Rick Rehder, um músico além do cover
Imitar o som de um grupo, de um músico, ou o estilo de alguém é muitas vezes um dos primeiros passos dados por quem quer se tornar músico profissional. Porém, algumas pessoas se estabelecem nessa etapa e não saem jamais. Reproduzem o que foi feito por outro artista, grupo ou o instrumentista, vivem disso e se realizam.
Arte ou artesanato? Polêmica à parte, “fazer cover” ou “dar um molho” a hits, requer, no mínimo, trabalho artístico e musicalidade. “Não adianta, tem que estudar a música e tirar direitinho para colocar uma coisa ou outra nossa. Depois, tem que testar. O teste é com o público. Damos para a música a cara que o público quer, e só aí tocamos para ele. Se aprovam, ficam no repertório, caso contrário colocamos outra”, disse o mocoquense Ricardo Luiz Rehder, 58, guitarrista. Rick Rehder, ou Rick como é conhecido, é o fundador e integrante remanescente da banda Áries.
Famosa na noite paulistana, em 35 anos a banda Áries já teve várias formações e acerta em cheio na atual: Pinguim Ruas (ex-Charlie Brown Jr. e Bula Rock), na bateria e voz; Luciana Andrade (ex-Rouge), no vocal; e Hélio Cosmo, no baixo e voz. Aliados à guitarra de Rick, todos são mestres em romper a barreira da imitação e adicionar, além de música a clássicos do rock e do pop, elementos do teatro com muito humor, suingue e “sonzera” em suas apresentações.
No repertório da banda, uma salada sabiamente misturada. Entre os ingredientes, Bon Jovi, Guns N´Roses, James Brown, Kiss, Capital Inicial, The Doors, Demi Lovato, Raul Seixas, Journey, Katy Perry, Stones, Village People e, claro, Beatles. Um grupo de cover? Não, isso seria muito redutor. A banda é bem mais. Só sabe quem já a assistiu.
Leia, a seguir, o que Rick, que já enfartou tocando no palco, contou para o Música em Letras sobre seu mundo, sua vida e suas engraçadas e dramáticas experiências. No fim do texto, assista ao guitarrista tocando o blues “Hide Away”, de Freddie King (1934-1976).
GÊNESE
Rick Rehder nasceu enquanto Elvis Presley (1935-1977) requebrava, fazia tremer, e colhia os frutos de “Blues Sued Shoes”, de Carl Perkins. Seis homens e uma menina foram os frutos colhidos pelos pais de Rick, na pequena cidade de Mococa, interior de São Paulo, há 265 km da capital. Todos “beliscam o violão”, mas Rick é o único que se tornou músico profissional. Por quê? Fácil entender.
Aos 10 anos, Rick assistia pela TV, todos os domingos, à “coqueluche” do momento. Quem não assistia estava “mais por fora do que dedão em sandália franciscana”, e ainda corria o risco de nunca ficar “na crista da onda”. Era o programa Jovem Guarda, exibido na TV Record, de 1965 a 1968.
Os apresentadores eram Roberto Carlos, o “Brasa”, Erasmo Carlos, o “Tremendão” e Wanderléa, a “Ternurinha”. Várias bandas de rock brasileiras desfilaram seu som nesse programa. Entre elas, The Jet Blacks, Golden Boys, The Fevers, The Jordans e Os Incríveis. Entre os cantores, Deny e Dino, Vanusa, Martinha, Jerry Adriani e Wanderley Cardoso.
Para Rick, a fissura pela guitarra veio daí. É ele quem explica: “O programa fazia uma espécie de Teleton, em que as pessoas doavam agasalhos. Lembro de um monte de agasalhos, mas lembro mais ainda da parte da música, porque quando acabava o programa, eu e meus irmãos ficávamos eufóricos. Íamos para o quintal brincar, mas não pegávamos o caminhãozinho, a gente queria tocar guitarra. Não tínhamos nem violão. Não sei bem de quem partiu essa ideia, talvez tenha sido de mim mesmo, mas o fato é que vivíamos de calção, pés no chão, e sem camisa. O quintal era de grama e terra de chão batido. Sei que desenhávamos, com os dedos das mãos molhados de água, o corpo de uma guitarra no peito e rapidinho deitávamos de barriga na terra. Assim, imprimíamos o corpo de uma guitarra na pele. Empunhávamos um pedaço de pau ou cabo de vassoura perto do corpo e ficávamos tocando e cantando o que a gente havia acabado de assistir”, revelou o músico, talvez um precursor da “air guitar” (prática que consiste em imaginar uma guitarra nos braços e dedilhá-la como se fosse um instrumento real).
