A EMIA miou?

Carlos Bozzo Junior
Pais, professores, alunos e ex-alunos da EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) organizando-se para a assembleia realizada hoje (Foto Carlos Bozzo Junior)
Pais, professores, alunos e ex-alunos da EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) organizando-se para a assembleia realizada hoje (Foto: Carlos Bozzo Junior)

O Música em Letras esteve na manhã deste sábado (11) na EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística), acompanhando uma assembleia realizada pela APEA (Associação de Pais, Alunos e Ex-alunos), parceira da instituição, para comunicar o cancelamento do início das aulas marcado para a próxima segunda-feira (13), em decorrência da não liberação de verba para a renovação de contrato dos professores, em função de congelamento do orçamento da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

O secretário de Cultura do município de São Paulo, André Sturm, reuniu-se na última sexta-feira (10) com a diretora da EMIA, Andrea Fraga, e professores. Segundo Tale Monterosa, representante da APEA e do conselho de pais, a diretora recebeu na reunião a notícia de sua exoneração do cargo, anunciada pelo próprio secretário, embora a medida ainda não tenha sido oficializada com a publicação no Diário Oficial. “Ainda nessa reunião, foi informado que outra pessoa assumirá a direção da escola a partir da próxima segunda-feira (13). O secretário de Cultura, em entrevista à rádio Bandeirantes, também mencionou que o corpo docente da escola será reduzido em 30%”, disse Monterosa.

O início das aulas na EMIA foi remarcado para o dia 6 de março. “A diminuição no quadro de professores pode ferir o espírito da escola. Não estou confiante que as aulas comecem no dia 6. O mundo nos últimos anos tem nos dado só surpresas negativas”, disse Francisco Paulo Gomes Simões, 47, paulistano, servidor público que tem dois filhos matriculados na instituição.

A escola, que fica no Parque Municipal Lina e Paulo Raia, no bairro do Jabaquara, na zona sul de São Paulo, foi criada há 37 anos com o intuito de promover a aprendizagem baseada no fazer artístico, com aulas de música, dança, teatro e artes visuais para crianças entre 5 a 12 anos.

Atualmente, 1.200 alunos frequentam a EMIA, que conta com um corpo docente formado por 48 professores artistas. “Não podemos nos manifestar, pois alguns de nós que tomaram essa atitude começaram a sofrer perseguições”, disse, sem querer se identificar, um professor que há sete anos presta serviços à escola.

O blog entrevistou, entre outros, a diretora Andrea Fraga; o deputado do PSOL, Carlos Giannazi; o casal de pais Yumi Gosso Francisco Paulo Gomes Simões; e o ex-aluno Felipe (assista vídeo no final do texto), que acompanhavam o evento, finalizado com uma apresentação musical de alunos e ex-alunos da instituição (veja vídeo no final do texto).

Leia a seguir o que o Música em Letras apurou sobre a polêmica que envolve essa escola que ensina gratuitamente crianças que muitas vezes vêm do interior do Estado para se iniciarem na educação artística.

A DIRETORA

Andrea Fraga, a diretora da EMIA, em entrevista ao Música em Letras (Foto: Carlos Bozzo Junior)
Andrea Fraga, diretora da EMIA, em entrevista ao Música em Letras (Foto: Carlos Bozzo Junior)

Paulistana, Andrea Fraga da Silva, 45, tem formação acadêmica em Letras, com mestrado em artes, além de formação paralela em dança. Desde 1997 atua na EMIA, onde entrou como professora de dança e, por duas vezes, foi eleita coordenadora dessa área. Há três anos, a artista ocupa a função da direção da escola, eleita pelos colegas professores e indicada pelo então secretário Juca Ferreira passou a ocupar o cargo.

Com relação ao que foi dito na reunião de sexta-feira com o secretário de Cultura do município sobre a nova data para o início das aulas, 6 de março, Fraga foi clara. “Espero que sim. Isso foi uma fala do secretário e decidido ali. A escola divulgou a nota de que as aulas não começariam no próximo dia 13, porque não tínhamos a data de um novo início e ainda esperávamos que pudesse ser antes do carnaval. Houvesse tempo hábil para a contratação dos professores, talvez começássemos dia 20. Como não tínhamos uma data precisa, precisei avisar as famílias de que as aulas não começariam dia 13. Nossa comunicação com as famílias, quando estão de férias, é via e-mail, dentro de nossa forma de comunicação. Isso é o que foi divulgado. Na reunião com o secretário, a data passou para o dia 6 de março para que haja tempo de se fazer os contratos dos professores.”

Nesse momento da reunião, segundo Fraga, foi anunciada a troca da direção. “Quanto ao corte, não foi falado na reunião. Isso foi uma notícia que surgiu de outra fonte, hoje [11]. Quanto ao processo de exoneração, tem o tempo dentro da secretaria até ser publicado no Diário Oficial. Eu recebi a comunicação da exoneração por parte do secretário, que é o responsável por esse cargo. Na segunda-feira de manhã já teremos uma nova diretora.”

