Sonoridade do Nouvelle Cuisine volta a encantar

Carlos Bozzo Junior
O cantor Carlos Navas e o vibrafonista Guga Stroeter
O cantor Carlos Navas e o vibrafonista Guga Stroeter (Foto: Carlos Bozzo Junior)

Acontece, na próxima sexta-feira (13), no espaço Tupi or not Tupi, na Vila Madalena, em São Paulo, o show em comemoração aos 30 anos do grupo Nouvelle Cuisine.

O Música em Letras esteve na casa do músico Guga Stroeter, 56, um dos fundadores do grupo e, ao lado da produtora Vanêssa Rocha Rêgo, idealizador dessa homenagem. O blog entrevistou o músico e gravou um vídeo, com ele e o cantor Carlos Navas, mostrando um pouco do que irá acontecer nesse show que promete muita música de qualidade e interpretações únicas.

Entre 1987 e 2005, o quinteto paulistano de jazz Nouvelle Cuisine ganhou notoriedade por interpretar, por meio de uma sonoridade envolvente, arranjos enxutos e bem elaborados, clássicos do jazz e da música popular brasileira. O grupo era formado pelo cantor Carlos Fernando, o vibrafonista Guga Stroeter, o guitarrista Maurício Tagliari e o clarinetista Luca Raele. Depois de Carlos Fernando optar por carreira solo, deixando de integrar o grupo, foi substituído por Estela Cassilatti, que gravou o disco “Free Bossa” (2000), o quarto do quinteto.

No show de sexta-feira, o cantor Carlos Navas, 48, junta-se ao veterano do grupo, Guga Stroeter, e a Dino Barioni (violão), Pablo Lyon ( baixo acústico) e Eliasafe Costa (clarinete) para homenagearem o Nouvelle Cuisine, com muita propriedade.

“Nada Além”, de Custódio Mesquita (1910-1945) e Sadi Cabral (1906-1986), música escrita para a peça teatral “Rumo ao Catete” (1937) e gravada em 1938 pelo Cantor das Multidões, Orlando Silva (1915-1978); “Se você Jurar”, de Ismael Silva (1905-1978), Nilton Bastos (1899-1931) e Francisco Alves (1898- 1952); além de “Quando o samba acabou”, de Noel Rosa (1910-1937), estão no repertório do show obedecendo a estética sonora criada pelo Nouvelle Cuisine.

As músicas acima fazem parte do repertório do cantor Carlos Navas (conhecedor e admirador da obra integral do Nouvelle), que as gravou em seus discos, homenageando Custódio Mesquita e o cantor Mario Reis (1907-1981). “Se você Jurar” está no repertório do disco do Nouvelle Cousine “Novelhonvo” (1995) e, segundo Guga Stroeter, “Nada Além” fazia parte do repertório dos shows do quinteto por conta de a música ser um fox, ou seja, “um jazz brasileiro”. “O Custódio Mesquita era um cara que tinha melodias sinuosas, muito bem feitas. Portanto, sempre curtimos fazer músicas dele no Nouvelle. Apenas adaptamos e achamos um ponto de congruência entre o Nouvelle e a obra solo do Carlos Navas.”

O quinteto teve Carlos Fernando como cantor até o terceiro disco, “Novelhonovo”, quando o cantor partiu para realizar seu disco solo. Por um tempo, o quinteto ainda contou com a voz de Estela Cassilatti, até a cantora mudar-se para a Inglaterra, onde ainda reside e trabalha. “Ficamos sem cantor e acabamos por virar um grupo de amigos que conversa, janta e troca ideias sobre música. O Luca e o Maurício mergulharam fundo no YB, estúdio de gravação e também um selo deles. Eu tenho minha carreira, mas não voltamos a tocar juntos. Acabou…sei lá porquê. Por que parou? Parou por quê?”, contou rindo o músico.

Perguntado se essa homenagem abre a possibilidade de o quinteto ser retomado, Stroeter respondeu: “Estamos em busca da sensação de tocar e cantar aquele repertório e de ter a troca com o público O Nouvelle não foi só um grupo de música. Ele criou uma atmosfera que foi construída através dos arranjos, que guardo com muito carinho, independentemente de ter tido sucesso ou não. Aquele som do vibrafone, do baixo acústico minimalista com o clarinete é uma delícia de fazer. Não sei o que vai acontecer daqui para frente. Pretendo sempre trabalhar me aproximando daqueles critérios estéticos e tomara que a gente vá adiante.”

Guga Stroeter e Carlos Navas (Foto: Divulgação)

O vibrafonista convidou os músicos da primeira formação do Nouvelle para participarem do show. “O Maurício não pode porque está tocando com a Laya, uma cantora. O Luca está enrolado. O Carlos Fernando não está mais cantando, pode até dar uma canja, mas é um cara que não trabalha mais com música. Então, está tudo suspenso.”

Para Stroeter, quem for ao show deve se preparar para “relaxar e mergulhar”. “Mergulhar porque é uma viagem. É entrar no local e se submeter a esse mundo econômico, expressivo, quente e minimalista do Nouvelle. É essa a viagenzinha.”

