Tem som de índio na Paulista

Carlos Bozzo Junior
Ire-o kayapó e Paulo Bagdonas na exposição de artefatos indígenas, em São Paulo (Foto: Carlos Bozzo Junior)

Em “Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar”, música de Jorge Ben Jor – lançada e imortalizada por Baby do Brasil -, “todo dia era dia de índio”.

Em São Paulo, uma exposição no piso térreo do Conjunto Nacional, na avenida Paulista, o Dia do Índio, criado em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas (1882-1954) e celebrado apenas em 19 de abril, parece seguir a letra da composição de Ben Jor e antecipa a data que tem por intuito levar à reflexão sobre os valores culturais dos povos indígenas e a importância da preservação e respeito a esses valores.

O Música em Letras esteve na exposição e apurou o que há entre os cerca de 800 itens à venda. Além de armas, arte figurativa, bancos, bolsas, cachimbos, cerâmicas, máscaras, cestos, colares, brincos, anéis, pulseiras, cuias, cabaças, redes, remos, CDs, DVDs, um conjunto de peças se tornou o principal foco desse post: instrumentos sonoros indígenas procedentes de várias etnias (veja vídeos no final do texto).

Entre os instrumentos há diferentes flautas, buzinas, chocalhos, apitos, paus de chuva e zunidores, um pedaço de madeira em formato de peixe, que amarrado em uma vara e girado em círculos reproduz o som de insetos. “Esses zunidores são utilizados em cerimônias para a pesca”, disse o paulistano Paulo Bagdonas, 48, economista e um dos proprietários da Casa das Culturas Indígenas, loja que expõem e comercializa os artefatos, em entrevista ao blog.

PINTURAS CORPORAIS

Segundo Bagdonas, o Conjunto Nacional montou essa exposição com o intuito de ajudar a aldeia A´Ukre dos índios kayapó, localizada no sul do estado do Pará. Um casal e uma criança da aldeia estavam presentes no local, durante a entrevista, na última quarta-feira (5). “Eles trazem alguns cocares feitos de canudinhos, pulseiras e colares de miçangas para venderem aqui, além de conversarem com os visitantes que desejam mais informações sobre de onde eles vêm e sobre a arte que realizam.”

A mulher kayapó presente no local realiza pinturas corporais (espécie de tatuagens tribais, que saem da pele depois de alguns dias) nos interessados, mostrando um pouco de sua cultura. Conforme o tamanho, o desenho feito com uma vareta embebida em uma mistura de sumo de jenipapo e carvão, é cobrado entre R$ 10 a R$ 20. Os desenhos funcionam como roupas e por essa razão há pinturas para “roupas” do dia a dia e para ocasiões especiais, como festas e cerimônias.

Os índios chegam ao Conjunto Nacional entre 9h a 10h. Contudo, fotos da criança e da índia, que realizou a mistura da tinta na hora para pintar meu braço, não são bem vindas. “Elas não gostam”, alertou o marido, Ire-o kayapó, 59, o único que fala português, entre eles. Portanto, respeite, controle-se e deixe seu aculturado self para yourself.

Pintura corporal feita no repórter do blog por índia kayapó (Foto: Carlos Bozzo Junior)

ARTEFATOS

A Casa das Culturas Indígenas, misto de loja e galeria de objetos indígenas, funciona há 17 anos e conta com um acervo composto por cerca de 3 mil itens produzidas por 70 etnias diferentes, que vão desde pequenos anéis e apitos, custando em torno de R$ 2, a grandes máscaras e bancos que podem chegar a R$ 2.300. “Além de pessoas que procuram itens para decorar suas casas, atendemos muitos colecionadores de arte indígena que buscam peças genuínas e raras. Antes recebíamos estrangeiros, mas parece que ultimamente temos menos estrangeiros em São Paulo”, disse Bagdonas, acrescentando serem brincos, anéis, pulseiras, colares e peças como cestos as mais vendidas no estabelecimento.

