‘Simbiose’ põe dois brasileiros no lineup do Eric Clapton’s Crossroads Guitar Festival
O disco “Simbiose”, do duo Daniel Santiago (violão) e Pedro Martins (guitarra), foi responsável por colocar a dupla de instrumentistas brasileiros no rol de nomes emblemáticos do universo da guitarra, como Jeff Beck, John Mayer, Sheryl Crow, Kurt Rosewinkel, Robert Cray e Buddy Guy, além do próprio Eric Clapton, que participam do Eric Clapton’s Crossroads Guitar Festival, nos dias 20 e 21 de setembro, em Dallas, nos Estados Unidos.
No início de março, durante o Carnaval, o repórter deste blog entrevistou e gravou um ensaio de Daniel Santiago – sim, músicos e repórteres trabalham durante o Carnaval – com Pedro Martins, entre outros músicos. Santiago se preparava para o show de lançamento de seu CD “Union”. Veja matéria feita pelo blog https://musicaemletras.blogfolha.uol.com.br/2019/03/06/daniel-santiago-une-se-a-musicos-excepcionais-em-show-em-sao-paulo/ Na ocasião, Santiago comentou sobre o convite que ele e Pedro Martins, seu parceiro em “Simbiose”, haviam recebido para se apresentarem no festival de Eric Clapton, mas pediu sigilo quanto à informação, pois a merecida participação ainda não havia sido oficializada.
O Música em Letras esteve na última quinta-feira (4) com o violonista, guitarrista, arranjador, produtor e compositor brasiliense Daniel Santiago, 39, no apartamento do músico, em São Paulo, onde mora há oito anos, para entrevistá-lo, além de gravar, com exclusividade para o blog, “Distância”, uma das oito músicas que compõem o CD “Simbiose”. O disco também foi objeto de um faixa a faixa, no qual o músico comenta seu trabalho (veja vídeo no final do texto).
Perguntado sobre o que levou Eric Clapton – depois de ter ouvido “Simbiose” pela internet – a querer mostrar esse som para o mundo, Santiago respondeu: “Eu vou chutar, tá? O Eric Clapton é um entusiasta da guitarra e do violão. Ele gosta muito disso. A gente conhece esse universo dele do pop e rock, mas ele sempre frequentou clubes de jazz de Nova York. Acho que ele curtiu, além do repertório autoral, o timing, a pulsação que eu e o Pedro temos por sermos muito irmãos. Tem hora que parece ser uma coisa só tocando. Acho que isso chamou a atenção”.
FRUTOS PERENES
Além da qualidade musical, o disco traz em si um case, no mínimo, curioso.
Em julho de 2015, Pedro Martins – atualmente em turnê pela Europa – venceu o Socar Guitar Competition da 49ª edição do Festival de Jazz de Montreux, na Suíça. John Mc Laughlin e Kurt Rosewinkel compunham o júri. Em seguida, Pedro veio para São Paulo e junto com Daniel Santiago gravaram “Simbiose”, em dois dias. O CD foi lançado em 2016 durante uma pequena turnê no Sesc, em Santa Catarina. Ainda em 2016, o produtor Kassin ouviu o disco e convidou a dupla para participar do encerramento das paraolimpíadas, no estádio do Maracanã, onde tocaram o hino nacional com a participação do acordeonista Mestrinho.
Até então, os dois instrumentistas haviam lançado as músicas com vídeos na internet. Richard Zirinsky, do selo norte-americano Adventure Music, teve acesso ao trabalho e o divulgou, em 2017, disseminando ainda mais o conteúdo digitalmente. Em 2018, pelo mesmo selo, foi lançado o CD físico para atender a demanda no Japão. “Esse disco, quando a gente menos espera, se lança novamente. É um lançamento que não para”, disse rindo Santiago.
INFLUÊNCIA DE MÃO DUPLA
Pedro Martins foi influenciado musicalmente por Daniel Santiago, entre outros músicos, e dele se tornou amigo. A amizade se fortaleceu quando Santiago morava no Rio de Janeiro e lá mostrou para Martins músicas de sua autoria. Atualmente Martins influencia Santiago, e a recíproca continua verdadeira.
“Simbiose” é o retrato da música que Santiago faz com Martins e que Martins faz com Santiago, em que há uma troca muito bonita de se ouvir. São oito músicas de autoria de Daniel Santiago e uma de Pedro Martins, gravadas como se fosse um show, em uma tacada só. Em dois dias, gravaram em duas sessões – uma para ensaiar e a outra para gravar valendo – um trabalho primoroso no qual embora cada um tenha uma voz, juntos a unificam.
Lembrado da máxima que diz que em duo não se mente, Daniel Santiago acrescentou: “É interessante notar como você se desenrola num erro, o que fazemos quando ele acontece. Há momentos em que nos perdemos, mas somos tão sincronizados e rápidos que ele passa a fazer parte da improvisação”.
