Frevo toma lugar de maracatu na abertura do Carnaval de Recife

Carlos Bozzo Junior
O percussionista Naná Vasconcelos, regendo as nações de maracatu, em 2013, no Carnaval de Recife (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Destaque da cerimônia de abertura do Carnaval de Recife, durante 15 anos, o maracatu perde seu lugar para o frevo. Com a mudança na programação do Carnaval de 2018, a prefeitura de Recife anunciou que o tradicional cortejo com as nações de maracatu, até 2016 regido pelo percussionista Naná Vasconcelos (1944-2016), foi excluído da abertura dos festejos deste ano, dia 9 de fevereiro, passando para a quinta-feira pré-carnavalesca, dia 8, no mesmo local, no Marco Zero.

Embora o frevo, que na data completará 111 anos de existência, se faça representar por artistas de primeiro time, com o espetáculo “O frevo do mundo”, conduzido pelo Quinteto Violado e pela orquestra do maestro Duda, e participações de Antônio Nóbrega, maestro Spok e da Banda de Pau e Corda, a mudança não agradou a todos.

Uma dessas pessoas é a viúva de Naná Vasconcelos, Patricia Vasconcelos, que mora em Nova York e enviou uma carta, ao Música em Letras, reproduzida no final do texto.

Em conversa com o Música em Letras, Patricia afirmou que a importância das nações de maracatu na permanência da abertura do Carnaval do Recife é dar continuidade ao trabalho de agregação cultural realizado por Naná. “Há também o trabalho da preservação desse movimento de raiz, e de base, que ele [Naná], com muita sabedoria, resgatou, deu visibilidade e suporte para que eles [nações de maracatu] seguissem adiante. Hoje, muitas dessas nações viraram pontos culturais, e outras conseguem se inserir no mercado apresentado shows, formatando CDs ou DVDs, coisa que antes, essas nações não ousavam”, falou.

Reunir o enorme grupo com mais de 500 batuqueiros oriundos de diferentes nações de maracatu não era tarefa fácil, nem mesmo para o experiente Naná. Era um trabalho diplomático, e técnico, Algo como reunir as escolas de samba e fazer com que tocassem juntas, respeitando suas rixas e rivalidades. Cada um desses grupos tem seu “baque” (batida), seu jeito de afinar o tambor e de levar o ritmo. Algumas nações são mais lentas, outras, mais aceleradas e, quando se misturam, e a emoção bate forte, o som fica fácil de dar na trave. Naná sabia disso e dava o ajuste preciso para fazer o gol, e de placa.

Sobre a mudança da data, Patricia falou, prevendo o pior: “Penso que a retirada deles da sexta-feira, desfragmenta o movimento e o objetivo é esse, para no próximo ano retirar de vez. Naná nunca aceitaria essa mudança, inclusive em uma reunião, no ano que queriam retirá-lo [2015], ele deixou isso claro e me falou que só continuaria se fosse na sexta-feira. O dia tem a ver com a celebração cultural que se mistura com a religiosidade dessas nações”, explicou.

Complementando, a viúva disparou: “É pura falta de sensibilidade cultural! Naná fez o último ano de Carnaval dele, com toda força que ainda lhe restava, e bravamente conseguiu. Subiu no palco e deu o seu recado, mas poucos entenderam que por trás daquele esforço tinha o recado de um legado que deveria permanecer!”

Naná Vasconcelos no cortejo das nações de maracatu, em 2013, em Recife (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Leia, a seguir, a carta que Patricia Vasconcelos enviou ao Música em Letras.

“PELA PERMANÊNCIA DAS NAÇÕES NA ABERTURA DO CARNAVAL DO RECIFE.

Venho por meio desta expressar a minha Tristeza e Indignação com a EXCLUSÃO das Nações de Maracatu da Abertura do Carnaval do Recife. Naná Vasconcelos, entre outras coisas, foi responsável pela maior manifestação cultural ocorrida no Estado de Pernambuco nos últimos tempos, solitário na sua luta, não deixou o Baque Cair, com muita Dignidade, Maestria e Sabedoria. Sabedoria, com S maiúsculo, essa que falta aos responsáveis por essa exclusão social, por essa Desconstrução Cultural que está acontecendo.

A História foi escrita por meu amado Naná. Nada nem ninguém irá apagar, inclusive está indo para livros didáticos o que poucos sabem ou simplesmente não alcançam. Lamento pelos Mestres das Nações, Lamento! Pelos Batuqueiros, que com os seus Baques deram vida ao espetáculo, Lamento! Pelo palco que ficará vazio de Emoção Verdadeira, sem pretensão!

Entrega total, todos preparados para a sexta-feira mágica! Magia que encantou, magia que fez Naná flutuar no palco de tão leve que essa música o deixava. Magia de uma preparação para uma verdadeira CELEBRAÇÃO de uma tradição construída com muita Luta e Determinação, uma verdadeira celebração!

Celebrar a Abertura do Carnaval para Naná era compartir, agregar, deixar o outro ser visto como protagonista da Festa. E todos se sentiam assim, não existia um, existia um Todo. Um todo que agora deve se contentar com a quinta-feira para não sair de vez. Retirada Estratégica!

Patrícia Vasconcelos
Nova York
03 de janeiro de 2018”