Cola no som do Coladera

Na mitologia fantástica da música, o fado português e o lundu angolano “ficaram” e tiveram uma filha, a morna. Morna deu à luz outro ritmo popular cabo-verdiano, a coladera. Mas se é filho não deveria ser “o” coladera? Calma, pois o pai dizem ser o samba, a cumbia e a rumba, todos ao mesmo tempo.

Já “o” Coladera é um projeto, ou melhor, uma festa em forma de som que acontece quando se reúnem os talentos dos brasileiros Vitor Santana (voz, violão, composições) e Marcos Suzano (percussionista), com a aptidão do português João Pires (voz, violão, composições).

“La Dôtu Lado” é o segundo CD do Coladera e conta com participações muito especiais. Entre elas, as do cantor e percussionista cabo-verdiano Miroca Paris, que tocou durante uma dúzia de anos com Cesária Évora (1941-2011), além da cantora angolana Aline Frazão.

No começo do ano, “La Dôtu Lado”, do selo Scubidu, foi lançado com shows na Europa, passando por Dinamarca, Alemanha, Portugal e Holanda, antes de chegar ao Brasil. São 11 faixas que colam fácil na mente ao entrarem de maneira suave e poética pelos ouvidos. Gostosas mesmo de ouvir (bem gravadas, mixadas e masterizadas), as faixas trazem formações enxutas nas quais vozes, violões e percussão trocam ideias sonoras no mínimo interessantes e muito contagiantes.

O álbum traz um apanhado de vários ritmos, como o lundu, fado, xote, funaná, candomblé, morna e samba, em meio a outros, embalando músicas como a homônima “La Dôtu Lado”, de Vitor Santana e Dino D´Santiago, e “Primer Letra”, de João Pires e  Bilan. Duas belas parcerias do brasileiro e do português com os cabo-verdianos, cantadas em língua crioula.

“Mantafro”, de Vitor Santana, é instrumental com pinta de mantra, como sugere o nome. As outras músicas são cantadas em português. Entre elas, “A Luz de Yayá”, de Vitor Santana em conjunto com o escritor angolano José Eduardo Agualusa; e as felizes parcerias de Santana com a brasileira Brisa Marques, em “Mandinga”, e dela com João Pires, em “Algum Lugar em Nós”. A dançante “Funaná do Morerê”, de Santana e Marcelo Albert, tem metais arranjados na dose certa por Diogo Duque (flugelhorn e trompete) e Elmano Coelho (sax tenor).

Em se tratando de som, o disco foi gravado no estúdio Locomotiva (RJ), por Pedro Rios e Duda Melo, que mixou as faixas para serem masterizadas por Ricardo Garcia, do Magic Master. O resultado deixa claro, como o próprio som, que foi feito por quem é do ramo.

No cruzamento de culturas abrem-se muitas ruas. Caminhar por elas é andar em pavimento solidamente construído pela mestiçagem, ouvindo diferentes sons. Norteados pela poesia, voz, batuque, violão, e conduzidos pela diversidade e bom gosto, o Coladera tece, em sons, paisagens simples, férteis e ricas em referências ancestrais de cada cultura e gênero musical abarcado. Talvez por isso a música do Coladera cola tão fácil na alma de quem a escuta.

CD LA DÔTU LADO

ARTISTA Coladera

SELO Scubidu Music

QUANTO R$ 20

AVALIAÇÃO Ótimo