Música Sagrada: Islã
Sabe-se que música e religião desencadeiam sentimentos ainda “desapalavrados”, capazes de nos alertar para a presença de algo maior. Contudo, a proibição da música no âmbito de uma religião é no mínimo polêmica. Afinal, o que seria música lícita e ilícita? É possível viver sem música? Como surgiu um dos mais antigos cânticos mulçumanos, hoje com 1.400 anos? Essas e outras respostas você vai ler na entrevista concedida pelo xeque Rodrigo Rodrigues ao Música em Letras, na mesquita do Pari, no prédio da Liga da Juventude Islâmica Beneficente do Brasil, em São Paulo.
Esta matéria faz parte da série Música Sagrada, iniciada no aniversário de um ano do Música em Letras, em fevereiro. Nela, o intuito é mostrar, de maneira didática, como músicas, sons, letras, instrumentos, poesia se relacionam com religiões, seitas e cultos.
Seguindo a linha do blog de não promover a distinção entre gêneros musicais, na série Música Sagrada não há predileção ou devoção a nenhuma dessas práticas. Todas serão abordadas com o mesmo distanciamento e respeito. A primeira matéria da série abordou a umbanda e a música (veja post do dia 02/02/2016).
Leia, a seguir, a segunda matéria da série e conheça os preceitos do islamismo para a música e os sons.
Assista, no final do texto, ao vídeo em que o xeque Rodrigo Rodrigues entoa um cântico islâmico conhecido por todos os mulçumanos do mundo. Foi esse o cântico entoado pela população de Medina ao receber o profeta Maomé (Muhammad), fundador do islamismo, que nasceu em Meca no ano 570. Ambas as cidades da Arábia Saudita são consideradas locais sagrados da religião islâmica.
ANTES DA CONVERSÃO
“Salamaleico” (saudação islâmica que significa que a paz esteja convosco). Foi com essa saudação que o xeque Rodrigo Rodrigues, nascido em Porto Alegre há 38 anos e estabelecido há três em São Paulo, começou a entrevista para o Música em Letras. Os pais- “Deus dê longa vida a eles”, disse o xeque- são católicos, “mas vivemos numa boa”. Mais velho entre três filhos, o xeque tem ainda uma irmã católica e um irmão, o caçula, evangélico.
Sua conversão ao islamismo aconteceu quando tinha 14 anos. Que música ele ouvia nessa ocasião? “Nessa época, na minha família, todo mundo gostava de música gaúcha. Até hoje. Eu mesmo curto música gaúcha. Gosto de fandango, porque me traz recordações familiares de avós, tios e pais dançando”, contou o xeque Rodrigues sobre a dança regional praticada no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
“Não escuto mais porque estou fora da área. Em minha família, muitos gostam, além das músicas tradicionais gaúchas, do samba. Na minha juventude, não havia um direcionamento musical claro, porém me tocava, e me toca até hoje, as músicas do Legião Urbana”, falou o xeque, emendando a pergunta: “E quem não foi tocado pelas músicas do Renato Russo?”.
ROCK, MAS SÓ NACIONAL
Segundo o xeque Rodrigues, Porto Alegre é uma capital musical, principalmente por conta do rock. Adolescente, ele foi criado no meio desse gênero, mas só rock nacional. “Não ouvia nada de rock inglês ou norte-americano. Tocava muito Engenheiros do Hawaii, Paralamas do Sucesso também. Como a gente fala em Porto Alegre: ‘É a música dos magrão’”, contou rindo.
Para o xeque, a letra de “Pais e Filhos”, do grupo Legião Urbana, é fantástica. Contudo, cita um trecho de “Índios”, música também conhecida da banda. “Quem me dera ao menos uma vez/ Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três/E esse mesmo Deus foi morto por vocês”. “Daí vieram indagações sobre a minha crença e comecei a questioná-la. Considerava e considero, até hoje, as letras do Renato Russo como poesia.” Perguntei se ele utilizava as letras de Russo (1960-1986) em suas aulas de religião islâmica. “Indiretamente, porque um xeque falando sobre música na aula, não dá. Na mesquita, não dá”, disse esboçando um sorriso.