Foi assim, tocando com a mente, que Rick chegou a um violão, antes de pedir de Natal para sua tia e madrinha Ádria uma guitarra de verdade. Pediu uma Tremendinha, instrumento musical para crianças fabricado pela Giannini, nos anos 1960, época da jovem guarda.
O nome da guitarrinha era uma alusão ao “Tremendão”, Erasmo Carlos, que se paramentava com um chapéu enorme, empunhando a guitarra que levava sua assinatura. Rick ganhou a Tremendinha, mas reclamou a falta do chapéu, até se dar conta de que deveria reclamar por algo mais essencial, um amplificador. O presente veio sem esse complemento. Esta foi sua primeira lição. Aquilo que funcionava na mão de seus heróis musicais da TV era acoplado a um troço chamado amplificador. “Nem isso eu sabia”, comentou rindo o músico, que mais tarde, por intermédio do pai, adquiriu um amplificador Felpa, usado.
Rick ainda guarda o instrumento. Contudo, a peça (rara) sofreu uma intervenção artística. “Minha ex- mulher pediu para um amigo, artista, pintar a guitarra para mim. O cara, não sei porque razão, pintou um sapo com uma cartola, de ponta cabeça. Acho que ele pensou que eu era canhoto”, contou o guitarrista que tem os captadores do instrumento e todas as outras peças, mas o mantém desmontado por não ter gostado da intervenção. “Uma hora, vou levar para um luthier e deixar como ela era, com a pintura original”, falou o músico.
CONCHALHETA
Em uma viagem para o Guarujá, Rick pegou a concha de um marisco e com ela percebeu que ganhava velocidade tocando. Assim conheceu a utilidade da palheta. Aulas, teve poucas, com o professor Geraldo Costa, que o ensinou a tocar algumas músicas, para serem exibidas na sala da casa da família Rehder. Abandonou as aulas e tornou-se autoditada.
O pai, Walter, tinha orgulho da musicalidade de Rick. Vivia alardeando a quatro cantos que seu filho tocava, e bem. O quê? A música gravada por Roberto Carlos “Coimbra”, de Raul Ferrão e José Galhardo. “Essa música tem uma descida cromática que a deixa ridiculamente ridícula quando solada. Meu pai dizia para todo mundo que eu tocava. Ele me levava para pagar esse mico diante dos amigos, em Mococa, no meio da cachaçada do bar do Quinzinho, dizendo: ‘Meu filho toca, quer ver?’ Mandava me chamar e dizia: ‘Toca aí.’ Quando eu chegava, todo mundo esperava ouvir um Villa-Lobos, (1887-1959) ou qualquer coisa que fosse arrebatadora, menos um solo ridículo daqueles. Aí, todo mundo tirava sarro, mas meu pai nem se tocava. Ele adorava.”
Apesar de ter ganho um exemplar do conhecido “Método Paulinho Nogueira para violão e outros instrumentos de harmonia”, Rick tocava de ouvido. Ouvia e tocava “Born on the Bayou” (1969), da banda de country rock californiana Creedence Clearwater Revival. Quando ouviu “Green River” (1969), terceiro álbum de estúdio da banda, pirou. Entretanto, The Beatles era o que imperava. “Tudo dos Beatles eu ouvia e tirava. Até o dia em que escutei o álbum ‘Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band’ e ficou difícil para tirar”, falou o guitarrista sobre o oitavo álbum de estúdio da banda britânica.
O LP duplo “Odessa” (1969), sexto álbum de estúdio dos Bee Gees, também tocou muito na casa dos Rehder, influenciando o guitarrista. Entretanto, 1971 é o ano que Rick considera o mais prolífico na música. “A história comprova que grandes discos saíram neste ano. Tive sorte de estar em São Paulo, em companhia de um tio jazzófilo, que tinha grana, e foi praticamente escalpelado por mim”, contou o músico que assim adquiriu várias “bolachas” que o influenciaram para sempre. Entre elas, “Fireball” (1971), quinto álbum de estúdio da banda de heavy metal e hard rock britânica Deep Purple, e “Live at Fillmore East” (1971), da The Allman Brothers Band.