“O disco tem um pé fincado na música profunda do Brasil, com abertura para a música mundial. É música brasileira, mas que não se fecha apenas no universo brasileiro”, disse Santiago que, como Martins, gosta de choro, rock, pop, MPB, jazz e música eletrônica, confirmando a diversidade presente na maneira com que ambos compõem e tocam.
FAIXA A FAIXA DE “SIMBIOSE” POR DANIEL SANTIAGO
1- “Retrato”, de Daniel Santiago
“Ao compor essa música, inicialmente havia pensado em um flerte com o samba-canção, com bossa nova, trazendo a coisa do samba mais lento. Tenho uma linguagem harmônica que costuma ser mais aberta que, somada ao ritmo, leva a música para um outro lugar. Nessa faixa, o Pedro expõe a melodia toda, com frases mágicas a ponto de pessoas que não conhecem música ou técnica se surpreenderem com elas. São frases virtuosas, mas com uma carga de emoção característica do Pedro, que é muito emotivo e deixa isso transparecer na música dele.”
2- “Simbiose”, de Daniel Santiago
“Essa música traz um pouco da influência que tenho vinda do convívio com o Hamilton de Holanda e o Rogerinho Caetano no Brasília Brasil. É uma coisa no limiar da música erudita para violão, com uma textura harmônica mais para o Villa-Lobos e um perfume de Guinga. É como se fosse uma peça erudita, mas que tocamos em uníssono, colados um no outro, dobrando juntos e bem rápido. Um negócio bacana nela é quando o Pedro dobra uma oitava acima e faz uns acordes incríveis”
3- “Distância”, de Daniel Santiago
“Compus essa música para ser uma bossa, mas quando encontrei com o Pedro começamos a tocá-la em compasso de 5 por 8 bem rápido. Essa é outra que tem uma harmonia com um lado mineiro, mais modal. Nos solos do Pedro, durante todo o disco, dá para sentir o quanto ele se joga. É o que acontece aqui e mostra como ele é um improvisador nato, de verdade, que não está preso em frases.”
4- “Terra Molhada”, de Daniel Santiago
“Essa tem a ver com minhas origens mineiras, vindas de meu pai, e nordestinas, vindas de minha mãe. É um maracatu cearense. Nesse disco ela está tocada com bastante emoção. É muito simples, mas vai na alma. O solo do Pedro é poesia pura. Ele abre uma gaveta e tira outra música de dentro dela, de maneira muito livre e criativa. Há momentos em que causa estranheza, mas é mágico e surpreendente o que ele faz nessa faixa.”
5- “Caravela”, de Daniel Santiago
“Essa música traz minhas impressões adquiridas nas idas a Portugal. Ela tem um perfume português no ar. Tocamos em uníssono, e o Pedro, ao dobrar uma oitava acima, acha umas inversões de acordes incríveis. No final tem um desbunde de solo de Pedro com frases virtuoses, muito rápidas e incríveis.”
6- “Paz”, de Daniel Santiago
“Fiz essa música em 2013, que foi um momento conturbado no qual estamos até hoje com esse cabo de guerra que se instalou em nossas vidas. Começamos com uma improvisação de melodias juntos, tocando livres. Criamos uma textura e o Pedro dobra, com a voz dele. Fazemos vocalises o disco todo. Aqui a voz dele, em falsete, uma oitava acima da minha, deixa a música muito bonita.”
7- “Terra de Ninguém”, de Daniel Santiago
“Nessa há um viés do jazz contemporâneo, mas como tocamos em duo ela foi para outro lugar. Ficou com uma cara mais original do que como a imaginei, com bateria, piano e sax. Ela tem uma harmonia que é difícil para caramba e cada um de nós se arrumou do jeito que pôde para improvisar. O Pedro pegou a harmonia pelo rabo e improvisou magicamente.”
8- “Refletindo”, de Pedro Martins
“Essa é outra música que era tocada com banda, mas é do Pedro Martins. Insisti para que ela entrasse no disco Tocávamos muito lentamente, mas aqui ela ficou como se fosse um encontro do João Bosco com o Kurt Rosewinkel. O Pedro faz a melodia e depois um solo de virtuose.”
9- “Chorando e Sorrindo”, de Daniel Santiago
“É um choro que surgiu em um momento no qual eu fazia músicas muito complicadas, rebuscadas, e resolvi lançar um desafio de fazer uma coisa bem simples, para mostrar que sei também. Interessante nessa música é a participação do Pedro que toca como se fosse um chorão com 80 anos de idade; inacreditável a linguagem madura, sem conversa fiada, que ele apresenta dentro da linguagem do choro.”
O CD “Simbiose” está em todas as plataformas digitais.
Assista, a seguir, ao vídeo no qual Daniel Santiago toca “Distância”, música dele, com exclusividade para o Música em Letras.