Regional e pop em dose certa no show de Josi Lopes
Acontece amanhã (23), no Sesc Belenzinho, em São Paulo, o show “A essência do tambor” da atriz, percussionista, cantora, compositora e arranjadora mineira Josi Lopes.
O Música em Letras esteve na última terça-feira (20) no salão de festas do prédio onde mora a artista, no bairro da Barra Funda, para entrevistá-la. Na ocasião, gravou um vídeo no qual Josiane interpreta uma das músicas de sua autoria, “Reconheço”, incluída no repertório do show. (Assista ao vídeo no final do texto)
GÊNESE
Segundo a mineira Josiane, 29, seu primeiro nome é formado pela junção de José e Ane. Perguntada se esses são os nomes de seus pais, disse rindo: “Não, minha mãe chama Emília e meu pai Antônio”.
Formada em um curso técnico de teatro, o TU (Teatro Universitário) da Universidade Federal de Minas Gerais, Josi ingressou na instituição onde permaneceu dos 22 aos 25 anos.
Contudo, sua experiência com a música começou mais cedo, aos 16 anos, cantando no coral do SESI Minas. Contralto e sem saber outra língua além do português, a talentosa artista interpretava músicas do mundo inteiro, em diversas línguas. “A primeira peça que eu fiz, cantei em espanhol, mas conheci música brasileira e compositores como o Caetano [Veloso] nesse coral. Na favela, na perifa onde eu morava, não tinha acesso a isso”, falou a percussionista que no gueto escutava funk, Racionais Mc´s, James Brown (1933-2006), Michael Jackson (1958-2009) e muito samba. Entre grupos e artistas do gênero, Josi ouvia Fundo de Quintal, Arte Popular, Dona Ivone Lara e Jovelina Pérola Negra (1944-1998).
PRIMEIRO PALCO
O primeiro espetáculo do qual fez parte foi integrando o coral do SESI e a companhia de dança e teatro Será Q?, formada por dançarinos, atores e músicos negros. “Eles misturavam hip hop com dança contemporânea nesse espetáculo que contava a história de Federico García Lorca [1898-1936]. O Rui Moreira, um bailarino negro que dançou durante anos no grupo Corpo, montou essa companhia, que não existe mais. Ele fazia o Lorca como um orixá e nós encenávamos, cantando, dando texto e tocando”, falou a cantora que interpretava textos musicados de uma biografia do poeta e dramaturgo espanhol.
Josi permaneceu no coral por cinco anos. Durante esse tempo fez um curso de canto lírico na UFMG. “Três vezes por semana tinha aulas com o professor Mauro Chantal, que me ensinou a respirar e entender a voz, entre outros ensinamentos”, disse a artista afirmando que o canto deu rumo a seu caminho; é ele quem ocupa o primeiro lugar em sua maneira de se manifestar artisticamente.
Professor de música erudita, Chantal reconheceu na voz de Josi uma queda para a música popular, respeitando-a, sem moldá-la para o gênero que ensinava. “Ele era mais relax comigo, porque conseguia ver uma naturalidade em minha voz. Minha voz é natural, não é uma voz construída, saca? Ele foi um mestre que surgiu para me dar uma consciência dessa voz. E assim minha voz virou uma identidade, com um timbre que considero meu, sem moldes. Dou graças a Deus por isso”, disse a cantora que ganhou um livro do mestre sobre a história do samba junto com um conselho: “Saia da academia; vá fazer outra coisa porque você não é cantora de academia”, o que Josi seguiu à risca.
SALÃO DE BELEZA
Aos 21 anos, a cantora foi trabalhar em um salão de beleza, o Nega Iza, onde fazia tranças e dreads. “Era um salão afro. No figurino do meu show há uns cabelos pendurados em minhas pernas, em tranças, que eu mesma fiz. Fazia tranças em todos da minha família e em amigos. Um dia, minha tia achou um cartãozinho do salão na rua e sugeriu que eu tentasse trabalhar lá. Fui e me deram a vaga. Sai de lá uns cinco anos depois, quando me formei no TU (Teatro Universitário). Trabalhava 12 horas por dia, das 10 da manhã às 10 da noite, mas ganhava bem.”
Nesse ínterim, a artista cantava em rodas de samba promovidas pela família e amigos. Segundo Josi, a música que mais interpretou em sua vida foi “Olhos Coloridos”, de Macau, imortalizada na voz de Sandra de Sá.
AULA DE PERCUSSÃO
Em 2008, a artista conheceu a percussionista Julia Dias no Orkut, e travando uma conversa descobriu que ela dava aulas de percussão aos sábados, das 10h às 18h. Foi assistir uma aula, conheceu a caixa de folia- tambor mineiro de madeira com pele animal e uma amarração semelhante ao tambor de alfaia usado no maracatu. O instrumento tem vários tamanhos e é muito utilizado em congadas. O maior deles é chamado de Sete Léguas. A cantora se apaixonou pelo som e pela aula, e passou a estudar percussão com afinco durante um ano e meio.
A professora Julia é filha de Maurício Tizumba, idealizador do espaço cultural Tambor Mineiro. Foi ela quem convidou Josi a ingressar em uma montagem do pai, que precisava de dez mulheres negras que cantassem e tocassem, além de “darem texto”.
