Os novos CDs de Hermeto Pascoal, Théo de Barros e Almério
O Música em Letras selecionou alguns CDs para você conhecer o que há de melhor no mercado.
Discos merecem ser ouvidos com bastante atenção. Procure escutá-los usando um bom par de fones, pois eles nos ajudam fisicamente a focarmos e aproveitarmos melhor a audição. Surpreenda-se com detalhes que geralmente passam desapercebidos quando nossos ouvidos não estão “enfonados”.
Segundo o empreendedor Henry Ford (1863 – 1947), “há um punhado de homens que conseguem enriquecer simplesmente porque prestam atenção aos pormenores que a maioria despreza”. Verdade, principalmente quando se trata de enriquecer a própria alma com música. Um verdadeiro empreendimento, principalmente para quem quer resultados imediatos e com portabilidade para outras vidas.
NO MUNDO DOS SONS
Os dois CDS “No Mundo dos Sons”, de Hermeto Pascoal e Grupo, são compostos de 18 faixas, com bons sons e maus sons; judiciosos e loucos; fortes e fracos; sons prudentes e sons da alma. Os sons judiciosos têm seus momentos de erro; os loucos, seus momentos de razão; os fracos, seus acessos de coragem; os fortes, seus instantes de fraqueza; os prudentes, seus momentos de vislumbres da alma; e os sons da alma, eclipses de bom senso.
Há quinze anos sem registrar o som do grupo, atualmente formado por André Marques (piano), Itiberê Zwarg (contrabaixo), Ajurinã Zwarg (bateria), Jota P. (sax e flauta), além do filho de Hermeto, Fabio Pascoal (percussão), o disco traz, entre as composições autorais e arranjadas pelo chefe da tribo, algumas homenagens póstumas. Entre elas, “Vinicius Dorin em Búzios”, para o ex- saxofonista e flautista do grupo; “Pernambuco Percussão!”, para o músico e irmão de som de Hermeto, Luiz de Santa; “Rafael Amor Eterno”, para o bisneto do Bruxo, Rafael, além de “Para Miles Davis”, designada ao trompetista; “Viva Piazzolla!”, dedicada ao músico argentino; “Forró da Gota para Sivuca”, composta para o acordeonista; e “Para Tom Jobim”, feita em homenagem ao maestro soberano.
Um primor em música, sons, execução, composição, arranjos e criatividade que coloca a brasilidade em lugar de destaque no mundo dos sons.
CD NO MUNDO DOS SONS (2 CDS)
ARTISTA Hermeto Pascoal e Grupo
GRAVAÇÃO Estúdio Gargolândia, por Daniel Tápia,
MIXAGEM E MASTERIZAÇÃO Estúdio Arsis, por Adonias Jr.
SELO Sesc
QUANTO R$ 30
AVALIAÇÃO Ótimo
TATANAGÜÊ
Companheiro de Hermeto Pascoal no Quarteto Novo, o compositor Théo de Barros também estava há muito sumido e, como o Bruxo, sem gravar. Por sinal, gravar discos e aparecer em shows não é muito de seu feitio. Compositor de “Disparada”, entre outros clássicos, Théo de Barros gravou apenas três discos: “Primeiro Disco” (1979, LP), “Violão Solo” (1997), e “Theo” (2003).
“Tatanagüê”, seu novo CD, rompe o silêncio por meio de lindas músicas e das belas vozes de Renato Braz, Mônica Salmaso e Alice Passos. A canção homônima ao título versa sobre um pássaro invisível que servia de sentinela nos quilombos. Por meio de seu canto, o ser alado alardeava a presença de pessoas estranhas próximas à comunidade formada por escravos.
Entre as 16 faixas do CD, “Tatanaguê”, “Cavalo de Oxóssi” e “Camaradinho”, são temas da “Suíte Capoeira”, enquanto “Dança de Marinheiro” é parte da “Suíte Marinha”, todas composições de Théo de Barros com Paulo César Pinheiro.
Como o pássaro Tatanagüê, Théo de Barros parece ter descoberto um jeito de se tornar invisível, bastando ser ele mesmo. Afinal, é característico do mercado fonográfico mostrar e favorecer quem quer apenas aparecer, sem ter o que acrescentar musicalmente. Situação contrária à desse excelente músico que compõe, arranja e toca violão majestosamente.
Essa é uma aparição mais que bem-vinda, que nos faz crer no incrível, rever o invisível e realizar quase o impossível, ou seja, ouvir música e letra de alta qualidade do começo ao fim de um disco.
TATANAGÜÊ
ARTISTA Théo de Barros, Mônica Salmaso e Renato Braz, entre outros
GRAVAÇÃO Gabriel Bueno
MIXAGEM Carlos KK Akamine
MASTERIZAÇÃO Homero Lotito
SELO Independente
QUANTO R$ 30
AVALIAÇÃO Ótimo
DESEMPENA
Segundo disco do cantor e compositor pernambucano Almério – o primeiro é o homônimo “Almério” (2013)-, “Desempena” é sem dúvida um dos melhores CDs de MPB lançados recentemente e deve ser ouvido com atenção.
Com sonoridade limpa, concisa e atraente, as 11 faixas são recheadas de composições com letras tão bem elaboradas como interpretadas – todas com pegadas existenciais -, passeando por ritmos diferentes e preenchendo ouvidos carentes de conteúdo, originalidade e poesia. Difícil, depois de ouvir essas músicas, é viver no vazio. Mesmo que algumas delas, como “Queria Ter pra Te Dar”, de Thiago Martins, e “Segredo”, de Isabela Moraes, não tragam em suas estruturas refrões. Ausência não sentida, mas que nos preenche pelo inusitado e pelo bom gosto de seus conteúdos inquietos.
O som, que agrada do começo ao fim da audição, desempena qualquer ouvido torto por massa musical de baixa qualidade. Os músicos, além de Almério cantando, seguem os arranjos originais e enxutos de Juliano Holanda (violão de aço, nylon, violão de 10 cordas e contrabaixo) que valorizam e emolduram a voz dando mais poesia às letras. Quem ajuda Almério e Juliano Holanda a nos aprumar a alma pelo som e pela poesia é Marconiel Rocha (percussão), Philipe Moreira Sales (pífanos e flautas) e Piero Bianchi (teclado).
Da lavra de Almério “Tatoo de Melancia”, “De Olhar Pra Cima”, “Retiro da Flores” e “Chamado”, esta em parceria com Valdir Santos. “Desempena” e “Por Que Você” são duas canções fortes de Juliano Holanda. A última serve para brecarmos o estúpido e incoerente moto perpétuo que vivenciamos cotidianamente em nossas automáticas e repetitivas atitudes infrutíferas.
Juliano Holanda assina ainda “Trêmula Carne” e “Não Nasci para o Amor”, com Thiago Martins. Elba Ramalho tem participação especial em “Do Avesso”, outra música (um coco com baião) de Juliano Holanda.
Jethro Tull, Raul Seixas, Alceu Valença, Quinteto Violado e Geraldo Azevedo são alguns dos sons que você irá lembrar ouvindo Almério, mas o artista constrói e tem identidade suficiente para realizar um disco ótimo que desempena a alma, nivelando-a a boas cabeças e sensíveis corações.
DESEMPENA
ARTISTA Almério
GRAVAÇÃO Estúdio Muzak (Recife-PE), por André Oliveira
MIXAGEM Estúdio Muzak
MASTERIZAÇÃO Reference Studio, por Homero Lotito
SELO Independente
QUANTO R$ 30
AVALIAÇÃO Ótimo