Som e poesia catarinenses estão de mudança para São Paulo

O Música em Letras entrevistou o compositor e cantor John Robert Mueller, 36, catarinense nascido em Blumenau (SC), em sua recente passagem por São Paulo. Mueller esteve na cidade, que costuma visitar com frequência, agora para sondar um pouco mais a metrópole onde planeja morar a partir de outubro.

O porquê da mudança? “São Paulo traz mais oportunidades. Infelizmente, de onde venho, a gente vive uma cultura germânica; para o tipo de música que faço, é mais fechado. O povo de lá consome mais o que está na mídia. Temos poucos lugares para difundir o que estamos fazendo. Eu busco isso, e acho que São Paulo vai me dar essa abertura. Você tem tudo em São Paulo, do 0 a 80, basta achar seu caminho, sua luz, né?”, disse o artista, que lança seu segundo CD, “Na Linha Torta”, no segundo semestre, na capital paulista,  ainda sem local confirmado.

Antes de ser finalizado, o disco foi adiantado em postagem por esse blog em https://musicaemletras.blogfolha.uol.com.br/2018/01/29/tem-disco-bom-vindo-ai/

O artista comenta, faixa a faixa, a bolachinha, para o internauta do Música em Letras, além de gravar com exclusividade, para o blog, “Maré Rasa – Canção de Partida”, dele e de Gregory Haertel (veja vídeo no final do texto).

ORIGENS

Aos 7 anos, Mueller começou a tocar violão por meio de “revistinhas” de música que encontrava pela frente. Dois anos depois, resolveu aprender formalmente o instrumento que utiliza para compor e se apresentar. Marcio Campos, o professor que iniciou Mueller pelos caminhos da música, ensinava ao moleque rock clássico e música pop. “Aprendia músicas dos Beatles, Elvis Presley e U2. A MPB veio depois, através de um tio que escutava muito os Caetanos e Chico Buarques da vida. Aquilo foi me aguçando e fui buscar mais músicas desse repertório”, disse o músico.

Mueller se matriculou em um curso livre da escola de música do teatro Carlos Gomes, em Blumenau, quando tinha 16 anos, para estudar violão erudito, mas não gostou. “Estava muito estimulado pela música popular, troquei de curso e estudei violão popular durante três anos nessa escola”

Dos três professores que ensinaram Mueller, durante o período em que esteve na escola, Mazin Silva (guitarrista) o acompanha até hoje. No disco, toca, além de guitarra, viola caipira. “O Mazin foi um grande mentor, mestre e atualmente me acompanha nos shows e gravações”, contou o músico que deixou a escola do teatro e passou a estudar violão popular com diferentes professores, frequentando aulas particulares.

As aulas de violão eram acompanhadas por aulas de canto. “Tive aulas particulares de técnica vocal com o professor Domingos, um cara mais voltado para o canto lírico, mas que me disse que a técnica servia para todos os estilos e por isso, tínhamos um repertório de música popular. Depois de três anos passei a estudar com o Elder, pianista e também professor de técnica vocal.”

Aos 20 anos, Mueller começou a atacar de violão e voz, em bares de Blumenau, à noite e nunca mais parou. O repertório? Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Jobim “prá caramba”, durante três horas de apresentação. “ Toquei em todos os bares. Ouvia e tocava muita bossa nova, nesse período. Ganhei muita desenvoltura, experiência de palco, repertório e de público. Porque você toca cada vez para um público diferente; às vezes é só para uma mesa, em outras, a casa está cheia. Em um bar você tem que tocar para um cara que gosta de jazz e o outro que gosta do Luan Santana, além disso tem que estar aberto para o que o cara vai dizer sobre teu trabalho.”

Em uma dessas apresentações, ao acabar de tocar “O Barquinho”, de Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli (1928 – 1994) – uma das músicas de seu vasto repertório de bossa nova –, teve de ouvir do dono da casa que um cliente se retirou do local se queixando ao perguntar se o artista iria ficar tocando “música para boi dormir” a noite inteira. “Eu fiquei puto, mas se o cara não tivesse ido embora perguntaria se ele era o boi que estava dormindo.”

Católico não praticante e descendente de alemães, Mueller não bebe, fuma ou usa drogas e já gostou mais do ambiente de bares para tocar. Atualmente quer promover seu trabalho autoral em teatros.

O compositor, cantor e violonista John Mueller (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

CDS DE MUELLER

O primeiro disco do artista, “Por um fio” (2015), com 11 faixas, foi feito para ele. “Hoje percebo isso. Sabe aquela coisa de você ter seus ídolos na cabeça e um dia poder gravar com eles? Meu primeiro disco foi isso”, falou o artista que já gravou com os mestres Cristóvão Bastos (piano) e Ricardo Silveira (guitarra), entre outros.

