Onde está João Gilberto?
O Música em Letras esteve em Juazeiro, na Bahia, cobrindo o 5° Festival Internacional da Sanfona, de 14 a 18 de outubro, e colheu de alguns conterrâneos, conhecidos e simpatizantes de João Gilberto várias suposições de onde estaria o músico. João Gilberto é uma das figuras mais notórias, além de Ivete Sangalo, nascidas na cidade que fica à beira do rio São Francisco, na Bahia, em frente a Petrolina, Pernambuco.
Ouviu-se de tudo um pouco: “João está em uma cadeiras de rodas”; “João é como nota de 100 reais, existe mas ninguém sabe onde”; “Ele foi para fora do país”; “Rapaz, dizem que ele mora em Maniçoba, distrito de Juazeiro” e “Oxente, ele mora é no Rio de Janeiro mesmo”.
Entre outras, ouvi que o artista e compositor de “O Pato” foi de madrugada fumar maconha com um amigo na beira do Velho Chico e que “brizando” tentou visitar o centro batizado com seu nome, o Centro Cultural João Gilberto. Por ser tarde da noite, o vigia do local o impediu. Na manhã seguinte, foram checar as imagens no circuito interno de segurança e constataram ser João e seu amigo que estiveram lá.
Uma companheira jornalista comprou a história e “deu” como “news”, mas é “fake”, pois não há e nunca houve imagens, vigia, data, hora ou quem confirme o fato. Tipo, a mina comeu carneiro por bode – prato que, por sinal, é muito comum na cidade que também oferece abarás e acarajés sensacionais pela orla. Aliás, este é o local, segundo me disseram, preferido de João para fumar baseado. Diferentemente da equivocada colega de profissão, não comprei nem essa e nem a outra falsa informação.
Mas, afinal, onde está João? João está na música. João está no consciente coletivo de maneira exclusiva, individualizada. João está invisível, aprendeu com as Iaras que povoam as margens do rio onde nasceu. João está no berro diferente do espetinho de bode, que soa como carneiro. João está “abronzealheado” na estátua exposta ao lado do Vaporzinho, na Orla II, cujo título é “Um banquinho, um violão”, obra do escultor mineiro Léo Santana, também autor da famosa escultura de Drummond, chumbada na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. João está na vontade de sabermos onde e como está João.
“Tu quer falar com a parentada dele?”, perguntou-me um amigo que há muito mora em Juazeiro e conheceu o artista ainda como o “filho de dona Patu”. Contudo, o próprio amigo acabou me demovendo da ação, dizendo: “Se bem que eles [os parentes de João Gilberto] não veem, falam, ou encontram com ele há muito mais de 10 anos…”.
Porém, outro mito relacionado ao celebre de filho de Juazeiro há muito me persegue. Quando eu tinha por volta de 16 anos, em São Paulo, estagiei no estúdio Nossoestúdio e gravadora Som da Gente – dedicada à música instrumental brasileira -, na rua Bocaina, no bairro das Perdizes. Enrolei, limpei e organizei cabos, além de distribuir partituras para naipes e pegar muitas vezes o metrônomo e cronômetro para o compositor e violonista baiano Walter Santos (1939-2008), pai da cantora Luciana Souza, e um dos proprietários do estúdio. Assisti muita gente boa tocando, escrevendo, gravando, mixando e fomentando a música com peças de qualidade. Sim, jingles naquela ocasião tinham harmonia e melodia, além de uma letra que deveria chicletar “ad aeternum” na sua mente. Um dos caras que fazia essa harmonia rolar como deve ser, ou seja, com uns superacordes certos, bonitos e suingando para cacete, era Walter Santos, que morreu aos 77 anos, sendo um dos nomes-chave da bossa nova, mas que nem por isso fora fortemente reconhecido ou tivera o merecimento de, quando vivo, fazer com que as pessoas indagassem por onde ele andava.
Tímido, inteligente, musical ao extremo e sempre na dele, Walter foi integrante, nos anos 1940, do grupo Original Vocal, antes de participar do que é considerado o compasso inicial da bossa nova, o LP, “Canção do Amor Demais”, da cantora Elizeth Cardoso (1920 -1990). O disco, gravado em abril de 1958, nos estúdios Columbia, no Rio de Janeiro, foi lançado em maio de 1958, pelo selo Festa, com composições de Vinicius de Moraes (1913-1980) e Antônio Carlos Jobim (1927 -1994) e contou com a presença, entre outros, de Walter Santos fazendo coro e tocando violão, além do próprio João Gilberto também tocando violão em duas faixas: “Outra Vez” e “Chega de Saudade”.
Esse é o primeiro disco onde a famosa batida de João Gilberto aparece. Mas sempre rolou à boca miúda que quem a criou e ensinou João a tocar daquela maneira foi Walter Santos. Em 1946, Walter fundou em Juazeiro, com João Gilberto e outros músicos, o conjunto vocal Enamorados do Ritmo. Sabendo disso, além da proximidade de ambos e do fato de os dois terem morado juntos no Rio de Janeiro, perguntei para Walter, quando estagiava com ele: “Walter, é verdade que foi você quem inventou a batida da bossa nova e ensinou ela ao João Gilberto?”. A resposta? “Sei, não…”, falou desconfiado e rindo timidamente de canto de boca o mestre dos mestres ao ainda pseudorepórter e adolescente, mas já ávido pela informação correta que até hoje permanece perpetuada nas reticências da resposta.
O “outro lado”, regra básica do jornalismo praticado com excelência, nunca foi ouvido. E unicamente por essa razão gostaria muito de encontrar João. Mas onde está João? “Sei, não…”