Canto, bolo e café
Às quintas-feiras, após as 18 horas, quem passa pela rua Napoleão de Barros, na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, em frente ao número 1.324(p), poderá escutar um bonito e afinado canto vindo de dentro de um outro pequeno, mas simpático “canto”, o Café Alquimia.
Aberto há dois anos e meio, o estabelecimento é um espaço idealizado e montado pela farmacêutica, dançarina, apresentadora e cantora paulistana Sonia Regina Presta, 48, no qual cafés, bolos e salgados são comercializados e “energizados” por sua voz.
“Energizei esse lugar para que toda pessoa que entre nele, saia muito melhor do que entrou. Por isso, ele é todo selado com tetragrammatron [pentagrama com complexa combinação de letras e símbolos], que são os olhos de Deus. Tenho eles em todas minhas portas e janelas. Aqui não entra nenhuma energia negativa. A música ajuda muito a manter o astral positivo aqui dentro.”
O Música em Letras esteve no Café Alquimia, entrevistou e gravou a cantora e seu colega Ricardo Moreno (assista vídeo no final do texto) cantando “Endless Love”, música de Lionel Richie, imortalizada por ele em famoso dueto com Diana Ross.
GÊNESE
Sonia já foi Sonya, pois chegou a usar “y” ao invés de “i” em seu nome artístico durante algum tempo. Nascida em São Paulo, foi criada em Diadema, onde seus pais, ambos imigrantes italianos, foram professores e donos da Academia de Música Diadema. O pai, Carmino Presta, era acordeonista, mas dava aula de piano, cavaquinho e violão, entre outros instrumentos. A mãe, Antonia Romanelli Presta, lecionava piano erudito. Os dois vieram da Itália de navio aos 18 anos, mas em datas e naves diferentes. Aqui se encontraram, casaram e tiveram três filhos.
Com a mãe, a partir dos 8 anos, Sonia passou a estudar piano “Durante quatro anos estudei com minha mãe, mas não aprendi quase nada, porque tinha muita briga. Com pai e mãe a gente não aprende quase nada, ainda mais com pai e mãe italianos. Fui aprender mesmo a tocar e a ler partituras quando estudei um ano de piano com a Lúcia Duarte, irmã da Regina Duarte”, contou Sonia, que aos 13 anos passou a cantar.
Adolescente, Sonia cantava muito rock, antes de enveredar pela MPB. Nas festas de final de ano da academia dos pais, que aconteciam no teatro Clara Nunes, em Diadema, Sonia, além de apresentar o evento, encabeçava, com o irmão violonista, uma banda que acompanhava os alunos da instituição. Na banda quem cantava era ela.
DO SHOPPING AO JAPÃO
Já aos 19 anos, cantava na casa Show Days Saloon, que funcionava no shopping Eldorado, em São Paulo. “Eu e meu irmão montamos um quinteto para nos apresentarmos interpretando rock nacional e internacional durante um ano. Basicamente fazíamos cover”, falou a cantora que após esse trabalho mudou-se para o Japão, onde se apresentava dançando em dois tipos de show, um com músicas brasileiras e outro com repertório internacional.
Cada show, com sete bailarinas coordenadas por um coreógrafo, durava cerca de meia hora. No internacional, danças russas, espanholas e de cabaré. No nacional, sambas e chorinhos. Moravam em Osaka, mas viajaram por vários lugares do Japão A dança também esteve presente na vida de Sonia desde muito cedo. Junto com o aprendizado musical, aos 8 anos fazia bale clássico e, dos 13 aos 17, passou para as aulas de jazz.
DROGAS E BAILES
Após seis meses, Sonia voltou para o Brasil para terminar o curso superior de farmácia e bioquímica na Universidade de São Paulo, onde havia trancado matrícula, antes de enveredar pelos caminhos da dança no Oriente.
