O slogan e o hino

Na noite da última sexta-feira (4), o slogan “Pátria Amada Brasil” e a logomarca – uma bandeira do país estilizada, que remete ao nascer do sol – do novo governo presidido por Jair Bolsonaro foram anunciados via redes sociais.

Reafirmando o discurso nacionalista usado durante sua campanha, o presidente eleito usa o último verso do Hino Nacional brasileiro como marca da recém-iniciada administração.

Símbolos patrióticos oficiais, os hinos nacionais surgiram no final do século 18 para despertar o sentimento de identidade nacional. Tanto faz se é uma marcha simples, que sua letra seja trivial, rebuscada, cheia de metáforas, pretensiosa, ou escrita no estilo parnasiano, como é o caso do hino brasileiro. Escolha esta que deixou a letra repleta de inversões sintáticas e palavras que tornam o conteúdo e a mensagem, por vezes, incompreensíveis. Mesmo assim, sem se compreender direito o que se canta, ou melhor, o que diz a letra, em ocasiões como a Copa do Mundo ou  Olimpíadas muitos entoam o hino com orgulho e respeito à nação que há dentro de nós.

No entanto, fosse o slogan do governo federal transcrito rigorosamente do Hino Nacional – que tem letra e a partitura originais registradas na Biblioteca Nacional – e obedecesse à gramática, ele deveria conter uma vírgula antes do nome do país. Pelo teor da peça publicitária, o país ainda corre o risco de passar de nacionalista a ufanista. O problema é que o mesmo nacionalismo que pretende valorizar o Brasil, sua cultura, sua diversidade e o seu povo pode levar a nação a um tipo de ufanismo exacerbado e subtrair, como foi feito com a vírgula no slogan, o bom senso.

Promover orgulho excessivo pela terra onde o cidadão nasceu pode levá-lo, equivocadamente, a pensar ser superior a outros. Presumir isso gera, entre outras ruínas, por exemplo, a realização de atos de discriminação contra não brasileiros, ou seja, contra estrangeiros – que sabe-se lá por que não tiveram a felicidade de nascer aqui – e, só por essa razão, não representam nossos interesses, ideais e, portanto, os execramos.

Por isso, todo cuidado é pouco. Por exemplo, ter escrito que o resto do mundo não teve a “felicidade de nascer aqui” pode induzir você a pensar que todos os brasileiros são felizes só porque nasceram aqui, e quem não nasceu não é. É a partir desse momento que se estabelecem equívocos, por vezes, irreparáveis.

UFANISMO NA MPB

Agora, tome, por exemplo, o início do anos 1970, quando o Brasil vivenciou na economia o “milagre brasileiro”, momento que impulsionou o governo militar a usar como propaganda oficial slogans como “Este é um país que vai pra frente”, “Ninguém segura este país”, além de um dos melhores exemplos de slogans que disseminam o ufanismo de maneira intimidadora, autoritária, arrogante e excludente: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Em termos de som, a eclosão de baboseiras grudentas – que estavam mais para jingles do que para música popular brasileira de qualidade – era veiculada em todas as rádios e TVs do país. Entre os “chicletes”, que exaltavam poética e musicalmente a nação, figuravam “Eu te Amo, Meu Brasil”, dos cearenses Dom (1944-2000) e Ravel (1947- 2011); e, em 1976, “Este É um País que Vai pra Frente”, do publicitário, artista plástico e compositor Heitor Carillo (1924-2003), autor de jingles excelentes como “Nescau tem gosto de festa”, “Quem bebe Grapette, repete”, “Tudo anda bem com Bardall” e “Quem bate? É o frio” (Casas Pernambucanas), entre outros.

Como os jingles, a canção ufanista de Carillo “Este É um País que Vai pra Frente”, gravada pelo grupo Os Incríveis no compacto duplo “Trabalho em Paz” (1976), da gravadora RCA, e que trazia na capa a inscrição “Disco especial da Presidência da República”, também cumpriu a função de peça publicitária, ou seja, vendeu muito bem o produto, um milhão de cópias.

Contudo, isso não trouxe muita sorte aos rapazes da banda.  Segundo Netinho, baterista de Os Incríveis, entrevistado pelo blog: “A mídia ferrou a gente”.  De acordo com o músico, após a gravação virar um sucesso, a mídia criou para o grupo o estigma de serem “de direita” e isso permaneceu durante muito tempo. Leia mais em https://musicaemletras.blogfolha.uol.com.br/2015/08/24/baterista-de-os-incriveis-bota-a-boca-no-trombone-e-lanca-dvd-parte-2/

O compositor Dom foi recebido pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), que revelou ser fã da marcha. Outro que se encantou com a música da dupla foi Abreu Sodré (1917–1999), governador de São Paulo entre 1967 e  1971. Sodré propôs que “Eu Te Amo Meu Brasil”, cantada nas escolas e em solenidades públicas, fosse adotada como uma versão popular do Hino Nacional.

