Lulinha Alencar e Mestrinho lançam CD”Tocante”, em show
Os acordeonistas, compositores e arranjadores, Mestrinho, à esquerda, e Lulinha Alencar (Foto Carlos Bozzo Junior)
Acontece sábado (6) no Sesc Pompéia, às 21h, o lançamento com show do CD “Tocante” dos acordeonistas, compositores e arranjadores nordestinos Lulinha Alencar e Mestrinho.
Lulinha Alencar, 38, nasceu em Rafael Godeiro, no sertão do Rio Grande do Norte, e Mestrinho, 28, em Itabaiana, Sergipe. Contudo, a musicalidade dos dois acordeonistas rompe qualquer fronteira, e deixa claro que ambos nasceram para que o mundo conheça melhor esse instrumento, além de um pouco mais da inigualável obra deixada pelo mestre Dominguinhos (1941-2013).
O Música em Letras esteve no ensaio para o show e gravou com exclusividade “Tocante”, de autoria de Alencar, interpretada pelo belíssimo som dos dois sanfoneiros. A música é uma das 12 do repertório do CD e do show. Veja vídeo no final do texto.
Leia, a seguir, além da entrevista, o faixa a faixa do novo CD, realizado com exclusividade para o Música em Letras, nos quais os músicos comentam cada uma de suas composições, além das que foram compostas por Dominguinhos.
ACORDEONISTAS COM A MAIÚSCULO
Lulinha Alencar tem uma ligação com o acordeom que transcende o simples tocar. Afinal, veio ao mundo no mesmo dia em que Luiz Gonzaga (1912-1989), no dia de Santa Luzia, 13 de dezembro. Bem humorado, Lulinha sempre diz que seu meu nome, Luiz, deve-se, por parte de mãe, a Santa Luzia, e, por parte de pai, por causa de Luiz Gonzaga.
Há 14 anos, Alencar mora em Santos, litoral de São Paulo, e há 17 toca sanfona. Entretanto, o artista- que é músico profissional há 23 anos- começou tocando em bailes acompanhando o pai, também sanfoneiro, atacando de zabumba, triângulo e teclado pelos sertões e cidades vizinhas de sua região. O sanfoneiro tocava forró pé de serra. Depois, já em Mossoró, ganhou um tecladinho de seu pai, antes da sanfona, instrumento que já o levou para vários países do mundo incluindo a China onde tocou e “causou” mostrando sua arte. “Já toquei também na Inglaterra, Espanha, Bélgica, Holanda, França, Alemanha, Itália, Suíça, Áustria e em Marrocos, além de vários lugares do Brasil”, disse músico.
Alencar conviveu com Dominguinhos depois que chegou em São Paulo, e compôs uma música em homenagem a ele para lembrar o último São João em que tocaram juntos, em 2012, em homenagem a Luiz Gonzaga. A dupla apresentou-se em shows durante um mês pelo Nordeste. A música, “Meu Último São João”, de autoria de Alencar e que está nesse novo CD, foi mostrada para o próprio Dominguinhos, no hospital, dias antes de sua morte.
O sanfoneiro já tocou ao lado de vários artistas, entre eles a cantora Mônica Salmaso, o músico de sopro Teco Cardoso, e dividiu o palco com outros grandes nomes do acordeom mundial, entre eles Richard Galliano, Regis Gizavo e Martin Lubenov.
Em 2013, Alencar lançou o disco solo “Cem Gonzaga”, em homenagem ao centenário do Rei do Baião, interpretando composições instrumentais que passeiam pela vertente musical menos conhecida do grande artista brasileiro.
Segundo Alencar, a maior lição aprendida com Dominguinhos foi “humildade e simplicidade”.
Mestrinho não é muito diferente de Alencar em talento, dedicação e experiência, tirando os 10 anos de diferença na idade que os distingue. Seu avô era tocador de oito baixos, e seu pai sanfoneiro dos bons. Aos 12 anos, Mestrinho já tocava profissionalmente, pois começou no instrumento com apenas 6 anos.
Depois de morar em Aracaju, mudou-se para São Paulo e integrou o Trio Juriti, quando tinha 17 anos. Participou de vários festivais de música e gravou dois discos, “Forró Irresistível” e “Cara a Cara”, com a participação de Caju e Castanha, os Reis da Embolada.
Entre os artistas que tiveram o privilégio de contar com o som de seu instrumento estão Geraldo Azevedo, Zélia Duncan, Elba Ramalho, Rosa Passos, Hermeto Pascoal e, claro, o mestre Dominguinhos, por quem foi apadrinhado e era tido como discípulo.
Mestrinho viajou mais que mala de comissário de bordo tocando com Dominguinhos, que só utilizava seu carro, uma caminhonete Mitsubishi, como meio de transporte por ter medo de avião.
Mestrinho participou, inclusive, do último show de Dominguinhos, em Exu, Pernambuco, cidade natal de Luiz Gonzaga. Ao lado do cantor e compositor Gilberto Gil, realizou algumas turnês e esteve em palcos de festivais de jazz na Europa, Israel e Uruguai, entre outros locais.
