Violinista francês mostra seus 15 anos de Brasil em show
Quando um autêntico carioca diz e escreve que um autêntico francês- o violinista Nicolas Krassik, 48- “entendeu o sotaque carioca e sua ginga, refinou ainda mais seu timbre, impulsionado por arcadas precisas e uma técnica que só ouvindo…”, e esse carioca é o exímio músico Luís Filipe Lima, instrumentista que toca violão de 7 cordas com pitadas “horondianas”, acredite.
Luis Filipe Lima, que aprendeu a tocar o instrumento com o mito Horondino José da Silva, conhecido como Dino 7 Cordas (1918 – 2006), é quem escreve no encarte de “Antologia Nicolas Krassik – 15 anos de Brasil”, excelente CD de Nicolas Krassik, que se apresenta em show sábado (26) no Sesc Campo Limpo e domingo (27) no Sesc Belenzinho em trio.
O Música em Letras esteve ontem (24) com o violinista francês no Parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, um dos locais apreciados por Krassik, que morou no Rio de Janeiro durante 15 anos e está morando em São Paulo há um ano e dois meses.
“Tenho me surpreendido muito com São Paulo. Vivi uma época no Rio, em que havia uma efervescência muito grande da galera do choro, na Lapa. Hoje, vejo isso aqui. Percebo que tem uma galera muito forte em São Paulo dedicada à música, além de várias casas de show e rodas de choro maravilhosas”, disse o artista que tem sete CDs lançados. “Na Lapa”, “Caçuá”, “Cordestinos”, “Odilê Odilá”, “Nordeste de Paris”, “Mestrinho & Nicolas Krassik” e “Antologia Nicolas Krassik – 15 anos de Brasil”.
Assista ao vídeo no final do texto, no qual o artista interpreta com exclusividade para o blog “Lamento Sertanejo”, de Dominguinhos (1941-2013) e Gilberto Gil, com quem o violonista tocou durante cinco anos, entre outros artistas consagrados, como Marisa Monte, João Bosco e o pianista Michel Petrucciani (1962 – 1999).
DA FRANÇA PARA O BRASIL
Krassik nasceu em Maisons-Alfort, subúrbio de Paris, filho de um pai que toca violão e uma mãe pianista. “Minha mãe era formada em conservatório e foi professora de crianças com deficiência visual e meu pai toca até hoje”, disse o artista que lembra de seu progenitor tocando músicas de Villa-Lobos (1887- 1959) e de Baden Powell (1937-2000).
O músico estudou violino durante 14 anos. Começou aos 5 anos de idade até se formar como intérprete em música erudita. “Estudei todos esses anos em um conservatório, só não fui para um conservatório de nível superior em Paris ou em Lion porque quis estudar música popular”, falou o músico que frequentou o Conservatoire National de Region d’Aubervilliers-la Courneuve, e estudou jazz no C.I.M. (Centre de Fomation Musicale de Paris), com o violinista Jean-Luc Pino.
O som dos violinistas Didier Lockwood, e Jean-Luc Ponty fizeram com que Krassik despertasse para o popular. “Quando vi esses caras tocando na TV com guitarra, baixo elétrico e bateria decidi que era aquilo que queria fazer. Até então, nem pensava em ser músico, embora minha mãe me incentivasse bastante”, contou o artista que tocava apenas por lazer.
O jovem passou a estudar com Dominique Pifarély e o próprio Didier Lockwood, seu ídolo. “Com esses caras estudei, além do bebop e do jazz, música contemporânea e isso me abriu muito a cabeça.”
Com 21 anos Krassik já tocava profissionalmente, com o guitarrista bretão Pierrick Hardy. “Pierrick era apaixonado por música brasileira. Foi por meio dele que conheci João Bosco, Dominguinhos e mais um monte de outros artistas brasileiros”, disse o artista que dessa forma entrou no universo da cultura brasileira, encantou-se, e passou a jogar capoeira, além de dar canjas em grupos de músicos brasileiros em festas e bares na França.
