Paula Santoro e Duo Taufic lançam ‘Tudo Será Como Antes’ em show em São Paulo
Acontece nesta quinta-feira (16), no Jazz B, em São Paulo, o lançamento do CD “Tudo Será Como Antes”, da cantora mineira Paula Santoro com o Duo Taufic, formado pelo pianista Eduardo Taufic e seu irmão, o violonista Roberto Taufic.
O Música em Letras esteve com a cantora e, além de entrevistá-la, fez um faixa a faixa com ela do novo CD e gravou-a, a capela, cantando “O Sal da Terra”, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos (veja vídeo no final do texto). Esta é uma das 13 faixas de “Tudo Será Como Antes”, disco que homenageia o Clube da Esquina, grupo de consagrados artistas mineiros que lançou, em 1972, o álbum “Clube da Esquina” e, em 1978, o álbum duplo “Clube da Esquina 2”.
Paula Santoro de Sousa Lima, 52, é cantora e fonoaudióloga. Nascida em Belo Horizonte, está radicada no Rio de Janeiro há 20 anos, mas pretende mudar-se para São Paulo nos próximos meses. “Estou em busca de novos desafios e São Paulo tem isso de sobra, né?”, disse a artista.
Há 32 anos Santoro iniciou seus estudos musicais na Fundação de Educação Artística, em Belo Horizonte, antes de integrar o grupo vocal Nós e Voz, por conta de um anúncio fixado na parede dessa instituição. “Considero esse momento o início de minha carreira musical profissional, porque antes cantei em bares e algumas casas noturnas. Na Fundação, estudei violão, piano e canto. Depois, entrei para o Sagrado Coração da Terra [banda mineira liderada pelo compositor e violinista Marcus Viana, criada em 1979], integrei o musical ‘Mulheres de Hollanda’ – que ficou mais de um ano em cartaz, lotando o teatro em Belo Horizonte- , e também cantei atuando no musical ‘Manuel, o Audaz’. A partir disso, segui com uma carreira solo”, disse a cantora que aos 10 anos já tocava violão e compunha sinalizando a musicalidade precoce.
Santoro já mostrou suas habilidades vocais ao lado de Toninho Horta, Chico Buarque e Guinga, entre outros artistas. Gravou participações especiais em discos de vários artistas, entre eles “Casa da Villa”, de Guinga (2007), e em duas trilhas sonoras de minisséries da TV Globo, “Aquarela do Brasil” (2000) e “A Casa das Sete Mulheres” (2003).
“Tudo Será Como Antes” (2018) é o sexto disco da cantora. Os outros cinco são: “Santo” (1996), “Sabiá” (2004), “Paula Santoro” (2005), “Mar do Meu Mundo” (2012), “Metal na Madeira” (2016), este com o compositor e violonista Ian Faquini.
Gravado em dois dias no estúdio Visom, no Rio de Janeiro, “Tudo Será Como Antes” está nas plataformas digitais e foi lançado no Japão pelo selo Inpartment. “Gravamos esse disco no ano passado, com três takes de cada música e todos juntos. É um disco gravado ao vivo, em estúdio”, contou Santoro.
O DUO E A CANTORA
Santoro conheceu o duo formado por Eduardo Taufic, no piano, e seu irmão, o violonista Roberto Taufic, em um festival de música há cerca de quatro anos. “Eu estava participando desse festival dando aulas, quando assisti ao show desses caras, com eles já tocando músicas de Minas; pirei. Mesmo sendo de Natal [RN], eles têm muita ligação com a música de Minas porque são fãs de todos os mineiros, como Toninho Horta, Lô Borges, Beto Guedes, Nelson Ângelo, Flávio Venturini e Tavinho Moura. Eles [Duo Taufic] têm conhecimento profundo dessa música. Roberto acompanhou de A a Z da MPB, entre eles a Elza Soares. Atualmente, ele mora na Itália e trabalha com cantoras famosas como Maria Pia [Maria Pia de Vito], Barbara Casini, além de ter um duo com o Gabriele Mirabassi [clarinetista]. O Dudu [Eduardo Taufic] é um dos maiores produtores de discos em Natal. Ele já produziu mais de 400 discos.”