Seu primeiro disco solo, intitulado “Opinião” (2014), já mostrava o talento precoce desse músico excepcional, que há muito poderia ter deixado de ser Mestrinho para ser alcunhado de Mestre, com “m” maiúsculo. Talvez a humildade, virtude aprendida com Dominguinhos, o impeça de ostentar esse título. “Assim como Lulinha, humildade e simplicidade foram as maiores lições que aprendi com Dominguinhos, mas a generosidade que ele tinha também foi muito importante para mim.”
CD
Quando se escuta o CD “Tocante”, a sanfona de Lulinha Alencar soa no canal esquerdo, fazendo jus a sua opção política. Mas, é preciso dizer, a presença do som de Mestrinho no canal direito não representa seu posicionamento político. Perguntado em qual posição se encontra seus ideais políticos, o músico sergipano respondeu: “Em nenhum dos dois lados”.
O disco traz um repertório de cinco faixas- três compostas por Alencar e duas por Mestrinho-, dedicadas ao mestre Dominguinhos, além de seis composições do próprio sanfoneiro, nas quais ele reverencia outros mestres como Chiquinho do Acordeom (1928-1993), Jackson do Pandeiro (1919-1982) e Pixinguinha (1897-1973). O acordeonista francês Richard Galliano também participa do disco, como convidado especial, na última faixa, “Ciao São Paulo”.
Gravado por Adonias Junior, no estúdio Arsis, o som do disco é o mais real possível, sem a costumeira e desnecessária “maquiagem” ou “tapa” que alguns engenheiros de som insistem em “fazer” ou “dar” para eliminar o que, às vezes, sob a luz de uma estética mentirosa e “démodé” como essa palavra, ainda é chamado de ruído, ou sujeira. O som proveniente das teclas e dos registros dos instrumentos acionados pelos músicos também estão presentes, registrando assim com primor a captação dos sons dos dois. Em suma, o que se escuta são humanos tocando de verdade.
O disco foi gravado em duas sessões, durante dois dias. No terceiro dia, depois de checarem que tudo estava nos conformes, sobrou tempo e os músicos compuseram e gravaram “Arsis”, homenageando o estúdio. Na música, disponibilizada apenas pela internet, no Youtube, Alencar toca piano e Mestrinho sanfona. O endereço para ouvir a música é https://youtu.be/pZkNnOCErfE
FAIXA A FAIXA, POR LULINHA ALENCAR E MESTRINHO
1. “Xote Pro Miudinho”, de Dominguinhos
“É emblemática essa música para mim e para Mestrinho porque foi a primeira que tocamos juntos. Foi a partir dela que nasceu a ideia do disco. Não é à toa que ela abre o CD”, disse Lulinha Alencar.
2. “Homenagem A Pixinguinha”, de Dominguinhos
“Gosto muito dessa música. É um choro que, além de não dever nada a outro feito para homenagear Pixinguinha, me lembra o mestre Pixinguinha por ter sido composta com consciência. Dominguinhos conseguiu pegar só notas maravilhosas para fazer essa música”, disse Mestrinho.
3. “Noites Sergipanas”, de Dominguinhos
“Uma das músicas mais geniais que o mestre fez. Dominguinhos veio do choro e de tantas outras vertentes do forró, além de tocar jazz também. Mas nessa música ele deu um passo à frente. Essa é uma valsa muito gostosa em que é possível ouvir Bach, Beethoven e uma onda francesa também, mostrando que a cada vez que Dominguinhos compunha ele se superava. Nessa ele se superou bastante”, disse Mestrinho.
4. “O Meu Último São João”, de Lulinha Alencar
“Toquei essa música, literalmente, no último São João que fiz com Dominguinhos. Era 2013, ano do centenário de Gonzaga, e viajamos juntos fazendo shows em homenagem a Gonzagão em meio a muitos festejos. Aproveitei e compus essa música na estrada. Ainda deu tempo de eu mostrá-la para Dominguinhos, já enfermo, no hospital. No final daquele mesmo ano ele faleceu”, disse Lulinha Alencar.
5. “Só Deus Sabe”, de Mestrinho
“Essa música é meio choro, meio forró. Eu a apresentei para Dominguinhos como um forró. Depois de um tempo ele disse para o [acordeonista] Toninho Ferragutti: ‘Veja aí esse choro de Mestrinho que bonito’. Aí ficou meio choro, meio forró. Compus há muito tempo e, como você sabe, as músicas que a gente não esquece são melhores depois que o tempo passa. Curioso é que não tinha um nome para essa música e quando Lulinha me perguntou qual era, eu disse ‘Só Deus Sabe’. Ele entendeu que esse era o nome e aí ficou mesmo sendo”, disse Mestrinho.
6. “Ilusão Nada Mais”, de Dominguinhos
“Composição fantástica, linda demais. Não tem uma vez que ouço Dominguinhos executando essa música e não me emocione, pois ela é muito tocante. Há inclusive uma versão com letra do Fausto Nilo, que faz com que ela mude de nome, mas não me lembro qual. Essa música é a cara de Dominguinhos”, disse Lulinha Alencar.