Na peça, além do tambor e da voz, Josi tocava patangôme (instrumento mineiro feito com lata de biscoito repleta de sementes de lágrima-de-nossa-senhora, utilizadas também para se confeccionar rosários). “Esses dias vi uns patangômes feitos de bateia (calotas de carro) com bolinhas de chumbo dentro”, contou a percussionista sobre o instrumento que é tocado como se fosse um xequerê, instrumento africano também conhecido como abê, constituído por uma cabaça envolta por uma rede de contas. “Parece um xequerê, mas a maneira de tocar, o desenho [referindo-se aos gestos utilizados para tocar o instrumento] é diferente.”
Além desses instrumentos, Josi utilizava na peça e continua usando mais um objeto que produz sons amarrados em suas canelas, a gunga. “Esse instrumento é feito com latinhas de massa de tomate, repletas de lágrimas-de-nossa-senhora, interligadas com um pedaço de feltro preso a uma coleira de cachorro. Os pares para usarmos nas canelas sempre têm um número de latinhas diferentes para dar também um som diferente misturando graves e agudos em cada perna. Cada ritmo tem um som diferente. Por exemplo, os ritmos do congado soam diferente. Tem o moçambique de serra acima, serra abaixo e marcha grave. Cada um tem um som”, falou a artista que mostra tudo isso em seu show, mesclado a uma linguagem pop.
Durante três anos, a partir de 2008, Josi realizou o espetáculo “O Negro, a Flor, o Rosário e o Oratório”, peça que contava a história de um Dom Quixote negro, com o mestre Tizumba, viajando por várias cidades de Minas e Rio de Janeiro. “Era muita apresentação. Viajava com o coral do SESI e com o espetáculo. Eu ganhava mais com as apresentações do que com o salão de beleza”, contou a artista que nessa ocasião trabalhava no salão de beleza de dia, estudava à noite e cursava teatro no TU.
Ainda em Belo Horizonte, a artista integrou o elenco de “Zumbi”, uma remontagem de do espetáculo“Arena conta Zumbi”. Nas duas montagens, Josi cantava, dançava, “dava texto” e tocava.
Nessa ocasião, quem ensinava Josi a realizar o “belting”, técnica de cantar largamente utilizada em musicais, era a professora de canto paulistana Ana Taglianetti, com quem a artista deu continuidade aos estudos durante seis anos após sua mudança para São Paulo em 2012.
SAMPA DOS MUSICAIS
Aos 25 anos, Josi deixa o espetáculo, o salão e muda-se para São Paulo. Depois de uma tentativa frustrada, em 2010, de participar do musical “O Rei Leão”, a multiartista repetiu o teste em 2012 e conquistou o papel da personagem Nala, integrando o elenco do espetáculo por dois anos.
Em 2015, foi a vez do musical“Mudança de Hábito” contar com Josi fazendo coro e “cover” [quando se substitui um artista em sua ausência] da personagem Delores, interpretada pela atriz Karin Hils, papel orginalmente representado pela atriz Whoopi Goldberg.
Em 2016, Josi integrou o elenco de “Ghost, o Musical” que ficou seis meses em cartaz em São Paulo. Na montagem, a artista interpretou uma das ajudantes de Oda Mae Brown, personagem também interpretada por Whoopi Goldberg no filme que deu origem ao musical.
O SHOW
O espetáculo “A essência do tambor” é o lugar onde o teatro levou Josi, o lugar do canto e do ritmo. “Sempre quis cantar. O teatro musical me ajudou muito a chegar nesse lugar”, disse a atriz, cantora e compositora.
No show, músicas de sua autoria como “Espelho”, um samba jazz, sua primeira composição; “Camdombeiro”, uma reza repetitiva do congado, homenagem ao tambor mineiro; e “Do tambor”, um serra abaixo (ritmo do congado) que vira um samba.
O repertório tem ainda composições de outros autores, como Milton Nascimento (“Lágrima do Sul”); Sérgio Pererê (“Estrela Natal”); Luis Gabriel Lopes (“Primeiro de Janeiro”); e de Lucas Cirillo (“Terra Seca”).
O espetáculo promete ser emocionante ao mostrar a atriz envolvida com a descoberta do som e com a sua essência de mulher, momentos que culminam em um grande festejo. “Para isso, leio textos sobre o silêncio, a mulher e a diáspora afro-mineira que acontece no que chamo de África Geraes.”
Josi utiliza um conjunto de instrumentos de percussão que ela chama de “set do amor”: um carron, o tambor, a gunga, o pantangôme, além da voz.
A banda que acompanha a cantora é formada por Fábio Prior (percussão), Yara Oliveira (bateria), Kiko Woiski (contrabaixo) e Edson Woiski (guitarra), com direção de Webster Santos.
Segundo a cantora, quem for ao show assistirá o espetáculo de uma mulher “que agora tem coragem de dizer através do som”.
Josi descobriu uma sonoridade que a representa, misturando samba, funk, rock, hip hop e o soul, com o regional (congadas) de sua terra, criando uma linguagem própria. Uma sonoridade afro-mineira atual e menos regionalista possível. É só ir, ouvir e ver para crer que seu talento tem muito a dizer.
Assista ao vídeo com a artista cantando “Reconheço”, de sua autoria.
SHOW A ESSÊNCIA DO TAMBOR
ARTISTA Josi Lopes
QUANDO Sexta-feira (23), às 21h
ONDE Sesc Belenzinho, r. Padre Adelino, 1000, tel. (11) 2076 9700
QUANTO De R$ 20 e R$ 10