Dividindo seu tempo entre o jazz e a música brasileira, Krassik foi convidado a integrar um quarteto de cordas tradicional (dois violinos, viola e violoncelo) para acompanhar o renomado pianista Michel Petrucciani, participando de turnês internacionais – incluindo o festival de Montreux-, e com ele gravou o CD “Marvellous”, em 1994.
“O Petrucciani fez inúmeras audições com músicos clássicos para acompanhá-lo em seu trio, mas não rolava. Quem me indicou foi o Didier Lockwwod. Fui, fiz a audição e consegui o trabalho, mas perdi uma grande oportunidade em minha vida, porque ele, o Petrucciani, queria me dar aulas e eu, por ser muito tímido, recusei. Logo em seguida ele morreu.”
Em 2001, Krassik veio ao Brasil de férias para passar o carnaval no Rio de Janeiro. Passou pelo Espírito Santo e pela Bahia, antes de voltar para a França. “Não fiquei muito encantado pelo carnaval, mas sim pelo Rio de Janeiro”, disse o músico que retornou ao Brasil, após cinco meses, e fixou residência na cidade maravilhosa.
Na Lapa, Krassik se encontrou dando canjas e travando amizade com vários músicos. Entre eles, os violonistas Yamandú Costa e Zé Paulo Becker. “Nessa ocasião, eu havia participado de um festival de jazz na Alemanha, em que o homenageado era Pixinguinha. Por essa razão, eu sabia tocar alguns choros dele como o ‘1×0’ e ‘Vou Vivendo’. Toquei esses choros no bar Semente, na Lapa, e passei a ser convidado a dar canjas e para participar de shows”, contou o músico que foi adotado por Yamandú Costa que o integrou em seus shows, levando-o a conhecer e a se apresentar em outros lugares do país.
Entre uma canja aqui e outra ali, o violinista conheceu também a sambista Beth Carvalho, com quem tocou em show e gravou. Daí em diante, o músico francês participou de vários shows e muitas gravações com artistas brasileiros. Entre tantos, com a cantora Marisa Monte com quem gravou os CDs “Infinito Particular” e “Universo ao Meu Redor”, os dois de 2006. “Não fiz uma turnê desses discos com ela porque não tinha agenda. Eu estava lançando meu segundo disco e um com o Yamandú, e ela precisava de uma banda exclusiva por uns dois anos seguidos”, contou o músico que se enturmou ainda mais com a “galera do samba e do choro” e acabou por descobrir e apaixonar-se pelo forró.
HUMOR MUSICAl, IDENTIDADE NACIONAL
Para o artista, no Brasil há uma mistura musical que “deu certo”. “ Não sei se no mundo há exemplos como o Brasil, um país que recebeu tantas influências musicais da Europa, África, e Arábia entre outros lugares, mas conseguiu criar sua própria identidade. E isso tudo com muita diversidade. Você vai a cada região do Brasil e descobre uma coisa diferente, mas tudo é totalmente brasileiro, embora se perceba uma influência de fora. É música brasileira, não é fusion, e essa música é de uma riqueza infinita. Ela me emociona muito até hoje. Estou falando do choro, samba e do forró pé de serra, entre outros ritmos daqui, além da música instrumental que experimenta tudo isso”, falou o artista que não se imagina tocando outra coisa.
