‘Todas as Canções de Amor’ ensina a ouvir
Na última quarta-feira (25), no final do expediente, recebi um convite para ir à pré-estreia do filme “Todas as Canções de Amor”, que entra em cartaz dia 8 de novembro nos cinemas. Exaurido por um dia estressante de trabalho, reuni forças e fui ao evento sem nenhuma pretensão, exceto a de me entreter, mas qual o quê. Aconteceu muito mais do que isso. Assisti, chapei, senti, ouvi, chorei, refleti e resolvi escrever o que você está lendo aqui no Música em Letras.
O filme, um dos selecionados para a 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foi dirigido por Joana Mariani, aborda a questão das relações amorosas, seus começos e separações, por meio de músicas. Entre elas, “Acontece”, de Cartola (1908-1980); “Baby”, de Caetano Veloso; “Menino Bonito”, de Rita Lee; e “Esotérico” e “Drão”, de Gilberto Gil.
Os personagens Chico (Bruno Gagliasso) e Ana (Marina Ruy Barbosa), iniciando uma vida em comum, mudam-se para um apartamento no centro de São Paulo (mas não é qualquer apartamento, já já explico) e encontram um antigo aparelho 3 em 1 (toca discos, fita K7, rádio). Dentro da dinossáurica aparelhagem, há uma fita, gravada anos antes pela antiga moradora, a personagem Clarisse (Luiza Mariani), para seu par Daniel (Júlio Andrade), durante o processo de separação do casal.
Na capa da caixa da fita encontrada por Ana está escrito “Todas as Canções de Amor” e isso faz com que a personagem reflita sobre o porquê desse nome, uma vez que todas as músicas ali gravadas versam sobre finais de relacionamentos. A partir daí, tem início as histórias de cada um desses dois casais, separados pelo tempo, mas unidos pelo espaço (o apê, juro que já já falo sobre ele) e por belas e conhecidas canções populares.
Imersas em total naturalismo, as interpretações dos quatro atores convencem fácil quem os assiste a se deixar levar pelas emoções de cada cena. Cenas essas que, por vezes, nos trazem o choro, riso, vontade de dançar, de cantar e de aprender a ouvir. Sim, aprender a ouvir, o que o personagem Daniel, mesmo sendo músico, não sabe. “Quem sabe ouvindo música, ao invés de ouvir a minha voz, você entende o que eu tô querendo falar”, diz Clarisse para Daniel sobre a fita que gravou para ele, na qual expressava seus mais profundos sentimentos com relação à separação que estavam enfrentando.
Além de aprender que temos de saber ouvir para “lermos” melhor o que a vida nos apresenta, no filme fica claro como o homem, diante de uma mulher, pode ser escroto, babaca, injusto, contundente, indelicado e sem noção ao abordar assuntos como amor, maternidade, trabalho e ajuda. Sim, homens pensam equivocadamente e são imbuídos de uma soberba contumaz de que devem sempre “ajudar” ( leia-se encher o saco) seus pares femininos, mesmo sem serem solicitados.
Outras idiossincrasias dos pares são demonstradas de maneira forte – sem deixar de ser poética – nas cenas dentro e fora do apê (no próximo parágrafo, prometo) que identificam a cidade, passando pelo vale do Anhangabaú e viaduto Santa Ifigênia.
Enfim, o apê, que no filme ganha papel de personagem. Oscar Niemeyer (1907- 2012) desenhou, entre 1950 e 1953, entre outros projetos para São Paulo, os edifícios Copan, edifício Triângulo, e o Eiffel. Este último, localizado na Praça da República, foi o primeiro prédio de apartamentos do afamado arquiteto com unidades para famílias de alta renda. É supostamente em um dos 54 apartamentos dos 23 andares do Eiffel que as histórias dos casais acontecem. Todas as unidades – dúplex, tríplex e quadrúplex, pé-direito de 3,15 metros e paredes com 30 centímetros de espessura – têm vista para a praça da República. E é aí, na vista da janela, que o bicho pega. Quanto mais o gênio do homem se eleva, mais suas vistas se estendem.
Assistindo ao filme, você terá a sensação real de estar dentro das dependências do apartamento. Quando a câmera é subjetiva, simulando o olhar dos personagens pela janela do imóvel, em direção à serra da Cantareira, vê-se parte do skyline de São Paulo, com a fênix Andraus (edifício que foi palco de um incêndio de grandes proporções em 1972), além das copas das árvores do jardim da praça da República e até helicópteros passando ao largo. No entanto, é pura ilusão, pois essas cenas foram rodadas em um estúdio, com um led gigante (como se fosse uma grande televisão) reproduzindo a paisagem. Um espetáculo à parte que confere total realismo às cenas, além de emocionar qualquer paulistano.
“Todas as Canções de Amor”, o filme, usando a música como meio e mensagem, oferece um tocante testemunho de que nunca podemos perder de vista a inevitável, infalível, irremissível, inexorável lei da impermanência. Seja para o amor, ou para qualquer paisagem, até a da mais concreta das cidades.
TODAS AS CANÇÕES DE AMOR , 2018
DIREÇÃO Joana Mariani
ELENCO Marina Ruy Barbosa, Bruno Gagliasso, Júlio Andrade e Luiza Mariani
QUANDO A partir de 8 de novembro
AVALIAÇÃO Ótimo