Sobre as muitas solicitações feitas para que o grupo retorne, Stroeter comenta: “As pessoas que viveram o Nouvelle Cousine, naquela época, viveram com muita intensidade. Foi um lançamento único de um segmento perdido. Nos anos 1990, havia o poprock muito forte e, de repente, havia o Nouvelle, que não tinha nada a ver com ninguém. Muita gente namorou ao som e sob a atmosfera do grupo. Por isso, queremos convidar essas pessoas para estarmos juntos. Quem nunca viu, não vai ver o Nouvelle, mas vai ter um experiência de imersão nesses critérios.”

A nova formação conta apenas com Stroeter do grupo original. Isso já não é o suficiente para mudar a atmosfera sonora criada pelo Nouvelle? É possível recriar o mesmo clima com músicos diferentes? “Quando a gente recupera todas as partituras e todos os arranjos, na maioria minimalistas, temos o que está escrito para ser interpretado daquela forma. Aí temos uma coisa muito peculiar do jazz, que é a expressão do grupo e a individual, de cada músico. Mas o som do grupo está lá, porque é um som muito próprio. É o som do baixo acústico, do clarinete, do vibrafone, do violão guitarra e da voz. Ao ouvir poucos acordes você já relaciona o som com nossa história.”

Os arranjos das músicas serão os mesmos de outrora. “Muitos foram criados pelo Carlos Fernando e pelo Luca. O Carlos Fernando não tocava, mas era intuitivo. Ele tinha uma orquestra sinfônica na cabeça. O Luca era o músico que estudava na USP, eu estudava psicologia, o Maurício, comunicação, e o Flávio trabalhava na Caixa Econômica. O Carlos tinha as ideias; o Lucas escrevia as partituras e passava para o grupo. Logicamente que tinha um monte de sugestões minhas e do Maurício”, contou Stroeter que apenas transcreveu alguns arranjos adequando-os a tons mais favoráveis à suave voz de Navas.

O cantor Carlos Navas e o vibrafonista Guga Stroeter (Foto: Carlos Bozzo Junior)

Para Carlos Navas, quem for ao espetáculo “deve ter em mente que não sou o Carlos Fernando, aliás um dos meus cantores preferidos”, disse rindo o cantor, que em sua carreira conceitual está acostumado a rever obras musicais, tais como a “Arca de Noé”, de Vinicius de Moraes (1913-1980), e os trabalhos de Custódio Mesquita e Mario Reis. Navas gosta de se lançar nesses desafios.

A primeira vez que Navas ouviu o Nouvelle Cousine, estava ao telefone, na produção do programa Mix 4, com Serginho Groisman, na TV Gazeta. “Ouvi aquilo e nem imaginava que eu seria cantor, pois eu estudava jornalismo naquela época, mas aquilo ficou para sempre em minha cabeça. A partir daí, passei a ir a vários shows deles, no Aeroanta, no MASP, no Heineken Concert, no Supremo Musical, no Blen Blen, com a Estela, e até em Campinas, no Centro de Convivência”, disse o artista que tem todos os discos do grupo e associa a sonoridade do Nouvelle à elegância e à sofisticação do passado.

Segundo Navas, era seu sonho ser cantor do Nouvelle Cousine, pois, além de achar “chique”, o som do quinteto sempre o tocou na alma. “Quando pedimos com muita força, o universo responde. Não me sinto inseguro. É um desafio. Quando fazemos trabalhos assim, estamos sujeitos a comparações, vão comparar mesmo, mas isso é a vida. Estou fazendo sem nenhuma pretensão de ser melhor do que ninguém”, falou.

Para Stroeter, o cantor é um achado para complementar a sonoridade do quinteto. “É impossível ser outra pessoa. Não estou puxando o saco, vou explicar. Sou um artista que não tenho um repertório convencional. Por exemplo, toco salsa. O que eu faço? Pego um monte de discos de salsa, vou na casa do cara [cantor], ouvimos, ele decora, aprende e faz [canta]. Gosto também de cool jazz. Como tem pouca gente que faz cool jazz, basicamente temos que passar pelo mesmo processo, ou seja, mesmo a pessoa cantando pra cacete há um processo de aprendizagem, ouvindo, decorando e aprendendo para fazer [cantar]. O Carlos Navas é um cara que veio pronto. Ele conhece o grupo mais do que eu, tem todos os discos do Nouvelle. Os meus, dei para os amigos, nem tenho mais. Isso acontece com todo músico porque sempre que alguém vem te visitar, você acaba dando os discos de presente”, contou rindo Stroeter.

No dia 5 de novembro, às 19hs, o show se repete no Auditório Ibirapuera, ocasião em que o maestro e pianista Ogair Junior substitui o violão guitarra de Dino Barioni. “Mas está tudo dentro; no Nouvelle, o Luca tocava clarinete e piano porque ele se recusava a tocar teclado. Então tínhamos dois shows, um só com clarinete e a guitarra fazendo harmonia, e outro com piano, quando havia esse instrumento acústico. É por isso que para todas as músicas temos duas versões”, explicou Stroeter.

Assista, a seguir, ao vídeo no qual os dois artistas dialogam de improviso, interpretando a música “Embraceable You”, de George (1898-1937) e Ira Gershwin (1896-1963), com exclusividade para o Música em Letras.


SHOW COMEMORAÇÃO DE 30 ANOS NOUVELLE COUSINE
ARTISTAS Guga Stroeter e Carlos Navas
QUANDO Sexta-feira (30), às 21h30
ONDE Tupi or Not Tupi, r. Fidalga, 360, Vila Madalena, São Paulo, tel. (11) 3813 7404
QUANTO R$ 55