O som de São Paulo nas alturas
Jazz e bossa nova é o que rola nas alturas em São Paulo. O Música em Letras esteve no topo de dois prédios do centro da capital paulista – os vizinhos edifícios Esther e Itália, considerados marcos arquitetônicos da cidade –, que abrigam a combinação de bar e restaurante. No Esther Rooftop e no Bar do Terraço Itália, uma programação com música ao vivo embala as noites da cidade que nunca dorme, com destaque para os dois gêneros musicais acima citados.
O blog entrevistou músicos, gerentes e garçons que atacam no Esther Rooftop e no Bar do Terraço Itália, além de gravar, com exclusividade, vídeos para que o internauta conheça a vista que se tem desses locais enquanto seus ouvidos são recheados de boa música acompanhada por ótimos drinques, petiscos e pratos (veja vídeos no final do texto).
ESTHER ROOFTOP
No 11º andar do edifício Esther, – o primeiro prédio modernista da cidade -, próximo à avenida Ipiranga, funciona o charmoso Esther Rooftop. O restaurante serve pratos da culinária francesa mesclada à brasileira, elaborados pelo chef francês Benoit Mathurin, sócio de seu patrício e também chef, além de apresentador de TV, Olivier Anquier. São 90 aconchegantes lugares – mais 11 no bar- que acomodam os clientes.
Com vista para a praça da República onde há outro marco arquitetônico da cidade, o prédio da gloriosa Escola Normal Caetano de Campos, no qual atualmente funciona a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, o terraço do local abriga, com um teto retrátil, mesas iluminadas por velas que ajudam a garantir o tom romântico do ambiente.
Projetado em 1934 pelos arquitetos Álvaro Vital Brasil e Adhemar Marinho, o Esther foi inaugurado em 1938 para ser um prédio multifuncional ao contemplar espaços para lojas, escritórios e apartamentos residenciais, além de espaços para festas e saraus organizados pelo pintor Emiliano Di Cavalcanti (1892-1976).
O subsolo agregou boa parte da intelectualidade e vanguarda paulistanas em meados do século 20. Lá funcionaram o IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil); o Clubinho, como foi alcunhado o Clube dos Artistas e Amigos da Arte, presidido por Tarsila do Amaral (1886-1973) e fundado pelo multiartista Flávio de Carvalho (1899-1973) – aquele que escandalizou São Paulo, em 1956, por ter dado um rolê de saia pela cidade –; e a famosa boate Oásis, que tinha como habitué, entre empresários, artistas e músicos famosos, Francisco de Assis Chateaubriand (1892-1969).
O livro “São Paulo nas Alturas – A Revolução Modernista da Arquitetura e do Mercado imobiliário nos anos 1950 e 1960”, de Raul Justes Lores, (editora Três Estrelas, 2017) traz mais informações sobre esse e outros prédios da cidade, propiciando uma deliciosa e edificante leitura.
“Somos diferentes, pois estamos em um lugar diferente. Mas todos os grupos que se apresentam no Esther Rooftop seguem a mesma linha, tocando jazz e bossa nova e sem couvert artístico”, disse Fabiano Benith Pires da Silva, 44, gerente da casa, que oferece música ao vivo e gratuita aos clientes às segundas, terças,quartas e quintas-feiras, das 20h30 às 23h30. A primeira entrada dos músicos acontece às 20h30 e vai até as 21h30. Após 15 minutos de pausa, rola a segunda entrada para preencher a casa de som, até as 22h30. Mais 15 minutos de descanso favorecem os músicos antes de atacarem até as 23h30. Reservas podem ser feitas, com dois dias de antecedência, pelo estherrooftop.com.br
Em parceria com o Guilhotina Bar, que tem como barman o top Márcio Silva, a casa oferece drinques excelentes. O mais servido é o Bouquet Garni, mistura de gim Amázzoni, com infusão de flores de ismênia, absinto, água tônica e bouquet garni de ervas frescas, por R$ 31. “Com a infusão de ismênia, o gim fica azul e incorpora um gosto floral muito bom”, disse o gerente. Entre outras especialidades da casa, está o homônimo Rooftop, com vodca Ciroc, rum Malibu, hortelã, limão-taiti e espumante, por R$ 40. “Temos drinques com tiquira, uma aguardente de mandioca, como o Tiquira Brasil, com manga, gengibre, manjericão fresco e limão-taiti”, falou o gerente da casa que cobra pela dose da bebida R$ 35. No entanto, talvez o mais ousado e de resultado excepcional é o Volta da Índia, que leva gim Tanqueray 10, infusão de cardamomo, suco de limão-taiti, xarope de açúcar e clara de ovo (defumado), por R$ 37.
