Leci Brandão dá início a shows em homenagem a Fernando Faro
Acontece hoje (23), no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) São Paulo, o primeiro show da série “Luz, Câmera e Close”, que homenageia o produtor musical, jornalista e diretor de televisão Fernando Faro (1927-2016), o Baixo.
A homenagem leva ao palco, no show de hoje, a carioca Leci Brandão, 73. Nos próximos três espetáculos, ocupam o espaço outros artistas que participaram de “Ensaio”, ou “Feijoada”, como era chamado, na brincadeira, o programa musical criado e dirigido por Faro, cuja característica era exibir closes de orelhas, bocas e mãos, entre outros detalhes anatômicos, dos convidados.
Criado pelo “masterchef” Faro, na extinta TV Tupi, em 1969 (então com o nome de “MPB Especial”), “Ensaio” é uma das melhores contribuições da TV para ela mesma e para a MPB. Em 1972, o programa foi para a TV Cultura. Ficou fora do ar de 1975 a 1990, e entrou novamente na grade da emissora, onde foi exibido até 2016.
Numa tentativa de manter a fidelidade ao discurso e à expressão do artista, Faro fazia perguntas a seus convidados, que não eram escutadas pelos telespectadores, eliminando, segundo ele, o ruído na comunicação.
SHOWS
A série de shows no CCBB apresenta artista que gravaram o programa “Ensaio”, e novos nomes da MPB que não tiveram a felicidade de serem documentados por Faro.
No dia 14 de dezembro, quem se apresenta é Toquinho, com a participação do duo Versos Que Compomos na Estrada; em 8 de fevereiro, João Donato Trio, com a participação do guitarrista, cantor e compositor, Saulo Duarte, além de Arismar do Espírito Santo (baixo) e Cleber Almeida (bateria); e 8 de março, Ná Ozzetti Trio, com a participação da banda Mamparra.
A cantora e compositora Leci Brandão, que se diz “não
instrumentista, pois nunca toquei violão, cavaquinho ou qualquer outro instrumento”, aparece tocando caixinha de fósforos no programa “MPB Especial”, gravado em 1974, ao lado do compositor Cartola (1908-1980). Em 1992, participou de uma edição de “Ensaio”, dedicada exclusivamente a ela.
O Música em Letras entrevistou Leci Brandão, por telefone, sobre o significado desses episódios em sua vida, além do show que fará com a participação de Gustavo Galo, integrante da banda Trupe Chá de Boldo, para homenagear o produtor. “Conheci o Gustavo agora, e que coisinha linda, que menino doce. Fiquei encantada com ele, cara.”
Sobre o programa com Cartola, a artista, que começou a carreira no início da década de 1970, tornando-se a primeira mulher a participar da ala de compositores da Mangueira, comentou: “Naquela época, eu não tinha nem gravado um disco. Estava muito feliz de estar ali com o Cartola. Foi um momento mágico. Tudo aconteceu de uma forma muito tranquila e muito simples. Diferente de hoje, em que para se fazer um programa é [preciso] uma entourage danada, uma confusão com 300 mil assessores e não sei quantos cambonos [ajudante nos terreiros de umbanda que tem como missão auxiliar as entidades que chegam para trabalhar]. Gravamos esse programa sem negócio de ensaio ou passagem de som, foi tudo muito natural”.
Na ocasião, a artista havia composto a música “Maravilhoso Vagabundo”. “Você vê como são as coisas. Revendo esse vídeo, pensei: nossa, como Deus me deu inspiração para fazer essa música? Porque nela, faço uma comparação entre o cara que vive no bar e o político, além da questão da ditadura que está na frase ‘Sou maravilhoso vagabundo, pois acordo pro mundo sem som de clarim’. Ali, eu fazia referência às pessoas que estavam presas nos quartéis e acordavam ao som de clarins. Depois desse tempo todo, a música ainda é muito atual. Isso é coisa de Deus”, disse rindo a artista que, em fevereiro de 2010, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e candidatou-se ao cargo de deputada estadual pelo Estado de São Paulo, tendo sido eleita com mais de 85 mil votos e reeleita em 2014. Leci Brandão é a segunda deputada negra a ser eleita para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo; a primeira foi a professora e advogada Theodosina Rosário Ribeiro, eleita em 1974.
