Cida Moreira homenageia São Paulo em show

A cantora, atriz e professora paulistana Cida Moreira, 67, faz uma ode à canção brasileira, para homenagear São Paulo, no show “Uma Canção pelo Ar”. O espetáculo acontece nesta quarta-feira (23), às 21h, no teatro Cacilda Becker, no bairro da Lapa, na cidade que completa dia 25 de janeiro 465 anos.

O Música em Letras esteve na casa da cantora, onde a entrevistou e gravou, com exclusividade para o blog, um vídeo no qual a artista convida, por meio da música, o internauta a ir ao espetáculo (veja vídeo no final do texto).

O início de nossa prazerosa e informal conversa deu-se em torno de um amor em comum, São Paulo, com alguns de nossos testemunhos sobre nascimento e morte de locais da cidade. De Cida Moreira, que nasceu no dia 12 de novembro, de 1951, “o mesmo dia que [nasceram] Picasso e Paulinho da Viola”, ouvi o relato do surgimento da avenida 23 de Maio e do bairro do Paraíso, entre outras histórias. Eu citei com orgulho ter estudado na gloriosa Caetano de Campos, mesma escola em que a mãe da artista se formou professora, em 1938, com 19 anos de idade, dois antes de casar com seu pai.

Como fazem os cachorros quando se encontram, “cheiramos” bem um ao outro, até nos identificarmos como amigos e conhecedores de vários “postes” em comum, que alicerçam valores familiares, sociais, literários, musicais e políticos de dois habitantes da cosmopolita e aniversariante cidade.

A partir daí, a conversa correu solta, por vezes, na presença de Tom Waits, 17, um canídeo verdadeiro, adotado pela artista e seu marido Humberto Vieira. “Tínhamos a Billie Holliday, uma basset hound que ganhei da Zélia Duncan, mas ela morreu. Fiquei muito mal. Antes da Billie tive a Bessie Smith, uma beagle com quem vivi por mais de 13 anos. Agora não quero mais ter cachorro”. Perguntada o porquê da drástica resolução, já que demonstrava amar tanto nossos “semelhantes”, a artista respondeu: “Ah, depois eu morro e o cachorro fica…”

Mestre em psicologia, pela PUC de São Paulo, Cida Moreira faz análise uma vez por semana. Para quê? “Para morrer bem”, disse com uma sonora gargalhada a atriz.

Cida Moreira e seu cão Tom Waits (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

O SHOW E FUTUROS PROJETOS

No palco, acompanhando a artista no show da próxima quarta-feira, estarão os músicos e amigos Omar Campos e Iuri Salvagnini. “O Omar é meu maestro e faz as direções musicais de meus discos. Trabalha comigo há mais de 20 anos e toca violão [de sete e de seis cordas], viola [caipira], cavaquinho e contrabaixo. O Iuri é um ótimo pianista e sanfoneiro. Como toco piano, nós três nos revezamos o tempo todo, tem músicas que estou no piano e o Iuri vai para a sanfona . Temos uma harmonia muito grande que vem de muito tempo. Por isso, mandamos bala e fica muito bom.”

A artista – que acaba de realizar, em Curitiba, dois shows com músicas de seu CD “Soledade Solo”, espetáculo dirigido por seu marido – está vivenciando uma fase de elaboração de novos projetos. Enquanto não os define concretamente, Cida Moreira faz o show “Uma Canção Pelo Ar” ao lado dos dois músicos revisitando seu consistente repertório: “É um show acústico, brasileiro, bonito e sofisticado”.

Sobre os dois projetos que estão por vir, a cantora adiantou estarem em plena construção. “Um deles é um espetáculo de teatro, uma criação coletiva que envolve eu, Denise Stoklos e Marina Lima, chamado ‘Vem Comigo, no Caminho Eu te Conto’. Trata-se de três mulheres que sobrevivem a uma hecatombe”, disse a atriz que está em negociação com o Sesc, mas ainda sem saber a data de estreia ou a unidade onde o espetáculo será encenado. “Deve ser em maio, mas ainda não fechamos a data.”

O outro projeto é um espetáculo com canções de compositores brasileiros “jovens, modernos, de quem eu já canto várias coisas, mas quero ampliar o repertório, envolvendo essa nova geração que muito admiro”. Da “nova geração”, a veterana cantora citou Thiago Pethit, Hélio Flanders, Juliana Perdigão, Romulo Fróes, Kiko Dinucci, Arthur Nogueira e completou: “É tanta gente…Tem uma porrada de gente fazendo música muito boa”.