Quando morava na França, Krassik não tinha um projeto pessoal, e limitava-se a acompanhar outros artistas. Quando começou a pensar em montar um projeto para si, se deu conta de que só escutava música brasileira e não o jazz que tanto estudou. “Ouvia muita MPB, mas pouca música instrumental, apesar de conhecer Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal. Ouvia muito Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Bosco e Chico Buarque e foi aí que percebi que minha identidade poderia ser construída com a música popular brasileira. Encontrei muitas possibilidades nos ritmos, harmonias e melodias brasileiras e um sabor peculiar no jeito de tocar que tem muito humor e emoção. No choro, por exemplo, tocamos brincando com a melodia e entre nós. Essa é uma música extremamente bem humorada, espontânea e viva, que se recicla a todo momento. Por isso, quando vim para cá, me apaixonei e não consegui mais sair”, contou rindo
O SHOW
Acompanhando o violinista nos dois shows estão Glauber Seixas (violão de 7 cordas) e Kabé Pinheiro (percussão) na execução de 13 músicas, basicamente as que estão no CD ““Antologia – 15 anos de Brasil”. Entre elas, “Jimi’s Galop”, uma parceria de Krassik com o pianista e sanfoneiro Marcelo Caldi. “Essa música é uma homenagem ao Jimi Hendrix, que apesar de ser um galope [ritmo nordestino] tem em suas notas iniciais uma menção a um riff dele. Acho que a música nordestina tem um lado bem roqueiro e, às vezes, um lado do blues na maneira de se falar da seca e da pobreza também.”
Outra música do disco garantida no show é “Cordestinos”, na qual o compositor junta instrumentos de cordas (violino, rabeca e contrabaixo) com percussão, influenciado pelo músico de sopro Carlos Malta (flautas e pifes), que criou a Pife Muderno, banda de música popular brasileira com Andrea Ernest Dias (flautas e pifes), Marcos Suzano (percussão), Oscar Bolão (bateria e percussão), Durval Pereira (zabumba) e Bernardo Aguiar (pandeiro). “Com o tempo, já substituí a rabeca por bandolim e agora estou inserindo uma guitarra elétrica, mais roqueira, nessa música.
Lembro-me que faltava uma música no repertório do disco. Eu queria algo que fosse quase uma canção, só que instrumental, e que não tivesse muita nota. Compus em uma noite, tocando o violino como se fosse um bandolim”, contou o músico sobre o tema que tornou-se conhecido e é executado em várias casas de forró.
Com um título bem humorado, “Krassik de Ramos”, de Eduardo Neves, um animado samba choro que abre o disco, também está no repertório do show. “Nesse show vai ter violino, gente! Tem que gostar de violino, mas quem não gostar pode vir, que pode chegar a gostar. É um show animado, as pessoas podem levantar e dançar. Tem muitos universos de choro, samba e forró pra se viajar e se divertir.”
CURSO ONLINE
Em duas semanas, o músico lança em sua página na internet (nicolaskrassik.com/aulas) um curso com sete horas de vídeo, divididas em 14 módulos, para violino popular que atende músicos que tocam, além de violino, viola e celo. “A ideia é que a pessoa desenvolva técnicas para tocar música popular e também possa improvisar. Entre outras coisas, abordo acentuações percussivas com o arco, assim como fraseados menos planos, com mais suingue também. Ensino o aluno a acompanhar, pois violinistas são acostumados mais a solar. Trabalho bastante a parte rítmica para que o músico fique bem à vontade na hora de improvisar, sem medo de se perder no tempo”, disse o músico que também dá aulas particulares.
Assista, a seguir, ao vídeo no qual o violinista Nicolas Krassik interpreta com exclusividade para o Música em Letras “Lamento Sertanejo”, de Gilberto Gil e Dominguinhos.
SHOW NICOLAS KRASSIK
QUANDO Sábado (26), às 20h; e domingo (27), às 18h
ONDE Sábado, no Sesc Campo Limpo, r. Nossa Senhora do Bom Conselho, 120, Campo Limpo, tel.(11) 5510-2700; no domingo, Sesc Belenzinho, r. Padre Adelino, 1000, Belenzinho, tel. (11) 2076-9700, São Paulo
QUANTO Sábado, gratuito; domingo, de R$10 a R$20
CD ANTOLOGIA NICOLAS KRASSIK 15 ANOS DE BRASIL
ARTISTA Nicolas Krassik
GRAVADORA Rob Digital
QUANTO R$25