Quem teve a ideia de juntar o duo com a voz de Santoro? “Eu. Fiquei seguindo eles pelas mídias sociais e passamos a trocar mensagens. Tenho uma irmã, bióloga, que mora em Natal e por essa razão vou muito para lá. Em uma dessas vezes eu os encontrei. Temos uma empatia muito grande. Quando fomos para o estúdio testar o que poderíamos fazer, o primeiro arranjo deles, que está na primeira faixa do disco [“Notícias do Brasil’, de Milton Nascimento e Fernando Brant], já foi muito diferente de tudo que eu pudesse imaginar, com outras notas e outra rítmica. Isso me alertou que era o caminho a seguir”, disse a cantora que se encantou com a possibilidade de o duo criar uma ambiência diferente das que já conhecia à exaustão.
Para Santoro fazer mais do mesmo não tinha sentido. “O disco do Clube da Esquina já é maravilhoso. Para que eu regravaria novamente de maneira parecida? Quis fazer um disco com pouca gente, sem banda e que fosse outra história”, falou a artista que com o disco trouxe antigas canções à tona e não só o talento dos irmãos misturado ao seu.
Por ser um disco feito por dois instrumentistas virtuoses e uma cantora de habilidades vocais e timbre único, “Tudo Será Como Antes” tem poucos improvisos ou firulas vocais, por exemplo, considerando-se a alta capacidade desses músicos. O motivo é simples: trata-se aqui de valorizar as canções.
As músicas do CD foram escolhidas pelos três artistas. Algumas, Santoro disse que a princípio não gravaria, pois achava que estivessem “batidas”. “Mas quando eles fizeram os arranjos e me mostraram, entendi e aceitei.”
Contudo, houve mudanças harmônicas significativas e também de compasso em clássicos como “Travessia”, de Milton Nascimento e Fernando Brant. “Foi a primeira vez que cantei ‘Travessia’ em compasso de três por quatro. Foi bem desafiador para mim. Pense em quantas vezes cantei essa música em compasso de quatro por quatro. Para eu me entender e me soltar em compasso de três foi doido porque é uma forma de cantar mais arrastada e prolongada. Tanto que não a gravamos inteira, tem uma parte C da música que não gravamos”, contou a artista que passou a ter um outro olhar sobre músicas que já havia cantado milhares de vezes.
FONOAUDIÓLOGA
O que mudou para a cantora depois de ter se tornado fonoaudióloga? “Tudo, primeiro a fisiologia da voz, por exemplo, saber como a laringe funciona. Comparo a um corredor de fórmula 1 não saber nada de mecânica, não entender do carro. Quem tem o canto como ofício deve entender como ele é gerado, de onde ele vem, quais são as fontes e as formas de ampliação desse som. Se você entende e manipula bem esses elementos, você cria uma eficiência vocal e uma liberdade que possibilita fazer coisas que não eram possíveis anteriormente, por não ter como acessar aquele lugar , aquele ajuste muscular”, contou Santoro, que antes de se formar tinha um treinamento com algum conhecimento sobre o assunto.
TENSÃO E LESÃO
Segundo Paula Santoro, o que pode causar uma lesão na voz é tensão. “Quem faz força para cantar gera tensão e isso pode criar um calo, um nódulo ou um pólipo, entre mil coisas. Há também pessoas que já nascem com cistos. A Ivete Sangalo, por exemplo, tem cisto. O médico falou que ela não poderia cantar. Não satisfeita com isso, ela procurou Janaína Pimenta, uma fono que cuidou da voz dela, que é maravilhosa. Tem um rouquinho que é do cisto, mas em uma voz linda, bem colocada e afinada.”