RITMOS DO PASSADO
MPB, bossa-nova, música clássica, jazz e blues já permearam a mente e o coração do xeque. Entretanto, isso é coisa do passado. Bossa nova era a preferência do xeque quando o assunto era MPB, mas ele também flertava com a música clássica motivado pelo direcionamento promovido pela escola pública Paula Soares, onde estudou na década de 1980, em Porto Alegre. “Tchaikovsky e Beethoven me fascinavam. Em minha fascinação, comecei a gostar da idade humanista da Europa, e a gostar de estudar história, tudo por conta da música clássica. Em minha opinião, música é a música clássica, a que se manteve até hoje”, disse Rodrigues que quando criança estudou violão. “Meu pai me botou em um curso para aprender violão, mas não deu. Não vingou. Fiz uns rasqueados lá, mas não deu certo. Era sonho do meu pai. Além de tudo, a letra nunca me chamou tanto a atenção quanto a melodia.”
O blues e o jazz também eram bem recebidos pelo xeque quando jovem, mas tinham que ser “suaves, bem suaves”. Por ter se convertido ao islamismo muito cedo, perdeu o foco no rock, na música, e não se tornou um “magrão”, passando a se dedicar aos estudos religiosos.
Curioso é que o xeque nunca gostou de música árabe. “Não me chama a atenção. Talvez a percussão, a batida, faça isso. O fato é que com minha conversão mudei de foco, e queria saber só da religião mulçumana. Só que aí, caiu em minha mão uma fita K7 com um xeque lendo o Alcorão. Aquilo para mim soou como uma melodia. A melodia da recitação do Alcorão em árabe foi uma coisa fantástica”, disse o xeque Rodrigues que identificou como esse o momento que disparou sua vontade de aprender a ler o Alcorão (o livro sagrado do Islã) com aquela melodia, mas não foi a fundo. “Não estudei profundamente a entonação das melodias do Alcorão. Estudei para decorá-lo e recitá-lo, mas até hoje sou fascinado pela melodia do Alcorão que parece um cântico, né?”, falou com sotaque gaúcho.
Perguntado se, após converter-se, sentia falta da música, o xeque respondeu que não. “De parar para escutar música, não. Não senti mais falta.” Sonhava com ela? “Não.” Assobiava? “Sim, porque eu comecei a ver uma diferença. Comecei a ver que a música e a musicalidade fazem parte do ser humano. Na época, embora convertido, eu não tinha condições de considerar o que era música lícita ou ilícita para a religião. Eu achava que era como muitos mulçumanos pensam hoje: ‘Se ela não faz mal, não faz mal.”
TÍTULOS
Em 2000, o xeque Rodrigo Rodrigues viajou para o Líbano onde aprendeu o idioma árabe. Ficou lá até 2002 e retornou ao Brasil, para sair novamente do país com destino à Arábia Saudita, passando pelo Qatar, em 2004, onde permaneceu até 2010. O xeque estudou na maior universidade da Arábia Saudita, a Universidade Rei Saud, cursando, na faculdade de educação, estudos islâmicos. “Sou bacharel com licenciatura plena. No Brasil, seria o equivalente ao curso de pedagogia.”
Segundo o xeque Rodrigues, a palavra xeque significa ancião. “A teologia islâmica pegou emprestada a palavra para designar o cidadão, de uma sociedade oriental, que tem mais conhecimento. No caso, define a pessoa que mais sabe e mais estuda a religião, ou seja, uma pessoa que fala em nome da religião”, explicou, acrescentando que o currículo dos estudos inclui jurisprudência, economia e direito islâmicos.
ISLAMISMO PELO XEQUE
Segundo o xeque Rodrigues, o islamismo é submissão à vontade de Deus. “É uma religião monoteísta, que acreditamos ter sido revelada por Deus ao profeta Muhammad [Maomé], o último dos mensageiros de Deus. Os principais fundamentos da religião islâmica são acreditar que Deus é único e Muhammad [Maomé] é seu mensageiro. Jesus, Moisés, Abraão e Noé são todos mensageiros de Deus. Muhammad [Maomé] foi o último. Cumprimos cinco orações diárias. Fazemos jejum no Ramadã, a caridade e a peregrinação a Meca. O mulçumano é aquele que acredita em Deus e nos profetas, a quem foi dado o Alcorão como a última revelação de Deus para a humanidade. Essa é a nossa crença”, disse o xeque, um dos muçulmanos que formam o segundo maior grupo religioso do planeta, com 1,6 bilhão de pessoas, ou 23,2% do total da população mundial.
