A “Sabiá” de quase meio século e os sabiás da atualidade
Há muitos tipos ou espécies de sabiás, entre os pássaros, que nos parques municipais de São Paulo são permitidos de ser fotografados apenas mediante autorização concedida no site da prefeitura.
Entre os “sabiás”, além dos pássaros, há também o personagem homônimo. interpretado pelo ator Jonathan Azevedo, em “A Força do Querer”, que cresceu tanto na novela que a autora Gloria Perez resolveu deixá-lo até o final da trama.
Contudo, o Música em Letras abordará neste post, além do pássaro canoro conhecido por sabiá-laranjeira, a música “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim (1924-1984), canção que na próxima sexta-feira (29) completa 49 anos, data em que venceu a final do III Festival Internacional da Canção Popular, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro.
Atual e em voga, os acordes e a melodia de “Sabiá” também estiveram presentes, na última sexta-feira (22), interpretada pela fadista Carminho, na suntuosa festa promovida pelo advogado criminalista de, entre outros famosos, Joesley Batista, Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, para celebrar seus 60 anos em terras portuguesas.
A canção, que venceu o festival derrotando “Pra não dizer que não falei das flores”- alcunhada pelo povo como “Caminhando”, de Geraldo Vandré-, foi interpretada pelas cantoras baianas Cynara e Cybele (1940-2014), integrantes do grupo vocal Quarteto em Cy, mas que na ocasião apresentavam-se em dupla. Cynara foi entrevistada semana passada, com exclusividade, para o Música em Letras.
Leia, a seguir, sobre a canção, o pássaro, e assista, no final do texto, à sinfonia que esse ser alado realiza nesta época do ano pelas ruas de São Paulo, que confirma o dito popular: “Sabiá cantou. O inverno passou. Primavera chegou”.
A MÚSICA
No dia 29 de setembro de 1968, a música “Sabiá”, de Chico e Tom, teve arranjo de Eumir Deodato e contou, entre outros músicos que integravam a orquestra da Rede Globo, com Radamés Gnattali (1906-1988) ao piano. O público do Maracanãzinho foi ao delírio, vaiando a canção pelo fato de ter conquistado o primeiro lugar do III Festival Internacional da Canção Popular, evento que teve sete edições, entre 1966 e 1972.
O festival tinha duas fases. A nacional, para escolher a melhor canção brasileira, e a internacional, para eleger a melhor canção de todos os países que participavam do evento. A concorrente brasileira da fase internacional era a vencedora da fase nacional.
A razão da enorme vaia deu-se porque o público queria para ocupar o posto de primeiro lugar, “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, que ficou em segundo lugar, sendo interpretada pelo autor. A música notabilizou-se como hino contra a repressão política no país que, na ocasião, estava sob regime militar.
Em terceiro lugar ficou “Andança”, de Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós (1945-2013), interpretada por Beth Carvalho e Golden Boys; em quarto lugar, “Passaralha”, de Edino Krieger, defendida pelo Grupo 004; e em quinto lugar, “Dia de vitória”, de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, defendida por Marcos Valle.
O festival foi, sem dúvida, um dos marcos da MPB. O evento era forte e ficou na história. Afinal, participaram nas eliminatórias nacionais compositores de peso, figurando, entre outros, nessa edição de 1968 nomes como Jorge Ben Jor, com “Congada”; Gilberto Gil, com “Questão de Ordem”; Toquinho e Paulo Vanzolini (1924-2013), com “Na Boca da Noite”; Tom Zé, com “Sem Entrada, Sem Mais Nada”; Renato Teixeira, com “Era Azul”; Os Mutantes, com “Caminhante Noturno”; Sérgio Ricardo, com “Canção do Amor Armado”; e Johnny Alf (1929-2010), com “Plenilúnio”; além de Caetano Veloso, com “É Proibido Proibir”.
Em uma das eliminatórias, que aconteceu no Teatro da Pontifícia Universidade Católica (Tuca), em São Paulo, Caetano Veloso também foi vaiado cantando, com Os Mutantes, a música “É Proibido Proibir”. O cantor e compositor baiano proferiu um discurso, no momento em que o público virou-lhe as costas, que “causou” e se tornou famoso. “Mas é isso é que é a juventude que diz que quer tomar o poder? […] A mesma juventude que vai sempre matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! […] Se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos!”, disse, “tirando” e afrontando o público, Caetano Veloso.
Voltando à vencedora “Sabiá”, a música está registrada no LP “Chico Buarque – Não Vai Passar, vol. 4” (1970), ao lado de “Retrato em Branco e Preto”, “Ela Desatinou”, e “Tema para Morte e Vida Severina”.
Consta que foi seu parceiro, Tom Jobim, que mudou parte da letra de autoria de Chico, alertando-o de que “um sabiá”, grafado no gênero masculino, não o agradava. Para o eterno maestro soberano, “uma sabiá” era mais conveniente de figurar na letra por retratar melhor a linguagem utilizada por caçadores que se referiam à ave como “uma sabiá”. Chico acatou Tom, e na letra da música o gênero da ave passou para o feminino.
