Marlui Miranda mescla jazz com música indígena
A cantora, compositora e pesquisadora da cultura indígena brasileira Marlui Miranda, 67, apresenta hoje (19), no Auditório Ibirapuera, o show de seu CD “Fala de Bicho, Fala de Gente” (2014), com releituras de cantigas tradicionais da etnia juruna/yudjá, localizada na região norte do Parque Indígena do Xingu, Mato Grosso, e no baixo rio Xingu, Pará, na terra indígena Paquiçamba.
O Música em Letras acompanhou o ensaio do espetáculo (assista aos vídeos no final da matéria) e conversou com a artista, que no show canta e toca violão. Perguntada se, como no disco, iria tocar casco de tracajá, instrumento musical indígena feito com o casco dessa tartaruga de água doce em risco de extinção, disse que não. “É proibido por lei portar esse instrumento, porque é feito de parte de um animal. É um instrumento com o qual que você não pode viajar porque pode ser confiscado por autoridades nos aeroportos e o portador sofre uma penalidade. Usei na gravação apenas”, contou a cantora sobre o instrumento cujo som varia de acordo com o tamanho do casco. “Quanto menor o tamanho do animal, mais agudo será seu som, e quanto maior, mais grave.”
Como o disco traduz em linguagem jazzística peças do acervo musical juruna/yudjá, não são apenas os sons produzidos pela bela voz e pelo violão de Miranda que o público irá escutar. A cantora estará acompanhada por um grupo formado por excelentes músicos: Paulo Bellinati (violões), Rodolfo Stroeter (contrabaixo), Caíto Marcondes (percussão) e Ricardo Mosca (bateria).
Segundo Miranda, a própria música juruna indicou o jazz como caminho: “A estrutura modal das músicas já indica um caminho. Sempre fui ouvinte de jazz e tenho contato com esse gênero musical não é de hoje. Procurei uma solução musical que estivesse a altura do nível das canções indígenas para que valorizasse o jazz, e o jazz, as canções, além de reunir músicos que compreenderiam tudo isso, comprometendo-se com a qualidade do trabalho”, falou a artista.
Entre as músicas que irá interpretar estão “Abina Wakabu Tade”, cantiga de ninar na qual a mulher chora com uma cesta de ossos, porque foi abandonada; “ Mã De Uzakazaka”, cantiga de ninar, que relata a vergonha do veado por ter um corpo muito grande e o pescoço fino; e “Ude Lawϊla Maku”, canto da festa agrária Abϊa, da etnia kuataha, que celebra a colheita. “A origem dessa festa é mítica. O mito para nós é uma história inventada. Para os índios, mito é história. Por exemplo, para se obter sucesso na colheita eles precisam cantar cantigas que alimentam as plantas”, falou a cantora acrescentando que as cantigas de ninar também fazem parte do sistema agrário. “Cantigas de ninar só podem ser cantadas por mulheres, das 9h às 17h. Depois desse horário cantá-las é um desrespeito, é tabu. Não se canta cantiga de ninar à noite. Elas [cantigas] existem para fazer as crianças dormirem enquanto as mães vão trabalhar na roça. À noite, não é preciso cantar, porque de noite elas dormem”, contou rindo a artista que adaptou todas as músicas da associação Yarikayu, do povo juruna/yabaiwa juruna, transcrevendo-as para partituras, registrando-as e, assim, protegendo-as.
Um livro reunindo 49 músicas, além de um texto de Miranda analisando essas cantigas e de um estudo da linguista Cristina Martins Fargetti , deve ser publicado, em breve.
O povo indígena olha para a música de maneira muito diferente da nossa. Eles consideram a funcionalidade da música. Para os índios, ela pertence a um contexto, tem função, lugar e hora para ser executada. Aproveite esse show para conhecer mais sobre isso e ouça o suingue de uma artista e músicos que respeitam a tradição desses povos, além da própria música.
SHOW DO CD FALA DE BICHO, FALA DE GENTE
ARTISTA Marlui Miranda e grupo
QUANDO Hoje, sábado (19), às 21h
ONDE Auditório Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Parque do Ibirapuera, Tel. (11) 3629-1075
QUANTO R$ 10 e R$ 20