No Brasil, segundo a Federação Islâmica Brasileira, o número de seguidores do islamismo é de 1,5 milhão de fiéis, que têm à disposição cerca de 50 mesquitas (dez em São Paulo). A primeira mesquita da América Latina, a mesquita Brasil, no Cambuci, em São Paulo, teve suas obras iniciadas em 1929. Há também mais de 80 centros islâmicos espalhados pelo território nacional. São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Curitiba, Rio Grande do Sul e Foz do Iguaçu são as cidades que concentram as maiores comunidades mulçumanas. A maior delas, em Foz de Iguaçu.
SUNITAS E XIITAS
Segundo o xeque Rodrigues, a diferença entre sunitas e xiitas, os dois principais ramos do islamismo, é histórica. “Hoje, sunitas e xiitas tem teologias diferentes. Há pontos de partida em comum, que é o Alcorão e Muhammad [Maomé], porém durante o desenvolvimento da história criaram-se teologias diferentes. Nos últimos anos, essa diferença foi politizada. A divisão histórica passou a ser uma divisão teológica. Em 1979, com a revolução do Irã e o aiatolá Khomeini, essa divisão teológica foi politizada. Por ser da minoria xiita, o aiatolá tomou conta do país, que quebrou laços com os Estados Unidos. Daí, politizaram essa divergência que infelizmente dura até hoje. Se essa divergência ficasse no teor teológico, estava bom, mas politizaram”, explicou.
MÚSICA PELO ISLAMISMO
Perguntei ao xeque quais eram as restrições da religião com relação à música, já que ela nem é mencionada de maneira explícita no Alcorão. Como o islamismo considera a música? “Primeiramente, a base da permissibilidade e da proibição é o Alcorão sagrado, e aquilo que Muhammad [Maomé] e seus companheiros compilaram e falaram geração após geração. No Alcorão, não existe a palavra música. Porém, tem alguns versículos que dizem assim: ‘E aquelas pessoas que se afastam daquelas futilidades’. Por analogia, isso torna a música algo fútil. Daí, entre mim e você, eu pergunto: será que tem música fútil? Aqueles que dizem que a música não é ilícita partem desse princípio, que esses versículos não estão falando da música. Ela pode ser fútil. Ela pode afastar a pessoa do coração de Deus.”
O QUE MAOMÉ DIZ SOBRE A MÚSICA
Segundo o xeque Rodrigues, Muhammad é a maneira certa de denominar o profeta, “pois Maomé é como vocês o conhecem, mas o correto é Muhammad. Um de seus ditos no Alcorão diz: ‘ O satanás irá provocar e seduzira as pessoas com sua voz’”.
O que é considerado música no islamismo? “Por unanimidade, onde há instrumentos musicais de corda e sopro é música. Já instrumento de percussão não é considerado música e é permitido em alguns momentos como casamentos, nas festas religiosas ou em guerras. O segredo da discussão teológica, da jurisprudência islâmica é que se não há nada que proíba diretamente, procura-se proibir por analogia. Outros dizem que é permitido porque não é proibido. Existem essas duas opiniões”, disse.
O xeque tem uma minha opinião mais conservadora em relação à música. “Não pode escutar. Mas o que é música? É aquela que tem instrumentos musicais. Se for somente cântico ou percussão, eu considero permitido. Falo para os meus seguidores na escola onde leciono, na mesquita, no YouTube, no Facebook e no Twitter: É o Rodrigo Rodrigues que está falando. Eu não considero o cântico como música. Música ilícita é aquela agregada ao instrumento musical.”
O xeque reconhece que a música tem uma história rica no mundo mulçumano. “Em algumas seitas como a dos sufis, por exemplo, a música foi introduzida na prática religiosa. O que entra em conflito com os mulçumanos mais ortodoxos, que não aceitam isso. Oração é uma coisa, e música é outra. Não pode introduzir a música na prática religiosa. O problema dos sufis é terem feito da música algo transcendental, que se aproxima de Deus.”