Em um filme que documenta a premiação em primeiro lugar do festival para “Sabiá”, no qual a música campeã é reinterpretada, pode-se ver, na plateia que lotava as arquibancadas do estádio do Maracanãzinho, uma faixa com os dizeres “O Galo já é da Sabiá”, em alusão à vitória da canção e ao troféu em formato de galo, criado por Ziraldo e confeccionado pela joalheria H. Stern.
Também aparecem no filme as cantoras Elis Regina (1945-1982), Eliana Pitmann, e o apresentador Abelardo Barbosa (1917-1988), o Chacrinha, e os compositores de “Sabiá”, Tom Jobim, Chico Buarque, além de Cynara e Cybele. O filme pode ser assistido em https://www.youtube.com/watch?v=Zhxcu55PRHI
A “SABIÁ” POR CYNARA FARIA
O Música em Letras entrevistou a cantora Cynara Faria que, em dupla com Cybele, sua irmã, interpretou a música campeã sob aplausos e vaias.
Música em Letras: O que você e Cybele sentiram quando foram apresentadas à “Sábiá”?
Cynara Faria: A primeira vez que o Tom nos mostrou a composição foi na casa dele e nos apaixonamos direto pela música. Ensaiamos muito com ele, para o festival. Ele morava na Rua Codajás, no Leblon, com entrada pela Visconde de Albuquerque. Íamos sempre lá para ele distribuir as duas vozes da nossa dupla. Foi uma fase linda de aprendizado, de muita harmonia e de convívio musical. O Tom era sensacional, uma pessoa bem-humorada e cheio de histórias para contar.
ML: O arranjo do Eumir Deodato favorecia as vozes?
CF: O arranjo foi inspirado pelo Tom, que sempre deu todas as ideias harmônicas para o Eumir. Todas as músicas do Tom têm a sua marca. Ele queria muito dar ideias na harmonia, mas não abria mão de salientar a melodia, o que ele achava ser primordial numa canção.
ML: O que você mais recorda no momento da apresentação na final do III Festival Internacional da Canção Popular?
CF: Quando vejo novamente o filme da apresentação de “Sabiá” no festival, comigo e com a Cybele, vem uma grande alegria de termos participado daquele momento musical histórico, ao lado de dois dos maiores ícones musicais que o Brasil já teve. O Tom e o Chico são autores de um país que deu certo, àquela altura. E mesmo tendo vivido durante uma ditadura, conseguimos cantar e passar as melhores mensagens. Mas a história mostrou que o reconhecimento do que o país viveu naquela ocasião não foi muito assimilado. Hoje, o Tom é visto como um grande músico, e o Chico é um gênio do seu tempo. Mas duvido que se o Tom estivesse vivo, ele tivesse o reconhecimento certo. Não estou me queixando, mas é a pura verdade.
ML: Como foi lidar com as vaias?
CF: Lidar com as vaias foi difícil, a Cybele ficou enraivecida e eu fiquei achando que aquilo tudo era um pesadelo. Mas depois, meditando sobre o assunto, vi que o momento era muito político; 1968 foi o ano do AI5 e o povo queria carimbar os seus anseios, preferindo a música do Vandré, embora fosse uma canção sem harmonia, só com apelo político. Mas tudo passa, né? Hoje, nos nossos shows, é gritado o nome da “Sabiá”, quer dizer, é uma música que marcou.
ML: Onde e de que maneira vocês comemoraram a vitória?
CF: Comemoramos o festival na casa do Tom, na companhia de vários intelectuais e amigos dele, como Paulo Mendes Campos, Ziraldo, Tarso [de Castro], e, no final da história, o Tom pôs todo mundo para fora porque havíamos acabado de saber que o Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, havia falecido. Foi um horror o final do festejo. Todos tristes no final. Essa é a história.
ML: Em São Paulo é proibido fotografar pássaros, incluindo o sabiá, em parques, sem autorização prévia. Qual sua opinião sobre isso?
CF: Não entendi. Não poder fotografar pássaros, e a sabiá? Isso é demais. Não podemos mais nem apreciar a natureza, os bichos e os pássaros. É isso mesmo? Puxa vida!
ML: Você assiste à novela “A Força do Querer”? Qual será, em sua opinião, o destino do traficante Sabiá, interpretado por Jonathan Azevedo?
CF: Assisto à novela e vejo um Sabiá totalmente diferente do, ou da, sabiá que o Tom e o Chico imaginaram. O nome sabiá é lindo e bom para os ouvidos, soa como música sempre. Mas essa personagem me desanima. Diante de tanta violência, a gente assistir a mais violência nas novelas é um dado ruim para quem assiste, embora seja a maior verdade ali posta pela autora.