Por essa época, seu pai morreu e Sonia virou arrimo de família. “Minha mãe adoeceu e meu irmão ficou desempregado. Foi a música que fez com eu conseguisse terminar a faculdade. Embora o curso fosse gratuito, ainda tinha contas para pagar”, contou a artista que formou-se farmacêutica, mas durante o período em que estava na faculdade cantava e dançava nas bandas de baile Saint Paul e SP3.
“Fazíamos festas para a alta sociedade, casamentos e eventos. Com a SP3, cantei durante dez anos viajando pelo Brasil, além de cantar nos bufês Torres e França, entre outros. Fiz o réveillon do Copacabana Palace durante dez anos com essa banda”, contou a cantora farmacêutica, que se formou com especialização em alimentos e realizou estágio na Nestlé, mas não quis trabalhar na área. Contudo, enquanto atuava na banda, Sônia ainda garantia uma renda fixa como responsável técnica em farmácias. “Os cachês da banda eram bons e com frequência razoável. Nessa época, fazíamos muitos eventos e ganhávamos bem.”
DO COUNTRY AO SERTANEJO
Aos 30 anos, a cantora se desligou da banda e resolveu realizar um trabalho autoral, trilhando caminhos da música country, por conta de uma proposta de um empresário. Sonya, como então se chamava, gravou um disco, um demo, com o nome de Sunny Jim, repleto de versões e nada autoral, mas o empresário sumiu.
Sonia tornou-se Sonia Regina e durante um ano ficou na gaveta da gravadora São Francisco, que em seu casting contava com muitos sertanejos, como Daniel, Rick e Renner, e as Marcianas, mas não com verba.
Em 2001, com 31 anos, a cantora deixou a gravadora e participou de um teste para ser a primeira voz da dupla Marcianas. Passou no teste, pintou o cabelo de loiro para preto, começou a usar roupas brancas e cantava: “Vou te amarrar na minha cama…”
Viajou o Brasil inteiro ao lado da outra integrante da dupla, Celina, filha de João Mineiro e dona da marca. Ficou um ano atacando de Marcianas, mas ficou “verde” de tanto cantar, com playback, em festas de peão, boates e o que mais aparecesse. “Não fiquei porque não aguentei a Celina. Ela é minha amiga até hoje, mas para trabalhar com ela não dá”, disse a cantora que chegou a gravar, nessa formação, a música “Quando Partir”, produzida pelo Chrystian, da dupla Chrystian e Ralf. “Não gravei disco cheio esse ano. Não tínhamos gravadora, o empresário estava quebrado, meu carro é que ficava na estrada o ano inteiro, e eu sem grana. Resolvi que não dava mais para viver daquele jeito e decidi parar de ser uma das Marcianas.”
Segundo Sonia, o que a sustentava economicamente era a verba que vinha de uma farmácia. “Eu ‘assinava’ para uma farmácia, mas não ia lá. Cozinhava bastante nessa época e só”, disse a farmacêutica que nunca usou drogas, além de cantar músicas ruins.
“Nunca usei drogas, embora no meio haja muita. Me pediam receitas, mas para remédios de emagrecer. Isso foi o mais perto que cheguei da ilegalidade, mas não dei e nem podia dar, pois nem era a dona da farmácia.”
PLANETA DOS BUFÊS
Das Marcianas, Sonia montou a banda Elite para atacar no planeta dos bufês. Na banda, baixo, bateria, teclado, guitarra e duas vozes tinham como alvo festas de casamento. No repertório, um pouco de tudo, pop, rock, MPB e sertanejo, entre outros gêneros. “Fazíamos a festa desde o início e não tínhamos hora para acabar. Era comum passarmos do horário [combinado] e, muitas vezes, já estávamos exaustos e a noiva pedia para continuarmos, porque achava que estávamos acabando com a festa dela. Era um trabalho dificílimo de fazer”, disse a cantora que reconhece ter ganho bem desempenhando essa função até o mercado ser invadido por inúmeros concorrentes. Naquela época, segundo ela, vários ex-músicos viraram donos de banda.