Segundo o livro “Quem foi que inventou o Brasil- a Música Popular Conta a História da República, vol. II – de 1964 e 1985”, do jornalista Franklin Martins,“a canção não chegaria a ser diretamente política se não fosse pelo estribilho final ‘Ninguém segura a juventude do Brasil’, uma óbvia versão para ouvidos mais jovens do slogan ‘Ninguém segura este país’”.

Em resumo, a música de Dom e Ravel contém parte de um slogan do governo militar, caminho inverso ao surgimento do slogan atual do governo federal, que nasceu da letra do Hino Nacional. Independentemente da gênese da música de Dom e Ravel e do novo slogan do governo federal, os dois têm o mesmo conteúdo e a intenção de exaltar o amor à pátria.

O HINO

Ideologias, sistemas de governo e movimentos políticos à parte, passemos às curiosidades do Hino Nacional brasileiro, criado mais de 300 anos depois de o país ter sido ocupado pelos portugueses.

A música é de 1831 e foi composta por Francisco Manuel da Silva (1795-1865), na ocasião em que Pedro I abdicou do governo brasileiro em favor de seu filho, que se tornou Pedro II, no dia 7 de abril de 1831, tendo sua primeira execução pública acontecido uma semana depois, no Teatro São Pedro, no Rio de Janeiro.

Francisco Manuel da Silva dedicou a música, “ao grande e heroico dia 7 de Abril de 1831”, como “hino oferecido aos brasileiros por um seu patrício nato”. Por essa razão, a composição ficou conhecida como “Hino ao 7 de Abril”, sendo executada naquela data em 1832 e 1833, ano em que o hino ganhou letra escrita – e publicada no jornal “Sete de Abril” – por Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva (1786–1852), desembargador na ocasião e pioneiro da literatura piauiense.

Com a coroação de Pedro II, em 1841, o hino ganhou letra distinta e de autoria desconhecida. Até ser proclamada a República, em 1889, o hino ficou sem letra oficial e era executado apenas instrumentalmente nas solenidades militares e civis.

Em 1890, o artigo primeiro do Decreto Nº 171 do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil (sic) declara ser a composição de Francisco Manuel da Silva o Hino Nacional do país. No entanto, a letra escrita por Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927) em 1909 só foi aprovada pelo Congresso no dia 22 de agosto de 1922, através do Decreto Legislativo nº 5.529. O Executivo foi então autorizado a adquirir a propriedade plena e definitiva da letra por “no máximo, cinco contos de réis”.

A primeira gravação em disco aconteceu em 1917. Acompanhada pela Banda do Batalhão Naval, a voz do cantor Vicente Celestino (1894-1968) foi a primeira a registrar em áudio o Hino Nacional.

No dia 6 de setembro de 1922, o presidente Epitácio Pessoa (1865-1942), por meio do Decreto n° 15.671, declarou a composição de Osório Duque Estrada como a letra oficial do Hino Nacional, formada por 50 versos, divididos em duas partes simétricas, no ritmo e na métrica.

Depois de uma comissão criada em 1937 para estudar e rever letra e música do Hino Nacional, em 1942 foram estabelecidas normas para sua execução em instrumentações de bandas e orquestras, integrando o ritmo de marcha batida e a tonalidade (si bemol).

Há também regras de etiqueta de como se comportar quando da execução do hino. Elas estão descritas, entre outros, no capítulo V da Lei nº 5.700 (01/09/1971), a Lei dos Símbolos Nacionais do Brasil. Nela afirma-se que, durante a execução do Hino Nacional, todos devem ter atitude de respeito, de pé e em silêncio. Pode-se deixar os braços soltos, ao lado do corpo ou levar a mão direita ao tórax demonstrando sentimento patriótico, o que não é obrigatório. Militares obedecem regras diferenciadas e mais rígidas estabelecidas por suas corporações.

Também durante a execução do hino é vedada qualquer outra forma de saudação, que pode ser gestual ou vocal, como aplausos, gritos de palavras de ordem ou quaisquer manifestações ostensivas do gênero, desrespeitosas ou não. Segundo a seção II da lei 5.700, execuções instrumentais devem ser tocadas sem repetição, e execuções vocais devem sempre apresentar as duas partes do poema cantadas em uníssono, na tonalidade de fá maior.

Sendo assim, em caso de execução instrumental, não se deve acompanhar a execução cantando, deve-se manter silêncio. Em caso de cerimônia em que se tenha que executar um hino nacional estrangeiro, este deve, por cortesia, preceder o Hino Nacional brasileiro.

Caracteriza sinal de desrespeito ao símbolo nacional interpretar o hino fora do padrão estabelecido em lei, mas tolera-se que artistas expressem sua criatividade em relação à obra, contanto que o façam de maneira respeitosa.