SIMPLICIDADE
Do programa gravado em 1992, Leci Brandão lembra que Fernando Faro gravou da mesma maneira que havia feito com ela e Cartola anteriormente. “Ele era um cara muito legal. Gravamos do mesmo jeito, na informalidade. A importância dele [Fernando Faro] está ligada à manutenção e preservação do que existe de bom na música popular brasileira. Ele não se preocupava com o negócio de estética. A gente não precisava ter um corpo sarado, uma cara legal, ou uma roupa de grife para poder participar do programa dele. Do jeito que você estava podia ir. Me lembro que no dia que gravei com o Cartola, fui com uma túnica que usava em tudo quanto era lugar. Hoje, se te convidam para fazer um programa de TV, tem que ver como você vai, que roupa vai usar e mais mil detalhes. Eu sou muito pé no chão, sou muito cidadã e não me preocupo com essas coisas do que é ‘in’ ou ‘out’, não me preocupo com essas porras, não. Sou bem simples. Vou fazer esse show vestida de verde e rosa porque vou falar de Mangueira, né?”
Entre as músicas a serem apresentadas pela artista estão “Eu sou Mangueira”, de Zagaia (1922-1995), um dos fundadores da ala de compositores da Mangueira; e “Mil Cabrochas”, de Padeirinho (1927-1987), que recebeu esse apelido por conta da profissão do pai. Abandonado pela mãe, Padeirinho passou a infância dormindo nas padarias em que seu pai trabalhava até os 12 anos, quando vai com ele morar no Morro da Mangueira. Padeirinho não frequentou a escola, aprendeu a ler e escrever sozinho. “Vou cantar esse samba do Padeirinho da mesma maneira que ele, pronunciando igualzinho a ele. Quem for vai entender como era.”
Outra música que está no repertório é “Deixa pra lá”, que fez a artista despontar no Teatro Opinião. “No dia em que cantei esse samba o teatro ‘caiu’. Eu sempre tive essa coisa de protesto. Era uma compositora negra, magrinha, pobre e que cantava música politizada. As pessoas gostavam”, falou a artista que deve interpretar ainda “Fogueira de uma Paixão”, composição de Arlindo Cruz, Acyr Marques e Luiz Carlos Da Vila (1949-2008) feita para ela.
Para quem for ao show, a cantora dá o seu recado: “ Sou uma pessoa muito simples. Uma cidadã que Deus deu o dom de fazer música, sem saber tocar violão, cavaco e nem outro instrumento”, disse a artista que deve tocar pandeiro no samba “Zé do Caroço”, música feita em 1978 e rejeitada pela gravadora “por não gostarem da letra”, mas que depois do segundo milênio foi gravada pelos grupos Revelação, Arte Popular, entrou na trilha do filme “Tropa de Elite”, sendo registrada ainda por Seu Jorge e Mariana Aidar.
Concluindo, a artista promete que o público irá assistir a um show “de muita simplicidade, mas acima de tudo de muita verdade e de construção de vida. Porque tudo o que vou cantar é dos anos 1970, e me faz lembrar exatamente como era o palanque dos compositores da Mangueira, da quadra antiga e dos coros”.
Contudo, alguns sambas mais atuais estarão no repertório, como “Me Perdoa Poeta”, que Brandão fez em alusão ao fato de Vinicius de Moraes (1913-1980) ter dito que São Paulo era o túmulo do samba.
No espetáculo, a compositora será acompanhada pelo grupo paulistano, o Sampagode, formado por Marcus Boldrini (violonista e pentacampeão de samba-enredo da Rosas de Ouro, diretor musical do espetáculo e produtor do último CD da artista, “Simples Assim”), PH (cavaco), Jeferson Ba ( percussão), Mestre Pelé (surdo) e Eder Brasil (pandeiro).
SHOW LUZ, CÂMERA E CLOSE
ARTISTAS Leci Brandão e Gustavo Galo
QUANDO Hoje (23), às 20h
ONDE No CCBB São Paulo, r. Álvares Penteado, 112, Centro, tel. (11) 3113-3651
QUANTO R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)