Depois de três anos integrando a banda Elite, a artista viajou para os Estados Unidos e se apresentou em Atlanta. “Cansei. Não aguentava mais aqueles músicos infernais que saíam para fumar maconha, voltavam loucos, e subiam com uísque no palco. Era uma vida muito difícil, embora desse algum dinheiro porque eu ainda era a dona da banda. Apareceu uma oportunidade para visitar uns amigos em Atlanta e fui para ficar uma semana, mas passei seis meses cantando em bares latinos e norte-americanos”, disse a cantora que, mesmo tendo passaporte italiano o que facilitaria sua permanência nos Estados Unidos, retornou ao Brasil e retomou seu trabalho com a banda Elite.
Versátil, a cantora passou mais dois anos atacando de cantora na Elite e em cerimônias de igrejas. “Sou mezzo soprano, canto árias líricas também. O que precisar, a gente tira e faz. Estudei cinco anos de canto com a Eliete Negreiros e um ano com a Nanci Miranda.”
POCKET SHOWS E PROGRAMAS DE TV
Após cantar em igrejas, Sonia passou a realizar pequenos shows de 40 minutos de duração, que faz atualmente, chamados de “Pocket Broadway”. Neles, interpreta músicas dos anos 1960, 1970 e temas de filmes, na companhia de mais um cantor e um balé.
Junto com os shows, a multiartista retomou seu talento de apresentadora e começou a gravar programas de entrevistas, com 20 minutos, para serem veiculados na internet. O nome? “Sonia Presta Online” (2006-2007). A experiência deu certo e a apresentadora montou uma TV pela internet chamada Café e Revista, mas não vingou. Depois disso, a apresentadora passou pelo canal “Veja Descontos” e iniciou as transmissões, às 9h15 das manhãs de sábado, do programa “Saúde e Beleza da Sonia Presta”, pelo canal 9 da NET. “Eu apresentava o programa e usava meu conhecimento de farmacêutica falando de saúde, bem-estar, cirurgia plástica, com foco na alimentação, que era minha área.”
Entre 2009 e 2013, Sonia Presta se apresentou nos navios da Costa Cruzeiros, com um show de músicas italianas chamado Fortíssimo, sob direção do cantor da jovem-guarda Dick Danielo. “Fazia dois shows no período de nove dias, indo de São Paulo a Buenos Aires, passando por Punta Del Leste. Adorei esse trabalho por me remeter muito à minha origem italiana.”
O CAFÉ E A ALQUIMIA
Sonia foi casada três vezes. Sua última união foi com um alquimista e numerólogo. Tornou-se sua assistente em eventos e em sua loja, que comercializava pedras, incensos, velas, cursos e, entre várias outras coisas, um disco gravado por ela. “Vendíamos meu CD de músicas lentas o ‘ ‘, que é um mantra havaiano para acalmar a mente.”
A união com o alquimista se desfez, mas a ideia de um espaço perdurou e se concretizou embasada em um estudo com o ex-marido sobre alquimia. Por essa razão, batizou o café de Alquimia. “A intenção era de que fosse um espaço onde o café seria apenas um apoio. No começo, havia uma loja aqui, com velas, pedras, CDs, e vários DVDS dele, além de duas salas disponíveis para terapias, inclusive as praticadas por ele, mas assim que abri o café, no primeiro mês, ele terminou comigo. Ele não queria essa responsabilidade e nem um vínculo com o nome dele e pulou fora do barco. Fiquei três anos com ele, mas depois soube que não era a pessoa que eu pensava que fosse. Aí tive que transformar esse espaço em um café para fazer funcionar. Parei com a loja e hoje disponho apenas de um espaço nos fundos para uma taróloga, amiga minha de muitos anos, a Rovena, que eventualmente atende lá, mas só com hora marcada.”
