Sons estranhos e bizarros ecoarão no subterrâneo da cidade

De 8 de dezembro a 30 de janeiro, sons estranhos e bizarros devem preencher o espaço da Passagem Literária da Consolação, que fica abaixo da avenida homônima, próxima à avenida Paulista, em São Paulo.

Pelas duas entradas que levam ao subterrâneo – uma ao lado das salas de cinema Caixa Belas Artes, e a outra próxima do restaurante Riviera-, você terá acesso gratuito à segunda edição do Panorama da Luteria Experimental SP, que promove concertos e uma exposição de instrumentos no mínimo inusitados.

O Música em Letras esteve na Marcenaria do Ruben, na Vila Anglo Brasileira, em São Paulo, com cinco dos 17 artistas “fazedores de instrumentos” que estarão no evento, expondo e tocando suas traquitanas, realizando um som nada convencional (veja vídeo no final do texto).

A produção desses objetos acústicos, eletroacústicos, eletrônicos, digitais e mistos envolve os mais variados tipos de experimentos e materiais. A criatividade corre solta para se atingir o objetivo final de inserir o objeto (instrumento) inventado em uma produção sonora ou musical.

É amplo o território de uso desses objetos nas artes. Para música de cena, por exemplo, há instrumentos criados e inseridos no cenário do teatro. Para a dança, instrumentos acoplados ao corpo. Sonorização ao vivo e vídeo instalações contemplam o cinema e vídeo. E, para as artes visuais, há diversas instalações sonoras, esculturas e plásticas sonoras.

A segunda edição do evento pretende, além de dar um panorama da produção experimental  desses objetos por meio da exposição e das 17 performances, gravar um álbum e publicar, em 2019, um livro com todos os participantes, um pouco de suas histórias e instrumentos criados.

Na exposição de instrumentos musicais e plásticas sonoras participam os artistas: Marco Scarassatti, Ruben Pagani, Eduardo Nespoli, Thiago Salas, Brechó de Hostilidades Sonoras, Adriano Castelo Branco, Loop B, Barulho Max, André Damião, Rodrigo Olivério, Marcos Freitas, Gregory Slivar, Cadós Sanchez Bandeira, Fernando Sardo, Alexandre Porres e Paulo Nenflídio.

Cadós Sanchez e seu instrumento (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

O paulistano Cadós Sanchez Bandeira, 36, participará com um de seus muitos instrumentos, ainda sem nome, composto por molas, pequenas caixas de ressonância, motores com regulador de velocidade, vários tipos de hélices, tampinhas plásticas de garrafas e “todo tipo de material que eu encontro”, disse. É ele quem alerta as pessoas a respeito do inusitado evento: “ Quem for ao evento vai  encontrar muitos instrumentos que não estão acostumados a ver, além de sons que não fazem parte do universo musical apresentado em   rádios e TVs.”

Marcelo Muniz e seu objeto sonoro (Carlos Bozzo Junior/ Folhapress)

Marcelo Muniz, 46, considera-se um “músico vira-lata e doutor em neurociência”. Segundo ele, que representa com Natacha Maure o duo Brechó de Hostilidades Sonoras, o set de instrumentos que irão expor e tocar “ainda é um segredo, mas teremos peças que envolvem eletrônica, analógicas e materiais de baixo custo, além de muito ódio no coração”, falou rindo o criador do instrumento “carro amarelo”, que é acoplado a um oscilador, “que explora a resistência dos materiais e, de acordo com ela, gera frequências diferentes”.

André Damião e seu instrumento, o Narva 2 (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

André Damião, 31, paulistano, é professor de música formado em composição pela USP (Universidade de São Paulo) com mestrado e doutorado em sonologia, termo usado para descrever o estudo do som em várias disciplinas. O artista irá mostrar de sua série Narva, o “instrumento” Narva 2, para fazer, segundo ele, “uma genealogia dos objetos obsolescentes [objetos em processo de se tornarem obsoletos], principalmente pensando em dispositivos móveis”. O Narva 2 foi feito com uma televisão portátil dos anos 1980, que o artista encontrou no lixo. “A ideia não é pensar em reciclagem ou reaproveitamento, mas  também refletir sobre os dispositivos comerciais, pensando como essas mídias são aproveitadas no capitalismo. É uma forma de crítica da mercadoria, pensando os objetos para além do que eles foram programados, reprogramando-os e através disso fazer uma espécie de crítica aos objetos comerciais de música. Afinal, qual é o tipo de música que se faz com esses objetos?”, falou salientando que a ideia maior do evento está em expor quais são as relações dos sons com os materiais que estão sendo utilizados.

Adriano Castelo Branco e seu set de instrumentos (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Para Adriano Castelo Branco,38, paulistano, com formação acadêmica incompleta em música e em artes visuais, há um espaço reservado na exposição para sua série de “criaturas instrumentosas analógicas”, que são esculturas agregadas a diversos dispositivos de cordas, percussão e sopro. “A técnica de construção desses instrumentos inclui objetos do cotidiano, de descarte e de reúso, arranjados dentro de uma estética de escultura onde dentes, bocas e olhos fazem sons, por exemplo. Meus instrumentos são contextualizados na forma, se há uma asa ela tem de produzir som. Costumo dizer que o que faço é um híbrido entre teatro, música e artes visuais”, falou o artista que ainda tem uma série chamada Camaleófonos , na qual sem descaracterizar visualmente os objetos, como um cachimbo e uma bomba dedetizadora por exemplo,  insere neles sons.

O lutier Ruben Pagani e seus instrumentos (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

O veterano e uruguaio Ruben Pagani, 68, é proprietário, há mais de 30 anos, da Marcenaria do Ruben, uma espécie de centro de cultura, onde o artista – também marceneiro de mão cheia – constrói, além de móveis convencionais, brinquedos, instrumentos musicais e cenografias. Do artista poderá ser visto e ouvido um contrabaixo feito de couro e a Torre de Babel, instrumento que reúne, em um tubo de ferro, seis cordas de piano, quatro de contrabaixo e duas forradas em couro. “Por isso tem o nome de Torre de Babel, pelas diferentes cordas que representam diferentes línguas e diferentes sons”. Para Rubão, como é conhecido o artista, quem for ao evento deve estar atento: “As pessoas devem se liberar do preconceito. Devem abrir bem os olhos, ouvidos e serem curiosas para conhecerem o que se faz fora da música convencional. Mas podem ser bem críticos também e falarem que é tudo uma porcaria”, falou rindo.

O evento é realizado com recursos próprios e talvez no ano que vem mude o local da exposição e das performances. “Ainda estamos sem patrocinadores, mas estamos negociando com uma unidade do Sesc de nos apresentarmos lá”, disse Cadós Sanchez sem revelar qual unidade está interessada no panorama.

Mais informações e programação completa da exposição e concertos na página do Facebook https://www.facebook.com/events/393451374734444/

Assista, a seguir, ao vídeo no qual os artistas mostram, com exclusividade para o Música em Letras, um pouco de suas criações.

2° PANORAMA DA LUTERIA EXPERIMENTAL SP
QUANDO De 8 de dezembro a 30 de janeiro
ONDE Passagem Literária da Consolação, embaixo da av. Consolação, com entradas próximas a estação Paulista do Metrô, São Paulo.
QUANTO Gratuito