Sem Noção – “Piano, Voz e Jobim”, por Zé Luiz Mazziotti

Carlos Bozzo Junior
O cantor Zé Luiz Mazziotti
O cantor Zé Luiz Mazziotti ouvindo, às cegas, o CD “Piano, Voz e Jobim” (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

Aconteceu no último sábado (25) o show de lançamento do disco “Piano, Voz e Jobim”, do duo formado pelo cantor Augusto Martins e o pianista Malaguti Pauleira, na sala Municipal Baden Powell, em Copacabana, no Rio de Janeiro.

O Música em Letras convidou o professor, cantor, compositor, violonista, arranjador e produtor de discos Zé Luiz Mazziotti, 69, para participar da audição às cegas, da série Sem Noção, do novo CD.

CANTO NA FALA

Mazziotti, artista tarimbado- 51 anos de carreira-, impressiona ao falar; cantando então nem se fala. Seu timbre e interpretação são notáveis. Professor da EMESP (Escola de Música do Estado de São Paulo) Tom Jobim há 8 anos, o cantor transmite seus conhecimentos a cerca de 20 alunos por ano, ensinando-os a interpretar, quando o som é MPB, além de prática de conjunto.

Paulista de Rio Claro, em 1966 Mazziotti integrava o Canto4, grupo vocal que venceu o Festival da TV Record. A música interpretada foi “São São Paulo Meu Amor”, de Tom Zé. Durante os anos 1970, Mazziotti “atacou” cantando em inúmeras casas noturnas da capital, antes de mudar para o Rio de Janeiro e gravar muito jingle.

O artista gravou sete discos, entre eles “Pra Fugir da Saudade” (2000), com a cantora Célia (1947-2017); “Zé Luiz Mazziotti” (1994); “O Amor Não Falou” (1984); “Sinais” (1981); e “Zé Luiz” (1979).

“Com 51 anos de carreira aprendi muita coisa. Hoje, me sinto realizado como professor por sentir que eles [alunos] precisam das informações que eu tenho. Amo meus alunos por mais difíceis que sejam”, contou Mazziotti. “Difíceis?”, perguntei. “Sim, tem aluno difícil. Cantar não é para qualquer um. Tem gente que entra na escola querendo ser um grande cantor, mas não será nunca, porque não nasceu para isso.” Cauteloso, Mazziotti acrescenta: “É bem delicado dizer para uma pessoa que ela nunca vai cantar bem, mas eu já disse. Com jeito, mas disse. Até hoje, tive mais problemas com gente talentosa do que com gente sem talento.”

Para Mazziotti, cantar é interpretação, entender a história que a música tem para contar. “ Eu não gostava da Bethânia, hoje adoro. Ela é uma ‘bête de scène’, uma louca no palco”, disse o artista que veio a apreciar a cantora baiana levado pelo amadurecimento.

O professor ouviu “Piano, Voz e Jobim”, em uma das salas da instituição onde ensina. O disco traz Augusto Martins (voz) e Paulo Malaguti Pauleira (piano e arranjos, exceto na faixa seis, “Amor em Paz”, com Ivan Lins ao piano, cantando e arranjando), foi gravado, mixado e masterizado por Carlos Fuchs, no Estúdio Tenda da Raposa. As fotos de capa, contracapa e ficha técnica são de Alex Krusemark; fotos do encarte, Augusto Martins e Felipe Varanda; design gráfico, David Lima; e a produção fonográfica, de Augusto Martins.

Leia, a seguir, as impressões de Mazziotti sobre “Piano, Voz e Jobim”.

FAIXA 1 “Estrada do Sol”, de Tom Jobim e Dolores Duran

“Olha, eu adorei! Não sei quem é, mas como canta bem. Eu conheço alguns cantores que cantam bem, talvez eu o conheça. Não estou muito familiarizado com a voz ainda, mas é de um cantor com a voz linda. Afinadíssimo. Tem uma coisinha, uma bobagem que ele fez que eu não gostei muito, porque saiu da interpretação que ele vinha fazendo para brincar mais ritmicamente com a coisa. Mas gostei bastante. Moderno, tanto ele quanto o piano. É uma revisitada muito feliz.”

FAIXA 2 “Chovendo na Roseira”, de Tom Jobim

“Muito lindo, grande cantor. Interpretação bonita, cara! Tem uma hora que você sente que ele está cantando sorrindo. Isso é lindo! Isso é cantor e interpretação bonita. Fazer piano e voz assim é muito difícil, mas está tudo bem. O pianista é muito bom também, porque faz de maneira simples, e isso é que é difícil: ser simples. A simplicidade desse menino, do cantor, que não deve ser tão menino, deve ter uns quarentinha, também é linda.”

