Casa onde morou Tom Jobim, em Ipanema, poderá ser demolida

Ricardo Borges/Folhapress
Carlos Bozzo Junior

O maestro soberano Tom Jobim (1927-1994) morou entre os anos de 1962 e 1965, período em que compôs, entre outras músicas, “Garota de Ipanema”, em uma casa que poderá ser  demolida em 2019. A casa fica na rua Barão da Torre, 107, no bairro de Ipanema, no Rio,  onde atualmente funciona o hostel Bonita.

O Música em Letras conversou nesta quinta-feira (6) com a carioca Carol Fernandes, 37, uma das proprietárias do hostel Bonita, que funciona no imóvel há 10 anos, e foi informado de que a casa foi vendida para uma construtora, em outubro deste ano.

Com 29 quartos, o imóvel tem atualmente a capacidade de acomodar 100 pessoas, em diferentes configurações de quartos, muitos já reservados para o carnaval de 2019. “Em setembro deste ano, fomos notificados de que tínhamos o prazo de 30 dias para a preferência de compra, no valor de R$ 6,5 milhões, porque os proprietários [herdeiros da família de Tom Jobim] tinham interesse em vender a casa. São muitos herdeiros, alguns queriam vender e outros não, mas acabaram chegando a um acordo e venderam a casa no dia 10 de outubro para a construtora R3K Empreendimentos Imobiliários. Eu soube que eles já tinham o alvará de demolição do imóvel”, disse Fernandes que, a partir desse momento, iniciou um movimento para que a população soubesse do fato no intuito de que a casa não seja demolida.

Carol Fernandes no dia da inauguração da estátua em homenagem a Tom Jobim, em 2017 (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Segundo Fernandes, o aluguel mensal do imóvel é de R$ 45 mil e o contrato de locação comercial ainda está vigente. “Fomos notificados sobre a opção de compra no dia 5 de setembro, mas o prazo venceu no dia 5 de outubro. Nosso contrato de locação venceria agora, em dezembro, mas ele tem renovação automática. Não sabemos ainda o prazo para desocupar o imóvel, mas temos reservas até o carnaval de 2019, então não sei como iremos negociar isso ainda.”

De acordo com Fernandes, a construtora quer construir um prédio no local da casa. “Eles querem construir o quanto antes. E eu estou tentando fazer com que a população, a prefeitura, ou quem quer que seja, entenda a gravidade disso. Colocar um prédio em um lugar de uma casa tão bonita, tão antiga e com tanta história é muito triste.  Ali é uma área em que há uma exigência arquitetônica específica, pois só podem ser construídos prédios pequenos. Para a população do lugar vai ser péssimo, tem uma vila do lado da casa e uma parte do prédio terá de ficar dentro dela. Não entendo como isso pode ser possível.”

Fernandes prepara uma carta endereçada ao órgão do patrimônio cultural do Rio de Janeiro e está colhendo assinaturas para impedir a destruição do imóvel. “Muita gente está enviando mensagens em solidariedade. O Roberto Menescal, por exemplo, deu uma entrevista contando a história dele nessa casa e falando que é totalmente contra a demolição. Vários músicos também são contra. A própria família do Tom, no entanto, não compartilha da ideia . O Paulo Jobim disse em uma entrevista que se todos os imóveis que o pai dele dormiu fossem preservados teria de se preservar meio mundo”, falou Fernandes alegando que os proprietário do hostel  não podem pedir o embargo da demolição por ter interesse comercial no imóvel. “Mas a população pode pedir à prefeitura que impeça a demolição, que acarretará a perda de um patrimônio cultural muito importante.”

O Música em Letras esteve no imóvel no dia 25 de janeiro de 2017, quando foi inaugurada, dentro da casa, uma estátua em homenagem ao maestro, que na ocasião estaria completando 90 anos.

Assista, a seguir, ao vídeo feito com exclusividade pelo blog, quando da inauguração da estátua de Tom Jobim.

O OUTRO LADO

Por meio de uma carta registrada em cartório, assinada por Paulo Jobim e Elizabeth Jobim, filhos de Antônio Carlos Jobim, e endereçada ao Música em Letras, a família do compositor desmentiu a afirmação feita por Carolina Fernandes, sócia da pousada Bonita, de que o lugar pertenceu a Tom Jobim e que ele teria composto a música “Garota de Ipanema” lá.

A família também escreveu na carta que “não apoia a iniciativa de pedido de tombamento que a pousada está liderando”.

Diante de tais informações, o Música em Letras conversou, por telefone, com Paulo Jobim, que esclareceu outros pontos da carta.