No show de quarta-feira, 16 músicas serão interpretadas pela artista que canta e toca piano. Entre elas, “Leilão”, de Hekel Tavares (1896-1969); “Joana Francesa”, de Chico Buarque; “Azulão”, de Jayme Ovalle (1894- 1955) e Manuel Bandeira (1886-1968); “Feito Um Picolé No Sol”, de Nico Nicolaiewski (1957-2014); “Poema da Rosa”, de Jards Macalé e Augusto Boal (1931-2009). “A única que toco sozinha, sem os meninos me acompanhando, é ‘Feito Um Picolé No Sol’, o resto é com a moçada.”

Os arranjos das músicas são coletivos e surgem durante os ensaios. As músicas entram e saem do show, pois a artista disse mudar bastante o repertório de seus espetáculos durante as apresentações. Entretanto, quem for ao show pode ter a certeza de que irá ouvir “uma cantora brasileira cantando música brasileira” homenageando sua cidade, São Paulo. “Vou cantar ‘Viola Quebrada’, do Mário de Andrade, e ‘São São Paulo’, do Tom Zé, além de ‘Lampião de Gás’, de Zica Bérgami, (1913 – 2011), uma professora de piano que morava no Ipiranga. Gravei essa música em meu disco ‘Uma canção pelo Ar’ [2003]”.

Cida Moreira e o piano que ganhou de seu pai no aniversário de seis anos (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Entre as músicas do show – todas brasileiras, de várias épocas e em homenagem à São Paulo -, a artista passa informações importantes para o público. “Gosto muito de contar histórias sobre coisas que as pessoas não sabem. Por exemplo, falo sobre ‘Viola Quebrada’, que é a única música que o Mário de Andrade fez, e que Villa Lobos harmonizou. As pessoas não sabem isso.”

Cida Moreira canta como uma atriz. Mas como ela escolhe suas músicas? “Pela palavra. Não é pela melodia. Meu repertório escolho pela palavra, pelo que ela contém. A literatura é minha loucura na vida. A música começa a fazer sentido para mim, quando a palavra me pega. Isso precisa bater em mim. Se não bater não vou cantar bem. Primeiro a palavra, depois vem a música. Tem música bonita que a letra não gosto. Essas não canto.”

Segundo a artista, todas as músicas do show “bateram em mim, algumas desde criança, como ‘Lampião de Gás’, que faz parte de minha formação como pessoa e consequentemente como artista”.

Cida Moreira em sua casa durante entrevista ao Música em Letras (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

A MPB HOJE 

Para Cida Moreira, a situação da MPB atualmente é um mistério. “Dentro deste mistério penso haver dois desdobramentos muito importantes. Tem a música que é feita para ser veiculada comercialmente, para ser vendida, que eu não tenho nada contra, apesar de não rezar por esse cânone. E tem a intocável, toda a música popular brasileira legítima, historicamente extraordinária e que continua sendo composta por pessoas extraordinárias, no Brasil inteiro, mas sem o espaço comercial. Essa é a atual situação da MPB.”

Graduada em piano, Cida Moreira atua como professora há mais de 30 anos, sempre em casa, para um seleto grupo de 20 alunos. “Todos escolhidos a dedo. É uma coisa que eu gosto muito. Tenho alunos cantores, atores, dubladores e locutores profissionais. Pessoas que precisam trabalhar a voz.”

É como professora que Cida Moreira tem vivido, segundo ela, experiências muito desanimadoras.  “Dou aulas de música para pessoas ligadas à música e já tive aluno, que não sabia quem era Tom Jobim. Estive agora fazendo show para uma plateia de 280 pessoas, em Curitiba; cantei uma música do Chico [Buarque], ‘Querido Diário’, que é de um disco anterior ao ‘Caravanas’ [“Na Carreira”, 2012] e ninguém havia ouvido uma única vez essa música. Há uma coisa interessante com o Chico, né? As pessoas não ouvem mais os discos dele. Elas vão aos shows , mas querem ouvir as músicas antigas.”

Assista, a seguir, ao vídeo gravado com exclusividades para o Música em Letras,  no qual Cida Moreira canta e toca –  no piano Schwartzmann, que ganhou de aniversário de seu pai quando fez seis anos – músicas que estão no repertório do show que homenageia a capital paulista.

SHOW

UMA CANÇÃO PELO AR
ARTISTA Cida Moreira
QUANDO Quarta-feira (23), às 21h
ONDE Teatro Cacilda Becker, r. Tito 295, Lapa, São Paulo, tel.(11) 3864 4513
QUANTO De R$ 15 a R$ 30