FAIXA A FAIXA “TUDO SERÁ COMO ANTES”
1 – “Notícias do Brasil”, de Milton Nascimento e Fernando Brant
“ Uma música superpertinente para o momento histórico e atual do Brasil. Não adianta queremos melhorar o país de costas para ele, olhando para o mar, e querendo sair do Brasil. Muita gente está saindo do país nesse momento, mas tem hora que eu acho que temos de encarar essa realidade, ficarmos no Brasil e tentarmos melhorar o que está acontecendo, esse desgoverno. Não à toa, essa música abre o CD, pois tem uma intenção política aí. Ela está mais rápida do que a maneira gravada pelo Milton [Nascimento] e foi uma das músicas mais difíceis para mim pelo nível de dificuldade técnica que há nela. Há um contracanto da melodia, criado pelo duo, que se assemelha a Bach. Essa característica contrapontística não existe na gravação original.”
2- “O Sal da Terra”, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos
“Essa música também tem o mesmo cunho político da anterior, pois fala da opressão e de diferenças. ‘Vamos precisar de todo mundo. Um mais um é mais que dois’. Quando escolhemos essas músicas do disco não tínhamos essa intenção, mas o artista coloca na arte o que ele está sentindo, né? O arranjo não tem muita mudança, porque tem música que não adianta querer mudar demais porque força uma barra. Foi mudada um pouco a harmonia, mas o andamento é mais ou menos parecido ao original. Minha interpretação e o jeito de eles tocarem já fez com que fizéssemos uma coisa nossa.”
3- “Canto Latino”, de Minton Nascimento e Ruy Guerra
“Feita na época da ditadura, essa música teve a última palavra de sua letra, ‘revolução’ censurada. Liguei para o Ruy Guerra e ele me disse isso. Eu não gravei com a palavra ‘revolução’ porque não sabia, mas no show eu canto com ela no final, e a letra fica: ‘Virá a revolução’
4- “Nuvem Cigana”, de Lô Borges e Ronaldo Bastos
“No dia em que o duo me mostrou o início do arranjo dessa música, não acreditei que era ela, porque ficou um negócio meio mouro, árabe. Eles [os irmãos Taufic] têm sangue árabe e vieram com esse som de maneira pesada; na hora do improviso eu faço uma moura espanhola. Tenho sangue árabe também, porque Paula Santoro de Sousa Lima é português, mas da península Ibérica invadida…Você vê, meu pai e meus tios todos têm traços e nariz de árabe, muito mais do que de português.”
5- “Tudo Será Como Antes”, de Roberto Taufic e Mauro Aguiar
“A única música que não é do Clube da Esquina é essa, que se chamava anteriormente ‘Choro Mineiro’. É uma homenagem do Roberto [Taufic] que já fez ela com o coração mineiro. Chamei o Mauro Aguiar para colocar uma letra e ele fez nela alusões a outras canções do pessoal do Clube da Esquina, o que ficou muito bonito.”
6 – “Tesouro da Juventude”, de Tavinho Moura e Murilo Antunes
“Essa música fala de um menino andando de bicicleta com um livro [da coleção “Tesouro da Juventude”] e o som disso, criado pelo duo, é quase uma coisa onomatopeica quando acontece no início. O Roberto coloca uma colherzinha de metal no violão e o som, metálico, parece com o de uma corrente, e tem uma dinâmica que nos leva a ouvir como se fosse uma pessoa pedalando mesmo e ganhando velocidade, quando fica mais rápido. No final da música, fiz uma brincadeira com a voz, um troço esquisito e também metálico, que acabou ficando nessa faixa. O Tavinho [Moura, compositor] ouviu essa gravação e disse que fizemos a música ir para um lugar diferente.”
7 – “Nascente”, de Flávio Venturini e Murilo Antunes
“O Flávio quase chorou quando ouviu essa gravação, porque os meninos [Duo Taufic] rearmonizaram a música e isso é o que ela tem de mais bonito, esse novo caminho harmônico com vocais que fiz diferentes dos do Milton [Nascimento].”