Dos petiscos, destaca-se o Circos Voadores, sutis e finos discos de raízes (batata doce e rabanete) que escondem um refrescante tartar de peixe do dia com ciboulette e wasabi, por R$ 49. Contudo, o mais pedido, segundo o gerente, são os Rolinhos Crocantes, seis rolinhos fritos (massa igual ao dos rolinhos primavera), finos e delicados recheados de lagostim, com molho de limão e manga, por R$ 52.
A atriz Cássia Kiss, além da jornalista e apresentadora de TV Leda Nagler e o proprietário do local, Olivier Anquier, são algumas das celebridades que podem ser encontradas escutando a música ao vivo do Esther Rooftop. Na última quinta-feira, quando este repórter visitou o local, o trio que estava tocando era o Sampaname Jazz Trio. O nome da banda é uma junção do apelido de São Paulo, Sampa, com um antigo apelido de Paris, Paname. Residente no Brasil há 22 anos, o francês, Frank Oberson é o contrabaixista que batizou e lidera o grupo formado por Edson Silva, na bateria, e Fabiano de Castro, no piano. Na noite da entrevista, Alex Duarte substituía Edson Silva. De acordo com Frank Oberson, o som instrumental do grupo é uma mistura de jazz e música brasileira. “Tocamos cerca de 20 standards de jazz e bossa nova durante uma noite. Atendemos a pedidos, mas só de músicas que sabemos tocar”, falou rindo o francês que, às vezes, abre o som para canjas de outros instrumentistas, que, como os pedidos, não são muito comuns. Os pedidos atendidos incluem músicas de Tom Jobim (1927-1994) como “Wave”, “Corcovado” e “Garota de Ipanema”, de Jobim e Vinicius de Moraes (1913-1980).
Segundo o contrabaixista, quando se percebe que clientes não estão apenas olhando para o prato, mas também reagindo à musica, “aí, sinto que ganhei a noite”. Para o pianista Fabiano de Castro, a música feita no Esther Rooftop tem suas características próprias. “O trio de jazz é oferecido como um presente para as pessoas que vêm jantar aqui. Tocamos de uma maneira que se as pessoas pararem e prestarem a atenção vão curtir uma boa música, porque ela é feita de coração e por gente que vive de tocar, e faz isso diariamente. Mas se elas estiverem focadas em uma conversa ou em uma reunião, a música não atrapalha”, disse o músico que adequa o volume do som ao ambiente, dependendo do nível de ruído produzido pelos clientes e funcionários da casa.
Outras atrações musicais estão na programação do Esther Rooftop, sempre tocando jazz e bossa nova. São elas: Luiz Cláudio Sousa Trio, às terças-feiras; e Muari Vieira Jazz Trio, às quartas-feiras.
Assista, a seguir, ao Sampaname Jazz Trio tocando “O Que Será”, de Chico Buarque.
TERRAÇO ITÁLIA
O Bar do Terraço Itália passou a funcionar em 1967 no topo do Edifício Itália, inaugurado em 1965 na avenida Ipiranga, 344 – esquina da avenida São Luís. O mais alto prédio de São Paulo, projeto do arquiteto Franz Heep, ergue-se em seus imponentes 165 metros de altura, 46 andares e 19 elevadores fincados em terreno de 2.382 metros quadrados. As paredes de vidro do bar abrem a vista de 360 graus para a capital paulista. Para ser alçado até o bar, deve-se tomar o elevador do térreo até o 37º andar e, depois, mais um elevador até o 41º, onde se sobe mais um lance de escadas para chegar ao 42º andar, onde está localizado o ambiente que deixará São Paulo a seus pés. No térreo da torre oval, há um teatro e uma galeria de arte, os demais andares são ocupados por escritórios.