Todos os doces e bolos comercializados no local são feitos por Sonia, que cozinha e tem paixão pela culinária desde criança. Entre as produções que mais saem, destaque para o bolo de banana caramelada, uma receita própria da alquimista cantora, que custa R$ 5,30 o pedaço.
O café é do sul de Minas, 100% arábica, da marca “Café no Mercado”, com produção certificada e vários prêmios. Os blends dos expressos comercializados são do sul de Minas e do cerrado mineiro. Os coados são orgânicos do Espírito Santo, além do sul de Minas e do cerrado mineiro também.
Estranhou a fração no preço do pedaço de bolo e do café? A alquimista explica: “Eu trabalho sempre com o número oito, por causa da numerologia. O oito na numerologia é a prosperidade, o infinito. Por isso todos os preços aqui, quando somados, dão oito. Meu pão de queijo custa R$ 4.40; os bolos, R$ 5.30, R$ 6.20 ou R$ 8. Tudo dá oito”, disse a proprietária que se estabeleceu na casa de número 1.324 da rua, mas acrescentou a letra “p” ao número para “equilibrar e dar o número oito”.
Sonia, aquariana, católica apostólica romana e espiritualista, atende no café ao lado de seu amigo e colega de profissão, o tenor Ricardo Moreno, 55. “Trouxe o Ricardo dos eventos que realizávamos juntos. Ele nunca havia trabalhado de barista ou como atendente. Ele estava, como quase todos os artistas brasileiros, sem trabalho e um dia eu o convidei e ele topou ser treinado por mim. Faz quatro meses que trabalhamos e cantamos juntos aqui”, contou a artista sobre o cantor de repertório popular que, como ela, já gravou jingles, trilhas, e spots para rádio, TV e cinema em praticamente todos os estúdios de São Paulo, além de ter sido backing vocal.
Os dois artistas e baristas cantam acompanhados de playback, sempre às quintas-feiras, por uma razão. “Esse dia da semana foi eleito por mim por ser o dia do raio verde. O dia da prosperidade. Tudo que fazemos na quinta-feira frutifica. Essa é minha crença. É por isso que os judeus fazem muitas festas nas quintas-feiras, para trazer dinheiro e prosperidade”, falou a cantora que se apresenta em dueto e reveza com seu colega interpretações solo.
“Se as pessoas não nos contratam, nós nos contratamos”, disse Sonia, que já contou com cerca de 20 pessoas assistindo ao pequeno show, no pequeno espaço.
No repertório, músicas internacionais, além de músicas conhecidas nas vozes de Lulu Santos e Marisa Monte. “Atendemos pedidos também, sem problemas. Às vezes, crianças pedem e cantamos o tema do filme ‘Frozen’, por exemplo”, falou a artista que realiza sua performance em uma sala com cerca de 25 metros quadrados, que comporta 12 pessoas sentadas.
Para quem for ao café assistir à performance dos dois artistas, Sonia alerta: “Na alquimia se diz o seguinte, ‘Pense em nada ou pense em tudo, você pode meditar o tempo todo’. Então, não existe essa regra de esvaziar a mente. Simplesmente exista, respire e você vai receber. Deixe seu subconsciente trabalhar, porque a mente mente para a gente, ela nos engana o tempo todo.”
No local, há uma caixinha onde quem quiser deposita a quantia que achar justa pela apresentação, pois a casa não cobra couvert.
Assista, a seguir, ao dueto que Sonia Presta e Ricardo Moreno realizam ao interpretarem, com exclusividade, ao Música em Letras, “Endeless Love”, música de Lionel Richie.
CANTO NO CAFÉ
ARTISTAS Sonia Presta e Ricardo Moreno
ONDE Café Alquimia, r. Napoleão de Barros, 1324(p), Vila Clementino, São Paulo, tel. (11) 3807 2926
QUANDO Sempre às quintas-feiras, das 18h às 19h. O café funciona regularmente de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 19h; aos sábados, das 9h às 4h.
QUANTO Não é cobrado ingresso ou couvert. Dá-se a quantia que desejar.