‘O Grande Circo Místico’ pode ser visto até de olhos fechados
O Música em Letras assistiu, na última segunda-feira (13), à exibição prévia para a imprensa do filme “O Grande Circo Místico”, dirigido por Cacá Diegues, que também colaborou no roteiro escrito por George Moura.
Exibido em maio deste ano no Festival de Cannes, o filme abre hoje (17) o 46° Festival de Cinema de Gramado, no Rio Grande do Sul, que acontece até 25 de agosto. Com estreia nos cinemas brasileiros anteriormente prevista para 6 de setembro, a obra entra em cartaz a partir de 15 de novembro para evitar a desleal concorrência com outro “espetáculo”, as eleições do “Gran Circo Brasil”.
O filme é o 18º longa-metragem do alagoano Cacá Diegues, 78, que, inspirado nos 47 versos do poema de seu conterrâneo, o escritor Jorge de Lima (1893-1953), publicado no livro “A Túnica Inconsútil” (1938), retrata cinco gerações de uma mesma família circense (os Kieps), desde a gênese do Grande Circo Místico, passando por seu apogeu e terminando em lassidão. O poema de Jorge de Lima também foi adaptado, em 1983, para o Balé do Teatro Guaíra, em Curitiba, com roteiro de Naum Alves de Souza (1942-2016) e músicas de Chico Buarque e Edu Lobo. As composições – que já se tornaram clássicos brasileiros – pontuam a trilha sonora e colaboram para o clima onírico que perpassa por toda a produção.
Entre os atores, além de Antonio Fagundes (Dr. Fred Kieps), e o francês, Vincent Cassel (Jean-Paul), destaca-se Jesuíta Barbosa interpretando Celaví, mestre de cerimônia que alinhava o tempo, com histórias, amores, sucessos e fracassos dos 100 anos do circo. Entre as atrizes, estão a francesa Catherine Mouchet (Imperatriz) e Mariana Ximenes (Margarete), interpretando com muita desenvoltura uma trapezista.
Contudo, é Bruna Linzmeyer (Beatriz) que protagoniza, talvez, o único momento da história do cinema mundial em que é possível assistir a um filme com os olhos fechados. Acontece que a arrebatadora trilha sonora contempla a inigualável voz de Milton Nascimento cantando “Beatriz”, com orquestração e regência de Chiquinho de Moraes, e quase rouba a cena. Só não rouba porque a atriz, a dança, a luz, o figurino, o som, o cenário, a edição, a fotografia e a produção estão no mesmo nível.
Com pegada felliniana, outro momento se destaca no filme: a inesperada entrada de um ator anão interpretando um crooner, dublado pelo cantor e compositor carioca Jonas Sá, interpretando “Meu Namorado”, de Chico e Edu Lobo, quebra qualquer expectativa, com uma cena em que o lirismo não exclui uma pitada de humor.
Outras vozes, entre elas a de Tiago Abravanel, Mônica Salmaso, Zizi Possi, Chico Buarque e Edu Lobo, em meio a músicos excelentes como Carlinhos Malta (sax e flauta); Jurim Moreira (bateria); Jorge Helder (baixo); Thiago Osório (tuba); Jessé Sadoc, Diogo Gomes e José Arimatéa (trompetes); Aldivas Ayres, Wanderson Cunha e Leandro Dantas (trombones); Paulo Sérgio Santos (clarinete); Marco Pereira (violão); e as cordas- ah, que lindas as cordas – de Iura Ranevsky e Marcus Ribeiro (violoncelo); Jesuína Passaroto e Eduardo Pereira (violas); Daniel Guedes, José Alves, Glauco Fernandes, Eduardo Hack, Daniel Albuquerque, Pedro Mibiele, João Daltro e Antonella Pareschi, (violinos); Ricardo Cândido (contrabaixo), entre outros músicos, tornam quase possível uma contemplação às cegas.
Afinal, são 20 músicas, entre elas “A Bela e a Fera”, “Ciranda da Bailarina”, “A História de Lily Braun”, “Valsa dos Clowns”, “Na Carreira”, “Salmo” e a homônima “O Circo Místico”, da dupla Chico Buarque e Edu Lobo. Mas tem também “Me Adora”, de Pitty; “Com Que Roupa”, de Noel Rosa (1910-1937); e “Rasga Coração”, de Anacleto de Medeiros (1866- 1907) e Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), entre outras. Até o reminiscente tema do seriado televisivo dos anos 1960 “Vigilante Rodoviário”, de Ary Fernandes (1931-2010), aparece na trilha.
A afinada produção do filme, assinada por Renata Almeida Magalhães, mulher de Cacá Diegues, é destacada pela fotografia do diretor Gustavo Hadba, e pelos trabalhos de direção de arte de Artur Pinheiro, pelos figurinos de Kika Lopes, do design de som de Simone Petrillo, e pela edição de Mair Tavares e Daniel Garcia.
Em “O Grande Circo Místico”, o cometa Halley, anões, a mulher barbada, o gigante, o domador, trapezistas, palhaços, público, malabaristas, engolidores de fogo, leões, elefantes, cavalos, picadeiro, lona e muito mais promovem uma viagem onde o real e a ficção, assim como a música e a imagem, se entrelaçam e nos fazem acreditar que o casamento perfeito existe, sim, sem que um anule o outro.
Pode ir às cegas, sem pestanejar. Este é um filme que vai além de um simples olhar.
O GRANDE CIRCO MÍSTICO – O FILME
QUANDO Hoje (17), na abertura do 46° Festival de Cinema de Gramado, no Rio Grande do Sul. Estreia em circuito comercial, 15 de novembro
ELENCO Jesuíta Barbosa, Mariana Ximenes, Antônio Fagundes, Rafael Lozano, Vincent Cassel, David Ogrodnik, Catherine Mouchet, e Bruna Linzmeyer, entre outros
PRODUÇÃO Renata Almeida Magalhães
COPRODUÇÃO Globo Filmes (Brasil), Fado Filmes (Portugal) e
Milonga Productions (França)
DIREÇÃO Cacá Diegues
CLASSIFICAÇÃO 18 anos
AVALIAÇÃO Ótimo