Caixa Cubo Trio faz show com som que agrada a Europa
O Caixa Cubo Trio, formado pelos músicos paulistanos Noa Stroeter (contrabaixo), João Fideles (bateria) e Henrique Gomide (piano), faz show no próximo domingo (16), às 20h, no Tupi or not Tupi, em São Paulo.
O Música em Letras esteve com o trio e gravou, com exclusividade para o blog, “Frevo”, de Egberto Gismonti, e “Vamos Acabar com o Baile”, de Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (1915-1955), músicas que apresentam no show, abarcando o repertório dos dois primeiros discos do grupo e de um ainda a ser lançado (veja vídeo no final do texto).
GÊNESE
O trio foi montado na Holanda, onde o baixista Noa Stroeter, 31, “caiu de paraquedas”, indo atrás de uma namorada quando tinha 20 anos. O músico abandonou o curso de Letras da PUC (Pontifícia Universidade Católica), em São Paulo, após um mês de aulas por já estar trabalhando com música. “Nessa época, fazia umas aulas de baixo clássico, harmonia e estudava com meu pai também”, disse o músico, filho de outro artista da arte de amealhar os sons, Rodolfo Stroeter, também contrabaixista.
A namorada de Noa, “da época do colegial”, foi para a Europa e depois de dois meses ele foi encontrá-la, abandonando o trabalho que realizava em São Paulo acompanhando uma cantora cubana. Foi para rever o “amor de colegial” e ficar três meses, mas permaneceu um ano. Entre os trabalhos por lá, entregava jornal e tocava baixo. “Comprei um baixo e tocava em bares o que pintasse, de rock a…tudo.”
A namorada decidiu estudar dança em Haia, na Holanda. Noa não queria, pois pretendia voltar para o Brasil, mas compareceu às audições, marcadas pela amada, no Conservatório Real de Haia (Koninklijk Conservatorium Den Haag) e acabou conseguindo uma bolsa. A namorada não passou nos exames, mas ele permaneceu por seis anos estudando no Conservatório, uma das instituições musicais mais importantes do país, fundada em 1826. Na afamada instituição, o músico brasileiro obteve, depois de quatro anos, o título de bacharelado, e após mais dois anos, o de mestrado em contrabaixo em jazz.
Entre o bacharelado e o mestrado, o músico veio passar o Natal em São Paulo, no ano de 2011, e encontrou Henrique Gomide, 30, o pianista do Caixa Cubo, grupo que já existia como um duo jazzístico, realizando bastante improvisação livre, tendo João Fidelis, 33, na bateria. “O Henrique foi assistir a um show meu, nos conhecemos e ele disse ter gostado do meu som. Convidou-me para gravar com ele e o João, daí nasceu o trio”, disse o músico que se tornou “brother pra caralho” desde a primeira gravação que fizeram juntos no estúdio do baixista Célio Barros.
João Fidelis e Henrique Gomide estavam terminando o curso de bacharelado em música na USP (Universidade de São Paulo) quando conheceram Noa, que os estimulou a irem para a Holanda para cursar o mestrado no mesmo Conservatório Real de Haia. Os dois toparam, se inscreveram, fizeram as audições e também foram admitidos com bolsas de estudos. “Eu morava num cubículo, os caras ficaram comigo umas duas semanas. Apelidamos o local de ‘Palestina’, com nós três amontoados”, falou o músico que a partir desse momento decidiu com os companheiros de “apertamento” investir no trio, saindo em uma pequena turnê por bares da Europa. A decisão foi correta, pois desde o início tiveram sucesso na empreitada.
A partir de 2012, e durante dois anos, o trio ensaiava todos os dias, além de atacar em um bar semanalmente tocando samba jazz. Por gostarem muito do som dos anos 1960, e de trios como o Sambraza, Sambalanço, Tamba Trio e Bossa Três, que faziam, segundo Noa, um “som pra fora”, resolveram revisitar o que fora produzido por esses grupos. “Pegamos o repertório desses trios, adaptamos e tocamos muito”, contou o músico que, junto com Fidelis e Gomide, partiram em turnês por países europeus em 2012, 2013, 2014, 2017 e neste ano, sempre com muito sucesso.
Segundo Noa, o trio construiu nessas apresentações um público fiel ao grupo. “Tocamos em festivais ótimos, como o Jazz à Vienne [importante festival de jazz em Viena], no Riverboat Jazz Festival, na Dinamarca, e em um monte de clubes de jazz na Alemanha. Na Europa tem espaço para o trio tocar porque somos uma galera jovem que se propõe a fazer uma música brasileira que ficou de certa forma apagada. No Brasil tem pouco espaço. A gente batalha pra caralho para tocarmos aqui, mas na Europa tem uma puta abertura para esse som.”
O SHOW E OS DISCOS
No show de domingo, os músicos do Caixa Cubo Trio pretendem tocar músicas do primeiro disco do trio, “Misturada” (2014), feito em homenagem aos compositores brasileiros preferidos deles. Entre os selecionados, Dorival Caymmi (1914-2008), com “Maricotinha”; Camargo Guarnieri (1907-1993), com “Ponteio # 45”; Laércio de Freitas, com “Pirambêra”; e Hermeto Pascoal, com “Coalhada”, além de composições próprias, como “Bolero Pra Zulma”, de Noa. “Maricotinha” tem um arranjo inédito escrito por Dori Caymmi, filho do autor da música. “Meu pai é próximo do Dori e falou que tínhamos de gravar a música com esse arranjo, que era inédito”, contou Noa, que também do primeiro disco interpreta com seus “brothers” a composição de Airto Moreira “Misturada”, gravada anteriormente pelo Quarteto Novo. Adaptando a versão do trio Sambraza, o Caixa Cubo Trio também toca no show a clássica “Arrastão”, de Edu Lobo.