FAIXA 3 “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque

“Estou com o pescoço arrepiado. É só piano e voz, mas parece que tem orquestra com tudo, né? É muito denso e, ao mesmo tempo, tudo bem explicado, a melodia, a letra, a harmonia que o pianista está fazendo…Muito bonito e muito bem feito. Pelo jeito, vou ficar elogiando o dia inteiro, porque quando ouvi a primeira faixa já senti que seria pedreira. A primeira já estava linda. A segunda, ‘Sabiá’, melhor ainda. É lindo essa ‘Sábia’, porque não é qualquer um que pode cantar essa música. Essa foi uma das interpretações de ‘Sabiá’ mais lindas que já ouvi. Essa música, você precisa de mais coisas [instrumentos] atrás de você para cantar, e aqui é só piano e voz. É muito sincero. Lindo!”

FAIXA 4 “Demais”, de Tom Jobim e Aloísio de Oliveira

“Essa música, ‘Demais’, está bonita como as outras. Só que para mim, ela é muito mais do que isso, é mais forte, mais emocionante. Acho que ele foi mais raso um pouquinho, mas está lindo de qualquer maneira. Faltou um pouquinho de ‘rasgar’ mesmo. Foi meio que na beiradinha, não foi profundo.”

FAIXA 5 “O Grande Amor”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes

“Tá lindo, bonito, tudo perfeito. A forma como eles fizeram está linda. O cantor cantou com o sentido exato do que queria dizer. Aí é que está o interprete, ele tem que cantar, sem sair da melodia, e a intenção ser exposta. Muito bonita essa faixa.”

FAIXA 6 “Amor em Paz”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes (participação especial de Ivan Lins)

“Muito bonita essa também. O parceiro dele agora é o Ivan [Lins] no piano e na voz. O cantor, que ainda não sei quem é, mais uma vez interpretou lindamente.”

FAIXA 7 “O Morro Não tem Vez”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes

“Muito bom. Adorei porque tem uma levada nova no começo e depois vira o que o Tom [Jobim] fez mesmo, um samba. As dobradas de vozes também estão muito legais. Tenho ouvido de cantores como o Vidal Assis e o Claudio Lins, que eles aprenderam me ouvindo cantar e que não tem mais cantores. Não tem mesmo, mas esse cantor, que continuo sem saber quem é, é um cantor. E o povo está louco por um cantor. E assim, voz e piano, a gente vê se ele canta ou não canta. E ele canta. ”

FAIXA 8 “Luiza”, de Tom Jobim

“Meu querido, ‘Luiza’ é o seguinte: se canta, canta, se não canta, não canta. Tive uma dúvida em uma nota só, mas ele cantou todas as outras corretamente. Se for para dar uma nota seria 9,9. Muito bonito e muito difícil. Tem algumas cantoras que inventaram de cantar essa música que nem o nariz delas, e ele não. Se ele cantou que nem o nariz dele, deve ser lindo, um nariz de Cleópatra. Muito bonita essa faixa também.”

FAIXA 9 “Eu Te Amo”, de Tom Jobim e Chico Buarque

“Muito lindo, cara. O piano fez uns ‘negócios’, e mexer com o Tom [Jobim] é complicado, mas ele conseguiu uma coisa linda sem fazer a melodia e dando uma sugerida na harmonia para ir para o lugar que tinha que ir e ficou muito bonito.”

FAIXA 10 “Derradeira Primavera”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes

“Meu Deus do céu! Quem é esse moço, Cacilda? Quero saber. Mais uma escolha linda, as notas todas, o piano, e a interpretação dele. É muito raro, mas muito raro mesmo, ouvir uma coisa nova que me arrepia, mas meu pescoço arrepiou várias vezes. Pode botar que me arrepiou o ‘cou’, em francês.”

FAIXA 11 “Retrato em Branco e Preto”, de Tom Jobim e Chico Buarque

“Está bonito, mas tive dúvidas em algumas notas na melodia. O que eu aprendi é que na primeira vez que você canta a melodia, você deve fazer exatamente como o autor a compôs. Ele cantou desse jeito na primeira vez, mas na segunda ele inventou uma coisa que eu acho que não entendi direito, mas está certo também. Só para procurar um pelinho em ovo, mas é uma interpretação muito linda.”

FAIXA 12 “Sem Você”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes

“Eu tenho paixão por essa música. Acho que de todas que ouvi é a que mais gosto. Ela ficou linda, linda e linda com esse cantor e esse pianista. Há todas as intenções nela sendo ditas e interpretadas. A captação da voz está ótima, e o cantor tem um timbre de voz muito bonito, além de cantar muito bem. Porque tem gente que canta muito bem, mas tem um timbre horroroso. Ele não. Ele canta bem e o timbre é lindo. Então fica tudo bonito, né? ”

FAIXA 13 “Insensatez”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes

“Essa é ‘Insensatez’ sendo muito bem interpretada. Não tem o que falar, além de que ela está muito bonita também.”