SABIÁS NA MADRUGADA
Voltando ao ser alado, o mais curioso é que os sabiás ou as sabiás, nesta época do ano, atacam de galos nas árvores e postes de São Paulo, despertando a população. O show é repetido ao cair da tarde. O bicho é visto com frequência percorrendo o solo, mas nunca muito longe das árvores.
A sabedoria popular diz que quando essa ave canta o frio foi embora. Há quem não goste e reclame da longa sinfonia. “Um saco! Não param nunca. Dizem que o canto é para acasalar. Pô, eles que vão cantar suas pretendentes em outro lugar, não na frente da minha janela”, disse um músico que pediu para não ser identificado e tem seu sono interrompido diariamente pelo canto do pássaro que pode ser ouvido a mais de um quilômetro de distância.
O canto dessa ave assemelha-se ao som de uma flauta e pode durar até dois minutos, sem nenhuma interrupção. A “frase” principal pode conter de 10 a 15 notas. Plagiador, o sabiá pode imitar facilmente vocalizações de outras aves como o joão-de-barro e o noturno curiango. Contudo, não existem dois sabiás que cantem da mesma maneira. Segundo uma lenda indígena, quando uma criança ouve o canto do sabiá durante a madrugada, no início da primavera, ela será abençoada com amor, paz e felicidade.
Identificado pela cor laranja-ferrugem do ventre, com a penugem do dorso em tom marrom-acinzentado, donos de um canto melodioso durante o período reprodutivo, o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) é ave comum na América do Sul e, certamente, o mais conhecido de todos os sabiás. As fêmeas tendem a ser maiores que os machos e um pouco mais claras no ventre. Medem cerca de 23 centímetros de comprimento, o bico é reto, de cor amarelo-oliva, as patas são cinzas, e o olho negro circundado de amarelo.
O ninho dessa ave é feito entre setembro e janeiro para abrigar de três a quatro ovos verde azulados, com pintas sépias. Filhotinhos nascem após 13 dias de choco, e recebem atenção tanto do macho quanto da fêmea, antes de deixarem o ninho, depois de três semanas. Cada fêmea choca três vezes por ano, e pode gerar até seis filhotes por temporada. O tempo de vida de um sabiá-laranjeira pode chegar até dez anos na natureza. No meio urbano esse período tende a ser menor.
O bicho come bichos e frutas. Entre eles artrópodes, larvas, girinos, minhocas e frutas maduras. Dispersor de sementes de espécies frutíferas que consome, a ave as regurgita ou as expele em suas fezes fertilizantes, tornando-as mais propícias à germinação.
Tudo indica que o nome sabiá deriva do tupi” haabi’á” antes de no Brasil adquirir uma infinidade de denominações populares, tais quais sabiá-poca, sabiá-amarelo, sabiá-vermelho, sabiá-de-barriga-vermelha, sabiá-gongá, sabiá-laranja, sabiá-ponga, piranga, ponga, sabiá-coca, sabiá-cavalo, sabiá-piranga, e sabiá-de-peito-roxo.
Símbolo do Estado de São Paulo desde 1966, o sabiá-laranjeira é considerado popularmente a Ave Nacional do Brasil, segundo decreto de 3 de outubro de 2002, do então presidente Fernando Henrique Cardoso. A ave foi alçada oficialmente a símbolo nacional ao lado da bandeira, do hino, do brasão de armas e do selo do país.
Além de figurar no emblema oficial da Copa das Confederações de 2013, realizada no Brasil, o sabiá é citado por diversos poetas como o pássaro que canta o amor e a primavera. Entre os poetas, artistas e escritores que enalteceram a ave figuram Luiz Gonzaga (1912-1989), Patativa do Assaré (1909-2002), Jorge Amado (1912-2001), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Milton Nascimento e o poeta romântico Gonçalves Dias (1823-1864), cujo poema “Canção do Exílio” perenizou a ligação entre a ave e as terras brasileira nas estrofes: “Minha terra tem palmeiras,/Onde canta o Sabiá;/As aves que aqui gorjeiam,/Não gorjeiam como lá.”
SABIÁ REGULADO
Se você pretende capturar um sabiá, saiba que no Brasil constitui crime a manutenção e/ou criação de animais silvestres (e a ave é um deles) em cativeiro sem a devida licença do IBAMA. E se por acaso sua intenção é capturar imagens dessa criatura em parques da cidade de São Paulo, saiba também que para a produção de fotos e filmes para uso pessoal, é preciso requerer uma autorização da administração do parque, preenchendo uma ficha e assinando um termo se comprometendo a não comercializar as imagens.
O endereço do site da prefeitura é http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/parques/index.php?p=142343
Por enquanto, assista a seguir ao vídeo feito com exclusividade pelo Música em Letras às 5 horas do primeiro dia da primavera de 2017 na capital paulista. Foram captados vários cantos de sabiás em plena sinfonia, no bairro de Perdizes, zona oeste de São Paulo. Aproveite antes que direitos autorais passem a ser cobrados.