Leia, a seguir, o que foi dito pelo arquiteto e músico Paulo Jobim, justificando os pontos abordados na carta (em negrito).

– A casa nunca foi de Tom Jobim

“Essa casa era da minha avó materna; minha avó paterna a alugou e meu pai foi para lá, onde ficou por poucos anos.”

– A casa pertencia à família Hermanny e os 10 herdeiros decidiram vendê-la

“É isso. Hermanny é a família de minha mãe.”

– A venda já foi concretizada, pagamento feito e o consequente registro dos novos proprietários

“Sim, já foi concretizada a venda.”

– O contrato de aluguel da Pousada Bonita com os antigos proprietários vence em dezembro e não há renovação automática, sobretudo porque os Hermanny, assinantes do antigo contrato vencido, não são mais os proprietários

“Eu não sei os detalhes desse contrato. Eu achava que vencia este ano [2018].”

– “Garota de Ipanema” não foi composta nessa casa, conforme afirmam os filhos de Tom Jobim

“Eu não sei isso. Sei que eles [Tom Jobim e Vinícius de Moraes] fizeram no [bar] Veloso, com a moça passando, enquanto ele [Tom Jobim] morava na casa. O importante é a música. Esse troço é que não querem interromper o contrato e então estão fazendo essa onda toda e cobrando milhões do cara que comprou a casa para a pousada sair de lá.”

Você está dizendo que a proprietária da pousada está querendo cobrar para poder sair do imóvel?

“É, [cobrar] do cara que comprou. Isso foi ele que me disse. Quer dizer, e aí, toda essa onda de que o Tom Jobim vai desaparecer se desaparecer a casa…Tom Jobim são as músicas. Tem um instituto tomando conta [da imagem e obra] dele. Tem a casa que ele fez e morou, que é projeto meu e está tudo inteiro. E tem [o imóvel] da rua Nascimento e Silva, 107, que é a um quarteirão da [casa da] rua Barão da Torre, 107, que está tombado, pelo patrimônio.”

Perguntei se o atual proprietário revelou o valor pedido pela proprietária da pousada para sair do imóvel. Paulo Jobim respondeu: “É uma grana preta; o proprietário não falou, mas a mulher deve saber”.

– Paulo e Elizabeth Jobim também esclarecem que nunca houve qualquer contato da família com os sócios do albergue/pousada e que nunca foram procurados para tratar de nenhuma homenagem, nem da exploração comercial da imagem do pai pela pousada

“Não, nunca nos procuraram. A casa tinha quatro quartos. Agora parece que tem, sei lá, 20 quartos. Ela já foi desfigurada, pintada de vermelho, num negócio que não tem nada a ver com patrimônio, pois é preciso [para ser considerada patrimônio] que a casa tivesse as características da época.”

– Tom Jobim residiu naquela casa por um curto espaço de tempo (3 anos), sendo que no mesmo período passou longo tempo nos Estados Unidos, conforme esclarecem os filhos

“Isso foi quando começaram as viagens para ele. Ele passava quase um ano nos Estados Unidos. Ele estava fazendo letras em inglês, gravando discos e trabalhando. Então, não foi uma época que ele tenha ficado muito tempo nessa casa. Eu fiquei lá com minha avó, morava com ela e minha irmã. Sei que em 1965, fomos para uma outra casa toda bacana que meu pai comprou. Foi aí que ele trouxe o piano de cauda e fez muita música lá.”

Perguntado sobre qual lembrança tinha da casa da Barão da Torre, o músico respondeu: “Lembro que tinha minha prima e as amigas dela que jogavam vôlei. Jogávamos sem parar em um campo que tinha atrás da casa, mas hoje não existe mais porque no local foram construídos quartos para a pousada.”

– A família reconhece apenas o apartamento na Nascimento Silva e o Instituto Antonio Carlos Jobim, no Jardim Botânico, como espaços de preservação da memória do Tom Jobim.

“É isso. Porque essa campanha toda não diz que vai fazer nada com a casa. Vai ser mais uma casa abandonada, que o cara [o proprietário] não pode mexer. Se é para homenagear, já existe um lugar concreto, no instituto, dentro do Jardim Botânico, que é lindo. E a coisa toda são as músicas; não é o chão da casa da Barão da Torre que vai mudar a bossa nova.”

Paulo Jobim finalizou a conversa, dizendo que o importante é que que se preze a música; não um negócio de uma casa. “Na verdade, isso é um negócio. O cara comprou a casa, a pousada não quer, então diz que essa casa é inderrubável, sagrada, mas eles nunca fizeram nada de sagrado ali. Eles mudaram a casa toda, pintaram de vermelho e isso não tem nada a ver com patrimônio e tombamento.”