Vários tipos de chocalhos expostos no Conjunto Nacional (Foto: Carlos Bozzo Junior)

CHOCALHOS

Chocalho é o nome genérico para designar vários instrumentos musicais, que produzem sons pela agitação. Entre os expostos, um chocalho feito pelos kayapós traz uma base de miçangas para ser fixada na perna. Conforme o músico dança e bate com os pés no chão, o som que vibra em vários caroços de pequi surge em seu esplendor. O preço desse belo instrumento é R$ 280. Outro chocalho de perna (R$ 130) é confeccionado também com caroços de pequi, mas amarrados em uma trança de buriti, pelos kalapalos, índios do Xingu. Os nambikwuaras, de Rondônia, também têm seu chocalho na exposição (R$ 190). Ele é feito com uma série de coquinhos esculpidos em contas- principalmente de tucumã-, entremeadas com sementes de inajá, e amarrados em uma fibra natural chamada envira. Já o chocalho dos tikunas (R$ 35), que moram no Amazonas, na beira do rio Solimões, serve para ser amarrado em um bastão que ao ser batido no chão produz seu som. Este chocalho é feito com cascas de uma fruta chamada ukuki, encontrada na região, assim como um outro chocalho, também feito pelos tikunas, mas com sementes de seringa, árvore que nada tem a ver com a seringueira. Ele também é feito para ser amarrado em um bastão e custa R$ 18. “São vários chocalhos que parecem iguais, mas se diferem muito, pois a confecção depende das diferentes sementes encontradas próximas às aldeia de origem”, disse Bagdonas.

Tipos diferentes de maracás (Foto: Carlos Bozzo Junior)

MARACÁS

Os maracás, um outro tipo de chocalho, é constituído de uma bola de cabaça geralmente contendo sementes secas, arroz, areia grossa e até arruelas de metal. O conteúdo, decoração, tamanho e aparência depende da etnia que o produz. Tocados aos pares ou com uma só peça na mão, empunhada por um cabo, podem ser agitados ou rodados lentamente como em rituais xamânicos. Um dos maracás à venda (R$ 23) foi feito pelos índios tapirapés, habitantes do norte do Mato Grosso, quase na fronteira com o Pará. O instrumento é utilizado para rituais de cura, no xamanismo, possuindo um som pouco estridente e mais fluido. Dentes de animais como cotias, ou pequenos pregos, servem para grafar, no corpo da cabaça do instrumento, padrões também usados nas pinturas corporai s dos povos que a elaboram. Vizinhos dos tapirapés estão os carajás, que habitam a Ilha do Bananal, entre o Pará e o Tocantins. Semelhantes aos de seus vizinhos, seus instrumentos, à venda por R$ 25, se distinguem pelos padrões desenhados e pelas sementes contidas no interior da cabaça. Os índios xerentes, do Tocantins, produzem um maracá, o maior dos expostos (R$ 250), com som mais estridente e utilizado exclusivamente para música.

Buzinas indígenas (Foto: Carlos Bozzo Junior)

BUZINAS

Três buzinas, cada uma com um padrão específico, estão expostas no local. Entre elas, a maior, vendida a R$ 200, é feita pelos satere-mawes, que habitam a divisa dos estados do Amazonas e do Pará, utilizando taquaras de bambu decoradas. Buzinas de diferentes tamanhos são feitas de cabaças pelos índios yudjas, também conhecidos como jurunas, habitantes do Parque do Xingu, no Mato Grosso. Quanto menor a cabaça, mais agudo os sons das buzinas que apresentam uma grande variedade de tamanhos. A buzina maior dessa etnia custa R$ 48 e a menor R$ 24. Os yudjas também grafam nessas buzinas os padrões usados em suas pinturas corporais. “Yudja é como eles mesmos se chamam. Entre os índios existe muito disso, pois na verdade o nome como eles são conhecidos nunca é o nome que eles mesmos se dão. O que acontece é que geralmente um grupo vizinho, às vezes inimigo, se refere a quem mora de seu lado usando um termo por vezes depreciativo”, falou Bagdonas.

Da esquerda para a direita, apito para chamar inhambu, apito nasal, apito de semente (Foto: Carlos Bozzo Junior)

APITOS

Dos apitos, que servem para realizar o chamamento de aves e animais visando a caça, destaca-se um nasal, confeccionado em madeira pelos guaranis de Pariqueraçu, no sul do Estado de São Paulo. Este apito (R$ 13) é acionado pelo ar expelido pelo nariz e controlado pela boca, que funciona como uma caixa de ressonância para alterar o som. Outro apito feito pelos mesmos guaranis, vendido por R$ 10, serve para chamar um tipo de ave, o inhambu. O apito dos tikunas (R$ 3), índios do Amazonas, é feito de cabaça, mas tem a mesma finalidade, chamar aves. Os rikbaktsas, também conhecidos por “canoeiros” ou “orelhas-de-pau”, são índios que habitam as margens do rio Copixó, no Estado do Mato Grosso, e utilizam uma castanha na fabricação de um apito (R$ 80) destinado a cerimônias para produzir um som grave e baixo. “Cada tipo de apito, com exceção deste último, serve para chamar uma determinada espécie de ave ou várias delas, em um só instrumento. Dependendo de como o apito é tocado se obtém o som de seis ou sete animais distintos”, explicou Bagdonas.

