paulo, o show gratuito, no qual a pianista Heloísa Fernandes e o saxofonista Mané Silveira mostram o repertório do CD “Inzu”, que o duo gravou homenageando a África.
No entanto, a pianista não poderá comparecer ao evento devido a um problema de agenda. O Música em Letras esteve quinta-feira (16) com o saxofonista Mané Silveira, no auditório da EMESP, entrevistou-o, fez um faixa a faixa com o artista do CD “Inzu” e gravou-o, tocando um trecho de “África” e “Tempestade de Areia”. As duas composições são de sua autoria e estão no disco de oito faixas, todas autorais, divididas por igual entre os integrantes do duo (veja vídeos no final do texto).
Manoel Carlos de Campos Silveira, o Mané Silveira, 62, paulistano, compositor e saxofonista, é professor e músico experiente. De carreira artista amealha 39 anos pisando em palcos e outros muitos em chãos de salas de aula. Entre as instituições nas quais ensinou, Mané Silveira foi professor na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) até ingressar, em 1995, na extinta ULM (Universidade Livre de Música) e permanecer como professor de saxofone, flauta e improvisação livre da EMESP. “Juntando o tempo que dei aulas na ULM e passei para a EMESP tenho 24 anos de salas de aula. Também trabalhei 21 anos no conservatório do Brooklin; na verdade, como professor dou aulas desde 1976”, disse o artista.
Mané Silveira não se recorda de quantos discos de outros artistas participou, pois foram muitos. Lembra mais dos seus, além dos que gravou com os grupos Pé Ante Pé e Freelarmonica, dos quais foi integrante. Entre seus discos estão: “Sax Sob as Árvores” (1996); “Íma” (1999), com Swami Jr. (violão de sete cordas); “Bonsai Machine” (1999); “Desdobraduras” (1998), com o trio Bonsai; “Mané Silveira Quinteto” (2010) e mais dois CDs com a Orquestra Popular de Câmara.
“Inzu” é o oitavo disco do músico. O CD foi gravado com Heloísa Fernandes, compositora e uma das mais talentosas pianistas brasileiras, que tem três CDs, “Fruto” (2005), “Candeias” (2009) e “Faces” (2018).
Segundo Mané Silveira, o disco nasceu depois que Heloísa Fernandes e ele passaram a tocar juntos em alguns trabalhos. “Conheço a Helô faz tempo e ficamos amigos. Sempre dizíamos um para o outro que deveríamos gravar um trabalho nosso. A partir disso, tive a ideia de fazer um disco com uma homenagem simbólica ao continente africano, não etnográfica ou musicológica com pesquisas detalhadas de ritmos. Mesmo assim, ouvimos bastante os ritmos africanos para entrarmos mais nesse universo, além de lermos livros de escritores e escritoras africanos. Decidi presentear a Helô, e a mim também, com um livro para conhecermos mais sobre a África, pelos africanos. Aí surgiu uma coisa interessante, porque a Heloísa costuma tocar descalça nos shows, e o livro que achei foi “A Mulher de Pés Descalços”, de Scholastique Mukasonga [escritora ruandesa], no qual ela relata a história da mãe em meio a tragédia do genocídio em Ruanda. A Heloísa leu e ficou tocada com o livro que, em determinado momento, relata que a mãe da autora cita a necessidade de se construir um inzu, que é um domo gigante, uma casa com cômodos separados e que tem um fogo sempre acesso.”
FAIXA A FAIXA CD “INZU”
1- “Tempestade de Areia”, de Mané Silveira
“Meus temas nesse disco se referem à natureza. Sabemos que no deserto da Namíbia há tempestades gigantescas de areia e esse tema eu tinha na gaveta, mas resolvi inseri-lo no repertório do disco. Ele tem uma pegada rítmica embutida que é em compasso de três e lembra um pouco ‘Cravo e Canela’, gravada pelo Milton Nascimento. A melodia começa com uma introdução mais soft, que escrevi junto com uma pré-introdução muito bonita, que a Heloísa fez na hora, e acrescentamos na música, antes de entrar a tempestade.”
2- “África”, de Mané Silveira
“Comecei essa música com uma levada no piano usando as notas graves, em um ritmo comum africano, que é um seis por oito ou dois por oito. Depois vem a melodia, que é modal, e uma composição forte que tem uma parte mais lírica. O bacana é que todas as vezes que tocamos com músicos diferentes a música ganha novas cores. Como a Helô é uma pianista de alto nível, a contribuição dela foi excelente para esse tema; ela tem um etilo muito próprio de tocar.”
3- “Inzu”, de Heloísa Fernandes
“Essa música, inspirada na Stefania, personagem e mãe da escritora do livro “A mulher de Pés Descalços”, é interpretada no piano e no sax tenor. Tem uma parte mais lírica e depois pega fogo, com um improviso de tenor bem interessante com uma harmonia mais agitada. Essa música faz parte de uma suíte que a Heloísa compôs com as duas músicas seguintes.”
4- “Urugori”, de Heloísa Fernandes
“Urugori é um artefato que os africanos fazem com sorgo, que é um cereal tipo trigo. Eles enrolam as espigas fazendo feixes dourados que as mulheres usam como uma espécie de cocar nas cerimônias religiosas. Musicalmente esse é um tema denso e melancólico. Tem uma certa tristeza nele, mas ao mesmo tempo uma alegria.”
5- “Stefania”, de Heloísa Fernandes
“Stefania é a mãe da escritora Scholastique Mukasonga e encerra a suíte composta por Helô com esse solo de piano. É uma melodia muito bonita, que lembra um pouco um choro bem brasileiro.”
6- “Semente”, de Mané Silveira
“Sem preparar nada com antecedência, acabei fazendo um solo de saxofone alto na hora, lá no estúdio. A gente sempre acha que podia ficar melhor, mas ficou esse que a cada apresentação sai diferente, com o que pintar no momento.”
7- “Pequena Pantera”, de Mané Silveira
“A Heloísa tem uma gata preta chamada Pantera. Estávamos ensaiando e de repente a gata pulou dentro do piano e se aboletou ali. Em outra ocasião, ela caminhou por cima do teclado produzindo sons, então resolvi fazer um tema com isso, como se fosse um gato brincando em um piano.”
8- “Surgimento”, de Mané Silveira
“Esse tema é uma coisa que venho experimentando de gravar falando sílabas e ir sobrepondo essas vozes. Isso dá um efeito de multidão no qual coloco, em cima, frases musicais com os nossos instrumentos, piano, sax tenor e flauta. A partir disso, iniciamos improvisos em cima dessa malha vocal. O nome ‘Surgimento’ é para trazer a ideia do surgimento do continente africano.”
Segundo o saxofonista, quem ouvir o disco deve estar imbuído do espírito de conhecer o novo. “O ouvinte não é um cara passivo, ele está em exercício. Ouvir música é um exercício de sensibilidade e abertura. Às vezes, assistimos a espetáculos musicais que nos causam estranhamento em relação ao tipo de música que está sendo tocada. Mas por que não se abrir e reter essa experiência? Ela pode até ser desagradável, mas qual o problema? Ela enriquece, porque você reflete, comenta e compara. Quem ouve música é músico também.
Assista, a seguir, aos vídeos nos quais Mané Silveira toca trechos de “África” e “Tempestade de Areia”, as duas de sua autoria.
CD “INZU”
ARTISTAS Heloísa Fernandes e Mané Silveira
GRAVADORA: Independente
QUANTO: R$ 20