Não à toa, alguns dos músicos do disco fizeram parte de bandas que acompanharam o compositor e cantor mineiro João Bosco, uma das maiores influências de Mueller. “Na época achei o disco foda pra caralho, mas não cheguei muito no público com esse trabalho. Em uma música ou outra, as pessoas escutavam semelhanças com as do João Bosco, mas a maioria achava que o disco tinha sido feito para músicos ouvirem. Mas era o que eu vivia naquele momento.”

O segundo disco, “Na Linha Torta” (2018), que sai agora com 12 faixas, é mais a cara do artista. “Tem muito a ver comigo. Saí um pouco daquela coisa do João Bosco, que não era cópia, mas uma influência muito forte porque eu só ouvia o cara. Saí de tudo isso e penso que neste disco consegui imprimir quem é o John Mueller mesmo, porque tem muita coisa minha, a minha essência a minha história. Tudo o que estudei e ouvi está resumido nesse disco”, disse sobre o trabalho que tem letras embaladas ora por baião, ora por bolero e samba ou por pegadas intimistas de uma toada.

O consagrado contrabaixista, compositor e arranjador Jorge Helder foi quem produziu e arranjou o primeiro disco de Mueller. Nesse último trabalho, também deu seus pitacos e “clareou o negócio”, segundo o autor que tem como um de seus parceiros o psiquiatra, escritor, dramaturgo, e excelente letrista catarinense Gregory Haertel.

A parceria de Haertel e Mueller aconteceu no primeiro disco de Mueller, que só o conhecia o lado dramaturgo de Hertel. “Quando nos conhecemos, contei ao Gregory sobre minha predileção pelo João Bosco. Ele me disse que entre os principais letristas que o influenciaram, e dos quais gostava muito, estavam o Aldir [Blanc] e o Paulo César Pinheiro. Disse: ‘Porra bicho, Aldir Blanc, e eu com minha coisa com o João Bosco!’e pensei: ‘Vai dar bingo esse negócio!’’’, contou o artista que estava certo. Além de a dupla fazer “bingo”, o trabalho de ambos é prêmio para quem gosta de música e letra com qualidade e está garantido, por exemplo, na gravação de “Maré Rasa- Canção de Partida”, dos dois  (veja vídeo no final do texto).

Leia, a seguir, como Mueller “decupou” seu CD, “Na Linha Torta”, para o Música em Letras. Segundo ele, esse segundo disco está “mais colorido, mais comunicativo e chega mais nas pessoas do que o primeiro”.

Capa do disco “Na Linha Torta”, de John Mueller (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

FAIXA A FAIXA DO CD “NA LINHA TORTA”

1 – “Ideograma”, de John Mueller, André Fernandes e Bruno Kohl

“ Essa música é uma toada que soa meio Caymmi. A parceria com o Bruno Kohl, compositor de Blumenau, é nova, e o André é um letrista de Ilha Solteira [SP] que conheci em um festival de música. Ao voltarmos os três do festival, pedimos uma pizza na casa do Bruno e fizemos essa música que chamamos de uma ‘triceria’, com a participação especial do Cristóvão Bastos tocando piano na faixa.”

2 – “Na água e no sal”, de John Mueller e Gregory Haertel

“É um fusion de jazz com música brasileira. O interessante é que quando mandei para o Gregory ele sentiu um grito muito forte na melodia. Minha parceria com ele geralmente funciona da seguinte maneira: mando a melodia e ele escreve a letra. Uma ou outra vez,  ele envia a letra para eu depois fazer a música. Quando enviei essa melodia, estávamos na época em que havia um boom de refugiados em todas as mídias. Por isso nela falamos sobre o tema como um grito visceral.”

3 – “Cambalhotas”, de John Mueller e Gregory Haertel

“Aqui é uma música alegre e divertida, numa onda 6 por 8, em que a Fabi, minha esposa, participa cantando cinco vozes, sem termos programado. Ela estava cantarolando na técnica enquanto eu colocava voz e o Jorge Helder ao ouvi-la pediu para parar tudo e a gravarmos. Gostei muito de como ficou.”

4 – “Dores Febris”, de John Mueller e Gregory Haertel

“Essa é um jazzblues bem intimista. Tem a vibe daquela hora em que o cara mete um terno e gravata e faz como Tony Bennet.”

5 – “Vaga Espera”, de John Mueller e Valéria Pissauro

“A Valéria é uma grande letrista de Campinas. Nos conhecemos em festivais de música pelo Brasil e temos três músicas compostas em conjunto. Essa é a estreia de uma delas. A música tem uma onda mais pop. Ela não era tão pop, era mais intimista. Aí, o Jorge [Helder] falou: ‘Cara, vamos dar uma cara nela mais “Djavaniada”, que acho vai ficar bem legal’. Antes, gravei aminha versão, mais intimista, que queria que entrasse no disco, mas depois decidi pela versão pop e hoje estou bem feliz com a escolha.”