FAIXA 14 “Se Todos Fossem Iguais a Você”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes

“Pois é, a beleza desse CD está na simplicidade. É só Tom, ou Tom com alguns parceiros. Isso é muito difícil. Cantar Tom Jobim, só piano e voz, tem algumas poucas pessoas que podem fazer isso, mas muito poucas. Muita gente famosa fez e não se deu tão bem quanto ele [cantor]. Porque está realmente muito lindo esse disco. ”

FAIXA 15 “Água de Beber”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes

“Suingada, gostosa, bem cantada, tesuda e bonita, como tudo no disco.”

O cantor Zé Luiz Mazziotti na sala da EMESP, em São Paulo (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

AVALIAÇÃO PONTUAL

INTÉRPRETES
“Ótimo.”

COMPOSIÇÕES
“Ótimo.”

HARMONIA
“Ótimo.”

RITMO
“Ótimo.”

MELODIA
“Ótimo.”

ARRANJO
“Ótimo.”

SOM (CAPTAÇÃO, MIXAGEM E MASTERIZAÇÃO)
“Ótimo.”

CONSIDERAÇÕES GERAIS

“Minha impressão geral é que esse é um disco raro, por estar sendo lançado hoje e com a obra do Tom, que é algo difícil de gravar, até por conta da liberação da editora que é uma complicação danada. Cheguei a gravar duas coisas do Tom e nem sei como foram liberadas. Esse disco é uma joia! Um piano muito bem tocado e um cantor lindo, que não sei dizer qual idade tem, imagino que não seja tão novo. Esse é um cantor que eu já fiquei fã. Só que eu quero saber quem é.”

CD REVELADO

Após a audição às cegas, foi revelado ao cantor Zé Luiz Mazziotti que “Piano, Voz e Jobim” é o primeiro disco do duo formado pelos experientes artistas Augusto Martins e Paulo Malaguti, com músicas de Tom Jobim. Um breve histórico sobre as carreiras dos artistas também foi fornecido a Mazziotti, assim como as demais informações sobre o disco, seus participantes, ficha técnica, capa e encarte.

Diante das revelações, Mazziotti complementou sua avaliação. “O Paulo Malaguti é um tesão, um puta músico maravilho. Augusto Martins não conheço. Vi que pode ser do Rio pelo sotaque dos erres e esses. O Paulo Malaguti, sou fã dele. Já gravei músicas do Chico Buarque com ele. Depois, ele gravou um disco de um bom gosto danado, com a Luna Messina, uma cantora maravilhosa do Rio, que também gravou comigo, além de mais alguém que não me lembro o nome. O Augusto Martins não conhecia, mas é dos meus. Pela foto vejo que ele é mais velho do que eu imaginava, pois em alguns momentos achei que ele tivesse uns 20 anos. Como você disse que ele já gravou e já tem discos, ele sabe como é. A carreira da gente é muito difícil, mas é muito gostosa porque adquirimos com o tempo um respeito e um prestígio muito grandes. O Pauleira é muito sensível. Eu vi cada coisa que ele fez nesse disco, por exemplo, com a harmonia, que são maravilhosas. Penso que o Augusto Martins deva conhecer muita gente no Rio e deva fazer tudo o que puder para mostrar essa joia.”

Perguntado se há espaço para esse disco no mercado, Mazziotti respondeu: “Tem lugar, mas pouco. Eu vejo o Augusto como eu, mais ou menos, em termos de qualidade e possibilidades. Trabalho muito pouco. Às vezes, me chamam para cantar em projetos sobre Chico [Buarque], Paulinho da Viola, Ivan Lins, no Sesc, por exemplo, e eu vou. Mas é muito pouco. Então, acho que ele não espera mais do que isso, pela própria experiência e pela situação musical em que a gente está no Brasil e no mundo inteiro. Agora, fazer um disco lindo como esse, com uma capa linda, simples, discreto, de bom gosto e tendo o Ivan [Lins] como convidado e o Pauleira tocando piano já é um presente. Um presente para ele [Augusto Martins], para nós e para o público que curti música boa. Esse disco tem que liberar na internet para que eles façam muitos shows. Não sei como eles vão trabalhar esse disco, mas esse é um belo presente de Natal. Inclusive eu gostaria de ter um para colocar no meu Facebook e mostrar a capa dizendo para as pessoas comprarem.”

Quer saber se Mazziotti gostou da escolha desse disco para ser por ele avaliado? “Não poderia ser melhor. Gostei muito. Você me conhece, mas com essa escolha soube que você me conhece mesmo! Muito obrigado, porque só tenho a agradecer ter sido convidado para trabalharmos com esse tipo de música. Então é uma honra ter participado dessa audição com esse trabalho tão bonito. Obrigado pela música e por mim.”

AVALIAÇÃO DE ZÉ LUIZ MAZZIOTTI

“Ótimo.”

Capa do disco “Piano, Voz e Jobim”, de Augusto Martins e Paulo Malaguti Pauleira (Foto: Carlos Bozzo Junior/Folhapress)

CD “PIANO, VOZ E JOBIM”
ARTISTAS Augusto Martins e Paulo Malaguti Pauleira
GRAVADORA Independente
QUANTO R$ 30 em média