7. “Homenagem a Jackson Do Pandeiro”, de Dominguinhos
“Como Dominguinhos costumava dizer, os grandes mestres têm que ser homenageados. Esse disco traz nossa homenagem a Dominguinhos, e as dele para outros mestres. Nessa música ele acertou em cheio, homenageando o querido Jackson”, disse Lulinha Alencar.
8. “Tocante”, de Lulinha Alencar
“A música que dá nome ao disco foi feita em duas partes. Primeiro fiz a segunda parte, e depois a primeira, que tem esse crescendo. Acho que essa música pode tocar as pessoas. Espero que seja tocante para todo mundo”, disse Lulinha Alencar.
9. “Cutucufole”, de Lulinha Alencar
“Essa é a primeira música que compus na sanfona e nada mais justo que dedicá-la a Dominguinhos. Fui até a casa dele e disse que tinha feito a música para ele. Ele achou legal e a mostrou para outro sanfoneiro. Ele gostava de ouvir a opinião de outros sanfoneiros, acho que para ver se ele estava certo e gostava mesmo”, disse Lulinha Alencar.
10. “Choro Sentido”, de Mestrinho
“Uma grande homenagem que fiz ao mestre Dominguinhos, inspirada totalmente nele. Essa música tem esse lance de sentimento, de chorar mesmo com a sanfona, uma maneira de tocar que ganhei de presente ao ser influenciado por ele”, disse Mestrinho.
11. “Um Abraço no Romeu”, de Dominguinhos
“Essa foi uma das primeiras músicas de Dominguinhos que toquei. Não escuto muito os sanfoneiros tocarem suas composições por aí, essa é uma das razões de tê-la escolhido para o disco, assim as pessoas terão acesso a ela. Lembro de tocar essa música para Dominguinhos sem saber que Romeu era o apelido de Chiquinho [Chiquinho do Acordeon (1928-1993)]. Foi Dominguinhos quem me disse que colocou esse nome porque ele já tinha feito outra música chamada ‘Homenagem ao mestre Chiquinho’. Só depois de eu ter feito o disco, alguém me contou que o verdadeiro nome de Chiquinho era Romeu”, disse Lulinha Alencar.
12. “Ciao São Paulo”, Richard Galliano (participação de Richard Galliano)
“Assim que Dominguinhos faleceu, o Richard Galliano me enviou essa música por e-mail dizendo que havia composto ela em homenagem ao mestre. Acho que ela foi feita no mesmo dia da morte de Dominguinhos. Ano passado propus para o Galliano de a gravarmos nesse disco, e ele ficou muito contente. Aproveitei e convidei-o para participar e ele aceitou com o maior prazer. Enviei para ele, na França, o que gravamos aqui. Ele fez a parte dele e me enviou, cheio de cautela, explicando que havia feito um fraseado conversando com a sanfona do Mestrinho e querendo saber se eu havia gostado, Claro que gostei. O mais tocante é que ele não veio com aquela virtuosidade toda, porque sentiu a essência do trabalho. Parece que tocamos todos juntos, aqui na mesma sala. Ficou linda”, disse Lulinha Alencar.
SHOW
Além das músicas do CD, duas surpresas constam do repertório do show. Segundo Lulinha, provavelmente uma que todo mundo saiba cantar, tipo “Xodó”; para Mestrinho, talvez seja a música “Gostoso de Mais”. Mas no ensaio os músicos ainda não haviam decidido quais músicas irão interpretar.
Mestrinho deixou claro o que espera que as pessoas tenham em mente quando forem ao show :“Amor. As pessoas devem saber que nossa música é cheia de amor para mudar o mundo. Que elas saibam que irão escutar uma música boa e que toca o coração porque vem de nossas almas. Tocando ficamos felizes e é isso o que acontece quando se toca uma música verdadeira, sincera e com sentimento”, completou.
Para Alencar, o público deve ir ao teatro para “lavar a alma”. “Devem ir, fechar os olhos e escutar, sem a influência do nome de quem está tocando, ou do que já ouviram sendo tocado por nós. Esse é um trabalho novo; queremos com ele tocar as pessoas, assim como ele nos toca. A gente curtiu tanto tocando essas músicas, que queremos passar essa curtição, esse amor e esse encontro para o público. Queremos que ele seja tocado por esse tocar da gente”, falou.
Assista o vídeo a seguir, no qual os artistas interpretam “Tocante”, da autoria de Lulinha Alencar, com exclusividade para o Música em Letras.
SHOW DE LANÇAMENTO DO CD “TOCANTE”
QUANDO Sábado (6), às 20h
ONDE Teatro do Sesc Pompéia, r. Clélia, 93, São Paulo, tel. (11) 3871-7700
QUANTO De R$ 6 a R$ 20
CD “TOCANTE”
ARTISTAS Lulinha Alencar e Mestrinho
GRAVADORA Independente
QUANTO R$ 30