6 – “Maré Rasa- Canção de Partida”, de Mueller e Gregory Haertel

“Essa música foi o boom do disco. É meio um jongo com uma coisa muito forte nela. A letra com a participação da Ana Paula da Silva casou superbem. A Ana é de Joenville [SC] e eu a conheço há bastante tempo. Quando mandei essa música para ela, ela ouviu e disse: ‘John, é nossa’. A gente fez um negócio muito bacana com um jogo de vozes. Antes do disco fiz um show no teatro Carlos Gomes, em Blumenau, e chamei a Ana para participar. Essa música, com a Ana tocando uma solinha de plástico, foi o ponto alto do show. Quando lançamos um single dessa música, o Brasil inteiro me escreveu. A Rosa Passos chegou a me escrever sobre essa canção. Ela disse que a música é linda, que a tocou e que cantamos superbem, além de ter me desejado toda sorte com o disco. Até hoje a música é compartilhada. No meu Facebook, a música teve mais de mil compartilhamentos, com 60 mil views. Foi uma surpresa enorme. Apostei muito nela, mas não sabia que seria tão rápido assim. Então é uma música que carrega o disco. Todo mundo fala dessa música e pede no show.

7 – “Devir”, de Mueller, Gregory Haertel e Sandro Dornelles

“Conheço o Sandro de festivais, sou seu fã e sempre quis ter algo escrito por ele. Quando propusemos uma ‘triceria’, eu, ele e o Gregory, disse que já tinha o título da canção, ‘Devir’, algo que está por vir. Essa também é um 6 por 8, que vai crescendo e no final explode com um refrão.”

8 – “Fronteiras”, de Mueller e Pochyua Andrade

“Essa canção é uma parceria com o pernambucano Pochyua Andrade, que morou muito tempo em Blumenau e agora voltou para Recife. Esse é meu primeiro baião. A letra, que fala sobre a separação do sul do Brasil, é muito interessante, assim como a participação do Bruno Moritz, um grande acordeonista.”

9 – “Inabitado”, de Mueller e Sandro Dornelles

“Aqui tem uma onda meio bolero, mais introspectiva. É outra música que está funcionando superbem. A gente fez uma turnê recentemente e ela puxou pra caramba o show. A galera pirou nela também. Tivemos uma reposta muito boa vinda do público.

10 – “Na Linha Torta”, de Mueller e Gregory Haertel

“Essa música, um choro lento, tem uma história interessante. Nela tem uma participação especial do Guinga, porque quando compus a melodia lembrei direto dele. É uma música melancólica, mais down, mais introspectiva, na qual a harmonia é bastante trabalhada. Mandei para o Jorge [Helder] e perguntei se conseguiríamos o Guinga para fazer um arranjo, gravar o violão e eu cantar.  Ele respondeu: ‘Pô bicho, você quer o Guinga, cara? Ele é ‘faixa preta’. Manda a música aí’. Mandei. Passou um tempo e não tive resposta nenhuma. Cobrei o Jorge e ele achou um e-mail do Guinga dizendo que a introdução estava pronta, além de querer saber quando iríamos gravar. Para mim foi um golaço ter colocado ele no disco. Sou superfã dele. Na hora de cantar, ele quis mudar uma palavra e mudou. Falei para o Gregory, que não repete palavra em suas letras, mas nessa sim, por conta da mudança feita pelo Guinga que trocou a palavra ‘bebê’ por ‘alguém’. Só que o Gregory, sabendo que a mudança era do Guinga, consentiu.”

11 – “A certeza de sempre tentar”, de Mueller e Gregory Haertel

“Na onda desse disco, é mais um pop, que eu gosto bastante.”

12 – “Ilusionismo para inglês ver”, de Mueller e Gregory Haertel

“ Esse é o samba do disco. Compus o samba por gostar muito [do ritmo]. Tinha de ter um samba no disco e ele foi a escolhida para fechar.”

O álbum “Na Linha Torta” é distribuído pela Tratore, o que faz com que o trabalho de John Mueller esteja presente em mais de 50 plataformas digitais, incluindo as três mais importantes e mais ouvidas: i-Tunes, Deezer e Spotify. “Meu Face, Instagram e YouTube também estão bem alimentados para quem busca mais sobre o meu trabalho”, completou Mueller.

Assista, a seguir, o artista interpretando dele e de Gregory Haertel, “Maré Rasa- Canção de Partida”.

CD NA LINHA TORTA

ARTISTA John Mueller

DISTRIBUIDORA Tratore

GRAVADORA Independente

QUANTO R$ 30 em média