Perguntada sobre qual era o nome da nova diretora, e qual era a importância dessa mudança Fraga respondeu: “Não vou revelar, pois não sei se estou autorizada, embora esse nome nos tenha sido dito. A importância disso é que eu acho que não tem a ver com a competência de qualquer pessoa que assuma essa direção. Acredito que ela possa ser ocupada por pessoas muito competentes na gestão pública. A EMIA é um espaço cultural e uma escola ao mesmo tempo. O que temos preservado ao longo desses anos é esse lugar do professor que conhece todo o funcionamento da escola. A EMIA foi se construindo ao longo desse tempo. Não é um projeto implantado. Portanto, quem está aqui há mais tempo conhece todos os meandros de como isso funciona. Desde a organização; quanto os princípios artísticos e pedagógicos, é o que a gente preza”, falou Fraga que é mãe de dois alunos da EMIA. Um deles é Vitor, pianista que se formou na instituição, ingressou na Escola Municipal de Música e concorre a uma vaga na EMESP (Escola de Música do Estado de São Paulo). O outro filho de Fraga, Julio, 11, realiza curso final na EMIA em artes visuais.

Na reunião com o secretário, os colegas da diretora solicitaram que ela permanecesse no corpo docente da escola. “Foi um pedido deles. Como temos esse costume na escola de assumirmos funções diferentes, e sendo professora, é claro que eu gostaria de voltar a trabalhar com as crianças, porque na verdade essa é minha especialidade.”

Sobre a questão da troca na direção da escola, Fraga disse acreditar que o cargo de diretor da escola é de confiança do secretário e ele tem o direito de indicar quem ele confia. “Talvez essa confiança não esteja mais na minha pessoa. Esse é um direito dele e está no estatuto. Isso poderia ter acontecido mais cedo ou mais tarde. Geralmente, quando se assume uma nova prefeitura, esses cargos de comissão são colocados à disposição. Não tem nada errado com esse processo. É lógico que, internamente, fico tocada porque se construiu um processo de indicação, eleição, mas oficialmente não há nada de errado na troca.”

O DEPUTADO

O deputado paulistano Carlos Giannazi, líder da bancada do PSOL, na Assembleia Legislatíva de São Paulo, em entrevista ao Música em Letras (Foto: Carlos Bozzo Junior)
O deputado paulistano Carlos Giannazi, líder da bancada do PSOL na Assembleia Legislativa de São Paulo, em entrevista ao Música em Letras (Foto: Carlos Bozzo Junior)

O deputado paulistano Carlos Giannazi, 55, líder da bancada do PSOL,na Assembleia Legislatíva de São Paulo, é membro da Comissão de Educação e Cultura e estava na assembleia para acompanhar e apoiar o trabalho dos pais e dos professores da EMAI contra os cortes orçamentários. Morador da região do Jabaquara, onde funciona a escola, já participou de outros movimentos de crise na escola em 2009, 2010 e 2011. “Já conheço bastante a movimentação e a crise da EMIA.”

Sobre as decisões tomadas pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o deputado se manifestou dizendo que “a prefeitura está cometendo um verdadeiro atentado contra a cultura e contra um patrimônio histórico da cidade de São Paulo, que existe há mais de 35 anos e é reconhecido internacionalmente, inclusive na área do ensino de educação artística. Esse é um ataque brutal e criminoso contra a cultura, porque essa escola é referência. É uma escola pública e a demissão da professora e diretora Andrea é um absurdo porque ela foi eleita por uma comunidade escolar, pelo conselho de escola. Isso faz parte da tradição da escola e tem amparo na Constituição Federal da República de 1988, que diz que um dos princípios básicos da educação nacional, na escola pública é a gestão democrática e eleição de dirigentes e diretores. Essa é uma prática de várias escolas do Brasil. Ao mesmo tempo, a prefeitura está cometendo uma violação constitucional, porque ela não pode tirar recursos de uma escola pública na área da cultura, da educação artística, porque a Lei Orgânica do Município, que é uma espécie de constituição municipal, obriga a prefeitura a manter e expandir o patrimônio cultural. Ela está na verdade cortando recursos.”

Quais serão as consequências desse corte? “Muitas crianças serão prejudicadas. Haverá um atendimento menor e também afeta o corpo docente. Um absurdo! É um contrassenso, um retrocesso para a cidade de São Paulo. É um desmonte da EMIA. A escola deveria ser uma referência para a instalação de mais EMIAS em toda a cidade de São Paulo. Parece que tudo que funciona bem, e é público, é desmontado, depois terceirizado e privatizado.”

O deputado revelou ainda que irá recorrer ao Ministério Público. “Vamos acionar o Ministério Público, na próxima semana, com uma representação, pedindo que o respeito à Constituição seja mantido. A gestão democrática da escola pública, do equipamento público deve ser mantida. A diretora foi eleita, então a Constituição vale mais do que uma decisão, um estatuto ou uma lei municipal. Faremos também um grupo de parlamentares com deputados federais e vamos mobilizar a Assembleia Legislativa com a Comissão de Educação e a Câmara Municipal para fazermos pressão parlamentar em cima da prefeitura para que ela mantenha o orçamento da escola, que é baixíssimo. A prefeitura não ajuda a escola, não compra equipamentos e faz uma manutenção extremamente precária. A escola tem que fazer festa, arrecadação com os pais e buscar outras formas de financiamento porque o pouquíssimo dinheiro da prefeitura não é minimamente suficiente.”