Nascido em Bariri, interior do estado de São Paulo, Elizeu Carlos Storion, 70, fã de Mccoy Tyner e Bill Evans (1929-1980) é pianista da casa há 32 anos e responsável por arregimentar os músicos que tocam no Terraço Itália. Formado em música e especializado em “música da noite”, por meio de estudos que realizou com Amilson Godoy, Nelson Aires e atualmente “fazendo uma reciclagem com Luiz Melo” – músico que domina um repertório com mais de três mil músicas –, Storion tem como critério para selecionar os artistas que sejam “músicos profissionais da noite”. “Analiso principalmente o repertório apresentado com músicas que são trilhas de filmes, standards de jazz e bossa nova”, disse o músico que tem como regra principal de conduta para os músicos o volume baixo.
“Cantar e tocar aqui tem de ser com o volume baixo, porque as pessoas vêm para conversarem e darem uma namoradinha, então o som tem de ser de acordo com o ambiente, explicou Storion que toca no piano do restaurante todas as noites. “Aqui, o músico não é o atrativo da casa, mas um complemento. Não somos um local de agitação ou de show, mas sim de aconchego e relaxamento, além de trabalho, pois muita gente, entre empresários, turistas e quem gosta de música, vem aqui fechar negócios e fazer reuniões.”
Segundo o experiente pianista, Ed Sheeran, Alan Parsons, Nicette Bruno, Jô Soares, Emílio Santiago (1946-2013), Luiz Melodia (1951-2017) e uma infinidade de celebridades já estiveram nas alturas do terraço. A primeira entrada dos músicos no bar acontece às 20h30, e o som rola até as 21h. Depois de um intervalo o som continua das 22h até as 23h, com o couvert artístico a R$ 35. Canjas acontecem esporadicamente, mas sempre atendendo ao propósito de ser um complemento e não um destaque do bar. Entre as inúmeras canjas já teve a do contrabaixista Bira e do pianista Barutti, integrantes do Sexteto do Jô, banda de palco do programa de Jô Soares.
“Quando inaugurou o bar, havia uma orquestra grande tocando aqui, com quatro metais, duas cantoras, guitarras e tudo mais, mas depois dos anos 80 houve uma modificação em decorrência da introdução dos teclados eletrônicos com disquetes, que substituíram as bandas por um só músico. Teve um período no qual teve uma decadência nas casas noturnas provocada por essa razão, um teclado substituía vários músicos”, disse Storion, que conta mais de 40 anos de carreira e tocou no Hilton Hotel, além das boates Lancaster, La Licorne, Baiuca, My Love, Ta Matete e em praticamente em todas as casas do circuito paulistano conhecido como “boca do luxo”.
No dia em que o Música em Letras esteve no Bar do Terraço Itália, o repórter entrevistou a cantora mineira Corina Padilha Magalhães, 36, que se apresentará, a partir de hoje (1), todas as segundas-feiras, ao lado do pianista Robson Nogueira, 36, acompanhados por um contrabaixista e um baterista. “Interpretaremos cerca de 24 músicas, com arranjos livres, mas sempre buscando o formato usado no jazz e na bossa nova. Será uma homenagem às grandes intérpretes da bossa nova”, disse a artista.
Entre as músicas e intérpretes homenageadas estão “Luxo Só”, de Ary Barroso (1903-1964), em homenagem à cantora Rosa Passos; “Menina Fricote”, de Marilia Batista (1918-1990) e seu irmão Henrique Batista, música regravada por Olívia Byington, a quem Corina Magalhães homenageia; além de “Batida Diferente”, de Durval Ferreira (1935-2007) e Maurício Einhorn, “Uau”, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle e “Influência do Jazz”, de Carlos Lira, as três homenageando Lenny Andrade.
Perguntei a Corina Magalhães o que as pessoas devem esperar de sua apresentação no Bar do Terraço Itália: “Que estarão em um lugar diferente e aconchegante, com uma vista maravilhosa, ouvindo um show que traz a elegância da bossa nova misturada ao jazz. Além disso, os drinks e pesticos daqui são muito bons para acompanhar nosso repertório.”