O segundo disco do trio, “Enigma – A Música de Garoto” (2016), homenagem ao multi-instrumentista e compositor Garoto, teve como ponto como partida uma ideia do pianista Gomide, músico aficionado por choro e que teve sua pesquisa na Holanda direcionada a Garoto. Peças desse álbum também estão garantidas no show. “Montamos o repertório do disco enquanto tocávamos e estudávamos na Holanda. Essa é uma maneira nossa, jazzística, de tocar choro. Além do Garoto ter sido um músico fora da curva, um instrumentista absurdo, que tocava vários instrumentos. Ele compunha de uma forma muito moderna, com uma abertura harmônica e atmosférica para ser feita por um trio.” Entre as músicas do homenageado figuram “Vamos Acabar com o Baile”, além de um medley de “Enima/ Final dos Tempos” e “Lamentos do Morro”, uma das mais conhecidas do compositor.
Composições de um CD já gravado (mas ainda sem nome), e que deve ser lançado em 2019, também serão apresentadas pelo trio no show de domingo. Na turnê deste ano pela Europa, onde passaram pela França, Alemanha, Dinamarca e Noruega, o grupo mostrou um repertório baseado em composições de vários pianistas brasileiros. Entre os compositores, Egberto Gismonti, com “Frevo”; Hermeto Pascoal, com “Samba Novo”; e Hugo Fattoruso, com “Romance of Death” (Romance da Morte),
O show apresenta a pegada mais acústica dos dois discos. O trio tem ainda mais três álbuns – “Canil”, “Quartzo” e “Saturno” -, lançados também digitalmente, em uma onda mais eletrônica. “Estes discos trazem uma pegada de muita improvisação e experimentação maior do que nos dois discos acústicos. São levadas mais modernas, com misturas de timbres e um monte de sintetizadores”, falou Fidelis, o baterista do grupo, que participa de outros projetos além do Caixa Cubo Trio.
A ideia no show é apresentar peças consideradas pelo trio como verdadeiras joias da música brasileira. “São composições que quase ninguém toca, principalmente nessa formação de trio. É um repertório que não está no dia a dia, mas que a gente faz com nossa cara”, disse Gomide, o pianista do trio Caixa Cubo Trio, destacando “Samba 40 graus”, música de Amilton Godoy, além das autorais “Garly”, um jazz instável com tempero brasileiro, de Gomide, e “Valsa pra Rina”, de Noa Stroeter.
FORA DO CAIXA CUBO TRIO
Em 2014, os integrantes do trio terminaram o mestrado que realizaram na Holanda. João Fidelis e Noa Stroeter retornaram para São Paulo. Henrique Gomide ficou um ano vindo para o Brasil e voltando para a Europa, até se estabelecer em Colônia, na Alemanha. “Venho uma vez ou duas por ano para trabalharmos juntos com o Caixa Cubo”, disse o músico que acompanha no exterior a cantora brasileira Juliana da Silva, e a turca-alemã Ayça Mirac, que canta temas folclóricos em jazz. Com sua parceira e mulher, a violinista holandesa Daphne Oltheten, o pianista tem um duo – o Oltheten Gomide – que interpreta músicas clássicas. “Vamos lançar um disco pelo selo A Casa, no Rio de Janeiro, com compositores contemporâneos brasileiros, além de Beethoven e Brahms”, disse o artista que também toca no Nau, trio no qual atua na Alemanha. Nessa formação, o brasileiro está ao lado de um baixista chileno e um baterista holandês, com passagem pelo Senegal, para tocarem músicas autorais, cruzando as influências brasileiras de Gomide com as latinas e africanas dos outros componentes, com uma roupagem de jazz europeu.
Gomide estudou piano, por sete anos, na ULM (Universidade Livre de Música), onde concluiu o curso de piano avançado. Segundo ele, o curso lhe deu mais base musical do que a USP, onde se formou em piano erudito. Contudo, seu interesse depois da USP enveredou pelo caminho do jazz e do choro. Recentemente, concluiu mais um mestrado, dessa vez em composição e arranjo, na Universidade de Música e Dança de Colônia (Hochschule für Musik und Tanz Köln), na Alemanha. “Estudei com o Paulo Álvares, um baita pianista”, disse o instrumentista sobre Paulo Sérgio Guimarães Álvares, brasileiro radicado em Colônia, na Alemanha, que possui larga experiência em novas músicas e improvisações.
Fidelis, sobrinho do renomado violonista Francisco Araújo, é formado em percussão clássica na USP, em 2011. O músico também participa de outro trio, com o guitarrista Potiguara Menezes – integrante do Seis com Casca, sexteto camerístico de músicos da USP – e com o baixista Maurício Biazzi. Fidelis acaba de gravar um disco com o violonista Bruno Elisabetsky, em trio com o baixista Rafael Abdala, e ao lado de Noa Stroeter, Fidelis participa do disco da cantora e percussionista Gabriela Silveira.
Em suma, experiências todos os integrantes do Caixa Cubo Trio tem de sobra. Musicalidade, então, nem se fala…mas se ouve fácil.
Assista, a seguir, ao Caixa Cubo Trio, tocando com exclusividade para o Música em Letras “Frevo”, de Egberto Gismonti, e “Vamos Acabar com o Baile”, de Garoto.
SHOW CAIXA CUBO TRIO
ONDE Tupi or Not Tupi, r. Fidalga, 360, Vila Madalena, São Paulo, tel.(11) 3813-7404
QUANDO Domingo (16), às 20H
QUANTO R$60,00