GRADUAÇÃO DOS PECADOS
Paras as pessoas que perguntam ao xeque que mal faz tocar um violão, ele responde: “ Tecnicamente, não faz mal nenhum. Até acho legal. Eu queria muito aprender a tocar violão e poder cantar, sei lá, ‘Faroeste Caboclo’, oito minutos tocando violão. Queria muito. O segredo que eu vejo sobre a música é a pessoa não tomá-la como objetivo da vida. A música serve para alguns escapes. As pessoas perguntam como mulçumanos vivem sem música. Mulçumanos não vivem sem música. Nós aqui, no Brasil, vivemos uma cultura musicalista (sic) normal. Mas quem é criado em um ambiente 100% conservador, que não tem música, não vê problema. Eu me reeduquei a me desprender da música. Hoje, eu não corro atrás dela. Na verdade, eu apreciava uma boa música; eu sei o que é uma boa música. Vejo jovens curtindo música no Facebook . Quem sou eu para dizer que está errado, é pecado, é ilícito? O jovem é criado com música. O pai e a mãe também. Onde ele vai tem música. A música é algo que nos atrai tanto, que não conseguimos sair dela. E eu tomei esse cuidado, para mim, de conseguir sair dela. Só que eu não consigo nadar contra a correnteza e dizer para as pessoas: Não escutem música! Se me perguntarem: xeque, de acordo com a teologia islâmica, a música é lícita ou não? Eu digo o que é música. Música é isso. Na opinião dos sábios, dizem que não pode. Minha opinião é que não pode. Agora, se você curte uma boa música, isso é entre você e Deus. Porque não é um pecado grande. Não é um sacrilégio.”
Nesse momento, o interrompi perguntando sobre a existência de uma graduação dos pecados. “Sim, existe uma graduação. Porque os pecados podem ser contra os outros e aqueles contra você mesmo. Com a música conseguimos fazer as pessoas chorarem, sorrirem e brigarem entre elas, se emocionarem. Então, a música é utilizada para cultos religiosos para mexer com o sentimento das pessoas.”
Ouvir um funk seria um pecado maior? “Temos agora a letra e a música. A letra em si, algumas considero ofensivas à crença islâmica, mesmo a pessoa não intencionando. Eu considero ilícito a pessoa escutar. Mesmo sem intenção, porque tem sentido dúbio. Mas a musicalidade é ilícita. Não pode, eu mostro as provas baseadas nas palavras dos teólogos. Para ser justo, procuro dar as opiniões sobre o que eles acreditam ser ilícito e lícito. Digo para a pessoa: agora é entre você e Deus. Você tem que prestar conta para o teu Deus, não é para mim e para mais ninguém. Isso serve para adultos e jovens. Adultos escutam pelo som da lembrança, pela nostalgia, e os jovens, pela batida. Deixo que as pessoas tenham suas opiniões porque a religião veio para dar certos limites ao ser humano. A pessoa não pode se exceder na crítica à música e dizer que é louco por música. A música na nossa sociedade faz parte de nossa vida. O problema maior é a idolatria à música.”
ESCUTAR EM ÁRABE
De acordo com o xeque Rodrigues, no idioma árabe, a palavra escutar tem duas acepções. “Existe ‘sama’, que é somente escutar com o ouvido, e ‘istima’ah’, que é colocar algo para se escutar, é fazer se escutar. Se eu botei para escutar é ilícito. Se passei na rua e ouvi alguém cantando, não. O cântico islâmico não é ilícito. A poesia não é ilícita. O que vai tornar ilícito e descaracterizar aquela música, aquele cântico, é o instrumento musical.”
O xeque exemplifica, citando um trecho da letra de “Eduardo e Mônica”, da banda Legião Urbana. “Se eu recitar ‘Quem um dia irá dizer/ Quem um dia irá dizer que existe razão/ Nas coisas feitas pelo coração?’, e se eu cantar a melodia, isso não é considerado música. Se eu tocar um violão ou um violino, sim. Os árabes gostavam muito da poesia e cantavam a poesia. Isso não é considerado música. Ou seja, cantarolar não é a música que é proibida. O cantarolar, fazer um verso, não é considerado música.”
MÚSICA PERMITIDA
“Nasheeds” são canções islâmicas, que geralmente são compostas por poemas islâmicos, recitações do Alcorão e súplicas. Versam sobre o Islã, o paraíso, o profeta Muhammad (Maomé) e Alá. Guerras, conflitos e sofrimento do povo mulçumano também são abordados nas “nasheeds”.
“Nasheed”, segundo o xeque, no idioma árabe pré-islâmico, é quando se faz uma poesia ritmada. “Isso é música. A música tocada na frente de Muhammad [Maomé], que ele desaprovou, foi com instrumento musical. Tem ‘nasheeds’ desde a época do profeta, que são muito conhecidos. Um deles conta como o profeta fugiu de Meca para Medina e foi recebido pelo povo de Medina com esse ‘nasheed’, que é cantado até hoje. Esse ‘nasheed’ tem mais de 1.400 anos”, disse cantarolando o cântico, considerado um hit entre os mulçumanos, “Tala’ al-Badru ‘Alaynā”(veja vídeo no final do texto). “Essa melodia é moderna. Tem uma melodia que é típica do povo de Meca, que é um pouco mais triste, vem do árabe antigo. Hoje, cantamos da maneira egípcia”, disse o xeque, acrescentando que o cântico sofre alterações de acordo com a cultura onde é entoado.