A programação musical do Bar do Terraço Itália conta com a cantora Jennifer Lopes, que ataca às terças-feiras cantando de black music a pop com um trio formado por piano, baixo e bateria. Nas quartas-feiras é a vez de releituras instrumentais do pop, rock e jazz realizadas pelo Living Room Trio que contam na sua formação com Davi Martin (contrabaixo), Alexandre Cortina (bateria) e Luciano Ruas (piano), para executarem um repertório que passa por Carlos Lyra, Cole Porter (1891-1964) e David Bowie (1947-2016). Nas quintas-feiras, o cantor, violonista e percussionista Hugo Rafael, ao lado de um pianista, ataca de soul, rock, e pop, por meio de um repertório com releituras de clássicos de John Mayer, Joe Cocker, Eric Clapton, The Doors e Creedence Clearwater Revival, além de versões inusitadas dos Beatles e Guns´n Roses. Nas sextas-feiras e sábados, toca o One Jazz Trio, que acompanha a cantora espanhola Alba, radicada no Brasil há muitos anos e que tem seu repertório marcado pelo jazz e bossa nova. No som do quarteto, interpretações de clássicos do jazz e versões de soul e pop music de gente como Michael Jackson (1958-2009), Stevie Wonder, Pharrell Willians, Adele e Alicia Keys.
Da músicas mais pedidas no bar do Terraço Itália estão “Parabéns para Você” e uma infinidade de standards de jazz como “My Way”, “Take Five”, “Wave” e “Corcovado”. O Terraço Itália ainda aposta na música ao vivo em outros dois ambientes. Em um deles, nas sextas-feiras e sábados, acontece, das 20h30 até 1h, jantares dançantes ao som de “New York, New York”, “My Way” e “La Barca” com couvert artístico de R$ 47 por pessoa. Nas quintas-feiras, é a vez do Canastra Jazz, quarteto com Davi, que toca trompete e canta, Sato, no contrabaixo, Rodrigo, no piano, além de um baterista. O outro ambiente, o salão nobre, onde funciona o restaurante, também comporta um piano, no qual Eliseu senta a mão, mas de leve.
O bar do Terraço Itália, que acomoda 80 pessoas, não serve pratos. Mas os petiscos estão garantidos para acompanhar drinques especiais como os coquetéis feitos com espumante. A carta também inclui todos os clássicos, como Negroni e Dry Martini, que custam entre R$ 46 e R$ 48, segundo o experiente e afável garçom Raimundo: “[Eles] saem bem, mas a caipirinha é a campeã”. O preço varia entre R$ 37 (com rum, saquê, cachaça ou vodca nacional) e R$ 58, dependendo da marca e origem do destilado, e o cliente pode escolher entre as frutas limão, maracujá, morango, lima-da pérsia, uva, kiwi, lichia ou abacaxi.
Entre os coquetéis, destaque para o Buon Giorno Principessa, feito com licor de pêssego, prosecco e xarope de framboesa e frutas vermelhas, por R$ 46. No menu de petiscos, a porção mais pedida é a Bruschette Miste, com oito unidades de torradas de pão italiano com cream cheese e salmão marinado, presunto parma com parmesão, cogumelo shitake e Caprese (mussarela de búfala com tomate seco), por R$ 86. O Gamberi Provenzale (Camarão à Provençal)custa R$ 106, enquanto a porção de Parmigiano, lascas de queijo parmesão, custa R$ 76, e a de pastéis mistos, com 12 unidades nos sabores camarão, palmito e caprese, sai por R$ 59.
Assista, a seguir, ao vídeos no qual Corina Magalhães convida o internauta para ir ao topo do edifício Itália curtir um som.
ESTHER ROOFTOP
ONDE Esther Rooftop, no edifício Esther, r. Basílio da Gama, 29, República, São Paulo, tel. (11) 3256-1009
QUANDO Das 20h30 às 23h30, Luiz Cláudio Sousa Trio, às terças-feiras; Muari Vieira Jazz Trio, às quartas-feiras, Sampaname Jazz Trio
QUANTO Sem couvert artístico
BAR DO TERRAÇO ITÁLIA
ONDE Bar doTerraço Itália, no edifício Itália, av. Ipiranga, 344, centro, São Paulo, tel. (11) 21892929
QUANDO Das 20h30 às 23h00, às segundas-feiras, Corina Magalhães e trio; às terças-feiras, Jennifer Rocha e trio; às quartas-feiras, Living Room Trio; às quintas-feiras, Hugo Rafael; e às sextas-feiras e sábados, One Jazz Trio & Alba Santos.
QUANTO Couvert artístico de R$ 35