OS PAIS                                                                                                        

Yumi Gosso e Francisco Paulo Gomes Simões pais de Renato e Augusto (Foto: Carlos Bozzo Junior)
Yumi Gosso e Francisco Paulo Gomes Simões, pais de Renato e Augusto (Foto: Carlos Bozzo Junior)

 Entre vários pais presentes, o Música em Letras conversou com Francisco Paulo Gomes Simões, 47, paulistano, servidor público, e sua mulher, a belenense Yumi Gosso, 48, psicóloga de formação e pianista graduada em uma escola pública do Pará. O casal tem dois filhos matriculados na EMAI, Augusto, 9, e Renato, 7. “Meus filhos adoram a EMAI. Eles não se incomodam de acordar às sete horas da manhã de uma sexta-feira para chegarem a tempo da aula que começa às oito”, disse a mãe.

Para ela, as mudanças comunicadas, que incluem a exoneração da diretora da escola, a diminuição do corpo docente e o atraso no início das aulas têm uma resposta: “É péssimo”. Gosso afirmou que a diretora já estava há muito tempo na escola. “Ela conhece muito bem a realidade da EMIA”, disse.

Sobre a redução do número de professores, Gosso foi clara. “A EMIA tem uma característica muito peculiar, tem sempre, pelo menos, dois professores de artes diferentes em classe. Este ano, o meu filho mais velho iria para o quarteto, onde se tem contato com cada professor de uma arte diferente. Isso faz uma diferença muito grande, pois eles têm a oportunidade de conhecer as diferentes manifestações e, depois, optarem por uma delas”, disse a psicóloga, acrescentando que na instituição não é o pai que escolhe o que o filho vai estudar, mas é a aptidão da criança, observada e apontada pelos professores, que determina a escolha

Para Francisco Paulo Gomes Simões, a instituição não é para quem quer que o filho tenha um aprendizado formal de música, por exemplo. “Não é para ele aprender piano apenas. A EMIA é justamente o contrário, uma coisa informal e diversa, o que não significa que não seja séria. É uma instituição seríssima, e cortar parte dos professores, principalmente se forem escolhidos aqueles que se destacam politicamente nos protestos, pode ser algo muito perigoso para o clima da escola”, falou Simões, revelando que as aulas são muito soltas e isso, em parte, é permitido pelo fato de haver dois professores em sala. “Quando você tem só um professor em uma sala de aula grande, ele tem que ser disciplinador, aqui os professores são ‘indisciplinadores’. Eles tornam as crianças criativas e com muito mais iniciativas.”

Perguntado se estava confiante quanto à retomada das aulas no próximo dia 6 de março, Simões respondeu: “Olha, o mundo nos últimos anos tem nos dado só surpresas negativas, então não estou confiante. Claro que não, e infelizmente essa prefeitura tem uma cara de muito boazinha, de bons moços, mas as ações não são exatamente assim.”

O ALUNO

Felipe Alves Gazoni, flautista e pianista (Foto: Carlos Bozzo Junior)
Felipe Alves Gazoni, ex-aluno da EMIA (Foto: Carlos Bozzo Junior)

Felipe Alves Gazoni, 17, paulistano, flautista e estudante de piano, foi aluno da EMIA, onde ingressou aos 7 anos. Aos 9, iniciou seus estudos de flauta transversal com a professora Liliana Maria Bertolini, antes de se tornar integrante da orquestra da EMIA. Em 2015, passou no exame da Escola Municipal de Música lá, onde passou a estudar piano. “Acabei de entrar na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, para estudar composição e regência. Todo esse caminho que percorri foi graças à EMIA. Além de ter me dado uma boa base nas artes, escolhi o que realmente quero, música. Quando foi fundada a EMIA era um lugar para preparar os estudantes para a Escola Municipal de Música, que é um conservatório muito bom e também prepara o aluno para a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal. Acabar com a EMIA é acabar com a aproximação que os jovens podem ter com a arte e com a cultura em geral. Isso é tirar a chance dessas pessoas se encontrarem com a arte, que hoje está em decadência no país. Para que a arte seja reerguida, precisamos da EMIA.”

MANIFESTAÇÕES MUSICAIS

Hoje de manhã, cerca de 20 alunos e ex-alunos, munidos de instrumentos musicais e vestindo a camiseta da instituição, tocaram “Asa Branca”, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (veja vídeo no final do texto), como forma de protesto às decisões da Secretaria que sofreu um corte de 43% no orçamento de 2017, que passou de R$ 453 milhões, em 2016, para R$ 256 milhões.

Está marcada para amanhã, domingo (12), às 11h, na avenida Paulista, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), uma manifestação em repúdio às decisões da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, além de ter sido realizada uma convocação para a ocupação da escola a partir das 8h da próxima segunda-feira (13).

Continue acompanhando pelo Música em Letras a polêmica que envolve a EMIA.