Perguntado se gostava do cantor e compositor sul-africano Zain Bhikha, 41, famoso por cantar “nasheeds” em inglês, o xeque respondeu que não gosta. “Não é de minha apreciação, apesar de as letras serem bonitas, fantásticas. Os instrumentos acabam pesando mais que a letra e a voz, e isso me incomoda. Eu não gosto muito dos ‘nasheeds’ que têm música com instrumentos. Gosto mais dos tradicionais, principalmente os da Arábia Saudita, onde tem só a poesia cantada pela voz”, falou.
Quem seria um Pavarotti islâmico, realizando a leitura do Alcorão? Para o xeque há dois. Um é Yasser Al Dossari, famoso orador da mesquita Dakhil, em Riad, capital da Arábia Saudita. O outro é o xeque Sudais, também famoso, que reza as orações em Meca. “Suas vozes são bem bonitas.”
CRIANÇAS, ADOLESCENTES E A MÚSICA
O xeque Rodrigues não se surpreende, não se choca e nem se revolta com crianças e adolescentes que escutam música. “Acho que isso é natural e faz até bem os jovens saberem diferenciar o que é música do que não é música. Mas eu espero pela oportunidade de eles perguntarem: xeque, pode ou não pode, por que pode? Porque eles estão nessa fase em que escutam música em casa, na escola, no carro e até no telefone tem música. Minha função, como xeque e orientador, não é provar que ele está errado e que eu estou certo”, falou o xeque, professor de religião na escola islâmica, e que dá aulas para jovens do ensino médio. “Um dia, como eu, eles vão deixar de ouvir. Ninguém fica escutando aquela mesma melodia até os 30 anos. É uma música perecível, ainda mais a de hoje.”
TÁ TRANQUILO, TÁ FAVORÁVEL
O xeque Rodrigues tem por hábito chamar seus alunos para discutir temas atuais. “Esta semana, eles estavam cantado ‘Tá Tranquilo Tá Favorável’. Falei para eles: que música o que, cara! Vocês não conhecem música. Quando digo que não conhecem MPB, dizem que o pai escuta. Aí digo que eles tinham que ser iguais aos pais, que têm bom gosto. Tem meninas que se vestem de preto, e vão à Galeria do Rock, mas não sabem o que é rock. Elas se sentem bem fazendo isso, mas não gostam da música. Não sabem o que é rock, rock alternativo ou punk rock. Dizem que gostam de rock e usam chinelos. Cadê o All Star?”, contou rindo, referindo-se à marca de tênis usada pela tribo de roqueiros.“A música não é só som. Ela é uma identidade cultural. É isso que explico para eles.”
E assobiar, pode? “É permitido, se for por necessidade. Por exemplo, para chamar alguém, mas fazer o cântico com o assobio não é permitido. Os sinos também foram proibidos. Porque tocar sinos era uma prática de uma religião pagã da época de Muhammad [Maomé]. Flautas e todos instrumentos de sopro também são proibidos, apesar de no mundo árabe a música ter sempre existido, mesmo o povo sabendo que era algo ilícito. O daff, instrumento de percussão, pode.”
XEQUE BRAZUCA
O xeque gaúcho Rodrigo Rodrigues procura mostrar o Islã do ponto de vista de um brasileiro para as pessoas. “Os mulçumanos são vistos como descendentes de paquistaneses, indianos, egípcios, libaneses, e seus tabus culturais vêm junto com a pregação religiosa. Eu procuro, na medida dos limites, desfazer esses tabus na minha pregação religiosa.”
Há três semanas, o xeque estava na Arábia Saudita e mostrou um vídeo para conhecidos no qual havia música. “Um amigo notou e comentou que havia música no vídeo, mas é porque lá ninguém escuta música mesmo, não faz parte do dia a dia deles, não faz parte da cultura. Imagine se eu quisesse importar a visão cultural que eles têm na religião. Iria dar problema. Então, procuro ter minha vida como brasileiro, respeitando nossas particularidades.”
Assista ao vídeo com o xeque Rodrigues, demonstrando o cântico entoado pela população de Medina ao receber o profeta Maomé, vindo de Meca.