Crítica CD ‘Guardião’, de Marcelo Menezes

Se você gosta de samba superbem tocado, com violão de seis e sete cordas, viola machete – aquela pequena escultura de madeira com 10 cordas, usada no samba chula, do recôncavo baiano -, violão tenor – ops, caso não conheça esse instrumento procure por Garoto, o inventor desse tipo de violão, antes de chegar em nomes como Paulo Bellinati ou Renato Anesi -, cavaco, bandolim, clarinete, clarone, flauta, trompete, flugelhorn, sax alto, trombone, berimbau, tamborim, atabaque, prato, surdo, agogô, cuíca, reco-reco, ganzá, tamborim, repique de anel e pandeiro. Para não falar de coro, voz, e composições aliadas às letras de um poeta da pesada, dando “match” pleno entre palavras e som, além de três arranjadores espetaculares, que sabem muito bem o que fazer com tudo isso- sem descaracterizar o gênero-, o CD “Guardião”, de Marcelo Menezes, é para você e até para quem não gosta de samba, mas ama a música e a poesia.

O paragrafão acima ainda é muito pequeno com relação ao vasto caminho aberto pelo violonista, compositor e cantor Marcelo Menezes, autor do disco que contempla 14 músicas em parceria dele com Paulo César Pinheiro. Deu pra ter uma ideia, né? Não? Ah, tá…Seguinte: comecemos pelo Menezes, que tocava no grupo Dobrando a Esquina, e atacava, nos anos 1990, no bar Bip-Bip, em Copacabana. Mas se você não sabe nada sobre esse bar, seus frequentadores, e o Alfredinho (1944-2019), o antigo proprietário que deixava a chave do estabelecimento para fecharem as portas por ele, você deve procurar saber. Foi nesse bar que Menezes, tocando, conheceu Walter Alfaiate (1930-2010), Zé Kéti (1921-1999), João Nogueira (1941-2000), Guilherme de Brito (1922-2006), João do Vale (1934-1996), Miucha (1937-1918), além de Nelson Sargento, 94, Elton Medeiros, 88, Beth Carvalho, 72, Monarco, 85, entre outros bambas. Desculpe, mas se você não conhece esses artistas e suas obras, corra para conhecer e ter o imenso prazer em ouvir o samba direto de suas melhores fontes.

Voltando ao autor do disco, quando tinha 8 anos, Marcelo Menezes já frequentava o Sovaco de Cobra – pico carioca consagrado pelo choro –, levado pelas mãos de seu pai, o violonista Rozendo Menezes, além das rodas de samba que seus parentes promoviam regularmente. Vivência esta que o incentivou a estudar o violão com Deus, ou melhor, com um dos maiores representantes do violão de sete cordas, Horondino Silva, o Dino 7 Cordas (1918-2006). Ops, se você não conhece esse sujeito corre o risco de ficar prejudicado, procure saber…

Já Paulo César Pinheiro é daqueles poetas que ainda recebe fitas k-7 de seus parceiros para ouvir antes de jorrar de si letras em cascatas de poesia. Assim foi com Marcelo Menezes, que enviou três sambas para Paulinho escolher um para banhá-lo em palavras. Paulinho gostou dos três e pediu mais. Recebeu uma ruma deles e se bem “parcerizou” com Menezes em 26 músicas, até agora.

Quatorze estão no CD “Guardião”. Entre elas, a primeira faixa – e primeira composição da dupla, homônima ao disco -, de cara avisa: “O samba vai retumbar no chão/Vou lá pra puxar o seu cordão. Da tradição do Rei/Eu sou guardião”. Já o suingue de “Rio-Salvador” é garantido pelo belo arranjo do violonista Maurício Carrilho, com metais na medida e a participação da cavaquinista Luciana Rabello. Em “Bala de Festim”, arranjo de Jayme Vignoli (cavaquinho), uma desilusão amorosa é superada e supostamente vingada: “Tiro que me derrubou no chão/Hoje em dia é bala de festim. Mas aquele que com ferro fere/ O seu final de amor vai ser ruim. Não existe dor/Mais cruel pra mim/Que um amor/ Que chega ao fim”. Julião Pinheiro (violão de 7 cordas) arranja, entre outras, “Cintura Bamba”, onde aparece a viola de machete tocada por Julio Caldas como a cereja do bolo.

Sobre as outras dez músicas do CD, não vou dar spoiler. Deixo que você as ouça sem qualquer referência ou indução, sentindo o prazer de constatar, por conta própria, que o samba ainda existe, é respeitado, bem tocado, arranjado, interpretado, além de marcar a alma de quem o escuta.

Como pregava Zaratustra, o homem que dizia ser o esforço e o trabalho atos santos: “O que vale mais num trabalho é a dedicação do trabalhador”. Marcelo Menezes, Paulo César Pinheiro e todos os músicos que participam desse CD, como o guitarrista Hélio Delmiro e o pianista Cristóvão Bastos, entre outros, que sempre se dedicaram à música brasileira, no CD “Guardião” consagram-se ao seu maior representante, o samba. Como? Você não conhece Zaratustra? Dedique-se a saber.

CD “GUARDIÃO”

ARTISTAS Marcelo Menezes, Paulo César Pinheiro, Hélio Delmiro, Cristóvão Bastos, Maurício Carrilho, Julião Pinheiro, entre outros.

GRAVADORA Independente

QUANTO R$ 25 em média

AVALIAÇÃO Ótimo