Sapos reco-reco (Foto: Carlos Bozzo Junior)

SAPOS RECO-RECO

Sapos de vários tamanhos, esculpidos em madeira pelos índios tikunas, produzem sons distintos. Tocados juntos produzem com fidelidade o som de um brejo. O maior deles custa R$ 120. Assista ao vídeo no final do texto.

Acima do bloco, pau de chuva, flauta e, ao lado, zunidores (Foto: Carlos Bozzo Junior)

PAU DE CHUVA

O pau de chuva mostrado na exposição (R$ 85) é feito pelos sateré-mawés, habitantes da divisa entre o Amazonas e o Pará, a partir de uma taquara de bambu coberta por um trançado de palha como decoração. O instrumento tem em seu interior uma estrutura em espiral, feita com espinhos. Quando o instrumento é virado, as sementes contidas em seu interior produzem o som de chuva ou de água escorrendo ao deslizarem pela estrutura.

FLAUTAS

Há flautas de vários tipos. Entre elas, uma feita de taquara de bambu, decorada com desenhos, com bocal de cera de abelha, destinada aos índios kalapalos do Xingu que iniciam seus estudos do instrumento. “Esta flauta, que custa R$ 150, serve para os índios aprenderem a tocar uma flauta maior, em cerimônias. É uma flauta de treinamento. A maior, temos na loja, mas as mulheres não podem avistá-la e devem ser embebidas na água antes de serem utilizadas.”

ZUNIDORES

Feitos em madeira, em formato de peixe, os zunidores são apresentados em vários tamanhos e reproduzem sons de insetos. São utilizados pelos índios mehinakus do Xingu, antes da pesca. Quanto menor o zunidor, mais agudo o som. A peça é amarrada em uma vara que, quando movimentada em círculos, produz o som de zumbido. “Os índios usam esse instrumento em uma cerimônia que realizam antes da pesca para garantir que ela será boa. É uma crença que eles têm”, falou Bagdonas sobre os zunidores, cujos preços variam de R$ 18, os menores, a R$ 60.

CDs e DVDs à venda na exposição (Foto: Carlos Bozzo Junior)

CDS DVDs

Entre a variedade de artefatos à venda, há CDs e DVDs de músicas indígenas, com preços que vão de R$ 25 a R$ 38. Destaque para um CD dos índios pankararus, de Pernambuco, com músicas tradicionais, muito marcadas pelo som de vocal e maracás, usadas em cultos a antepassados (R$ 25); “Etenhiritipá”, com 31 faixas de cantos masculinos, curtos e tradicionais, dos índios xavantes, do Mato Grosso (R$38); “Reahu Heá”, cantos de festas de celebração e fúnebres, dos índios da fronteira entre o Brasil e Venezuela (R$ 38); e “Guardiões Guarani”, dos índios guaranis da aldeia Tenonde Porã, de São Paulo, com 14 faixas trazendo o registro de músicas cantadas por um coral de crianças acompanhado por maracá, rabeca e violão (R$ 38), também disponível em DVD (R$ 38).

Assista, a seguir, aos vídeos no qual Paulo Bagdonas e Napoleão Marçal Yamanaka, 65, paulistano, pós-graduado em administração de empresas e ajudante na exposição e na loja, demonstram os sons de alguns instrumentos musicais indígenas, além do que registra diferentes sons dos sapos reco-reco. Ambos gravados com exclusividade para o Música em Letras.

 

EXPOSIÇÃO ARTEFATOS INDÍGENAS
ONDE Conjunto Nacional, piso térreo, av. Paulista, 2073,
QUANDO Até dia 21 de abril, das 9h às 20h, todos os dias
QUANTO Gratuito

LOJA CASA DAS CULTURAS INDÍGENAS
ONDE Rua Augusta, 1371, loja 107, Galeria Ouro Velho, São Paulo, tel. (11) 3283-4924