8- “Sol de Primavera”, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos
“Poderia dizer que essa música ficou quase como um choro erudito, com uma pegada renascentista, de uma delicadeza como se fosse um bordado, mas também como um baladão pop. O duo [Taufic] tem uma criatividade incrível e aqui dá para se perceber bem isso. Eles trabalham juntos de maneira quase mediúnica, com uma ligação bem forte entre os dois. As ideias deles se cruzam e se acrescentam o tempo todo.”
9 – “Reis e Rainhas do Maracatu”, de Milton Nascimento, Novelli, Nelson Angelo e Fran
“Essa música é meio lado B. Eu tinha dito para o duo que gosto de redescobrir canções lindas que não fizeram sucesso porque ninguém se tocou que elas [canções] eram foda. No meu disco ‘Paula Santoro’, regravei ‘Léo’, música do Milton Nascimento e do Chico Buarque, que está no disco ‘Clube da Esquina 2’, mas que ninguém lembrava e é uma das músicas mais lindas de todos os tempos. E as pessoas começaram a prestar mais atenção nela. Eu gosto do lado B, além disso queria uma música que falasse das minorias e ela fala de negros e índios, porque amo as duas culturas.”
10 – “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges
“Essa é instrumental que eles fizeram do jeito deles trazendo uma sonoridade própria do duo.”
11 – “Durango Kid”, de Toninho Horta e Fernando Brant
“Assim como outra que já citei, essa é a típica música que não dá para mudar muito, mas é uma música meio lado B do Toninho Horta. Ela é conhecida, mas só por quem é fanático pelo Toninho. Quem não é, conhece ‘Manuel, o Audaz’, ‘Diana’ e ‘Aqui Ó’. Tem uma conotação política também porque fala ‘ Meu jornal, meu revólver’… Nunca tinha cantado ou gravado essa música na vida, mas amo muito, toda vez que a ouço meus olhos se enchem de água.”
12- “Travessia”, de Milton Nascimento e Fernando Brant
“Eu era contra a entrada dessa música no disco porque tem um monte de gravações dela, apesar de eu cantá-la em shows. Mas o duo queria e optamos por fazer dela uma vinheta e mudarmos o compasso. Quando mostraram que ela ficaria em compasso de três por quatro ao invés de quatro por quatro, até eu entender como entrar naquela nova métrica, penei. Agora que me soltei, está difícil para eu voltar a cantar como ela é originalmente, em compasso de quatro por quatro.”
13 – “Viola, Violar”, de Milton Nascimento e Márcio Borges
“Essa é uma das mais conhecidas de uma certa época do Milton Nascimento. Como outras, não tem muito o que mudar nela, embora haja algumas modificações de harmonia e solos do duo, mas sem muita descaracterização. Começa a mexer muito, dá ruim. Ela ficou como um samba, mais para cima.”
Segundo Paula Santoro, quem for ao show de lançamento do disco deve esquecer as referências auditivas e a memória que tem de ouvir o Clube da Esquina. “Quem for ao show ou escutar o disco não vai ouvir, e nem chegar perto, das gravações originais dessas canções. Fazemos uma coisa muito mais delicada, mais recital, solta e diferente. Por isso, as pessoas devem desfazer as referências que têm dessas músicas e estarem abertas a ouvir o novo. As pessoas têm uma dificuldade atualmente de ouvir música. Elas querem dançar, interagir e cantar junto, mas esse é um disco e um show para serem ouvidos, pois há muito detalhe nos arranjos, com cores e tons bem diferentes.”
Assista, a seguir, ao vídeo gravado com exclusividade pelo Música em Letras, no qual Paula Santoro canta a capela “O Sal da Terra”, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos.
SHOW DE LANÇAMENTO DO CD “TUDO SERÁ COMO ANTES”
ARTISTAS Paula Santoro e Duo Taufic
QUANDO Quinta-feira (16), às 21h
ONDE Jazz B, r. General Jardim, 43, República, São Paulo, tel. das 10h às 18h, (11) 3088-0645 / 9 9559-9751; e de segunda a sexta das 18h às 24h: (11) 3257-4290
QUANTO De R$ 35 a R$ 40