Ainda moleque, com 14 anos, Rick lia resenhas de lançamentos das revistas “Circus” e “Rolling Stone” e concluía: “Se está aqui, deve ser bom. Nessa, comprei muita coisa ruim”, falou rindo sem revelar as “bad choices”.
Aos 17 anos, Rick conheceu estudantes de uma república, e passou a experimentar todo tipo de droga.“Era anfetamina, xarope Ambenil, maconha, chá de cogumelo e uns comprimidos de Hipofagin que, macerados, eram injetados na veia. Tudo por influência de uns caras mais velhos que diziam que com a droga eu tocaria mais rápido, mas vi logo que aquilo não era para mim”, disse o músico que abandonou de vez as experiências psicodélicas quando veio morar em São Paulo, aos 20 anos.
SÃO PAULO
Na capital, o guitarrista chegou com o intuito de estudar em um curso preparatório para o vestibular de jornalismo ou arquitetura. Rick não entrou em nenhum dos dois cursos, embora fosse às aulas todos os dias. “O problema era que antes de entrar para a aula, sempre encontrava amigos e ficava no bar tomando cerveja. Um dia, depois de um tempão sem frequentar as aulas, fiquei com dor de consciência, porque era minha mãe quem pagava a mensalidade, e resolvi entrar para assistir. Fui barrado pelo bedel que não me conhecia e não acreditou que eu estivesse matriculado.”
Em São Paulo, o músico morava e frequentava os bares da noite, principalmente os do bairro do Bexiga. “Era o Greenwich Village daqui, nos anos 1980. Muito jazz e músicos bons, como os irmãos Filó e Celso Machado. Eu comprava um guaraná e ficava babando vendo os caras tocarem”, disse o músico que também frequentava o bar Lei Seca, sempre atrás do som.
TRAMPOS
Enquanto “fazia” o cursinho, Rick conseguiu seu primeiro emprego na Informa-Som, empresa que prestava serviço de aferição de execução musical. “Na verdade, era quase como um IBOPE para controlar o trabalho do divulgador, das gravadoras e das rádios”, explicou.
A Informa-Som realizava gravações, em fitas de rolo, da programação das principais emissoras de rádio do país. Rick escutava essas fitas e anotava, em uma planilha mimiografada, o nome das músicas e horário em que foram veiculadas. “Escutei muito as rádios Mundial e a Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, porque como era bom de inglês, tinha ouvido para identificar os nomes das músicas gringas. Logo passei de transcritor para revisor, e depois supervisor”, contou Rick, que permaneceu de 1977 a 1988 na empresa.
Depois, o músico foi transferido. “Fui para a Procede Informática, que tinha um contrato com o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), até 1997, antes de ingressar e me aposentar, depois de 12 anos, trabalhando com informática na farmacêutica Merck Sharp and Dohme.”
Durante o tempo que trabalhou no mundo coorporativo, Rick tocava com a banda Áries. Chegou a ficar desempregado, mas nunca ficou sem tocar. “A música sempre me salvou na hora das contas. O Áries foi meu arrimo durante um bom tempo.”
ROSA MARIA
Em um final de semana, durante uma ida a Mococa com o intuito de rever a família, encontrou a sorte. Um baile apresentou para a cidade o som da banda Blue Gang e a voz da cantora Rosa Maria, que na ocasião acabara de gravar um disco pela Eldorado. Embora tocasse country music, a banda original era brasileira, formada por Nenê (baixo), de Os Incríveis; Jurandi (bateria e percussão), do The Jet Blacks; Andrew Busic (vocalista); G. “Pino” Bria (violão acústico e banjo); Walter Kandrachoff (violão acústico, guitarra solo, harmônica e banjo); e Luchin Montoya (piano). “Todos eram bons, mas o Walter, guitarrista, era um argentino porreta. Ele era um Jaco Pastorius da guitarra. Eu nunca tinha visto tanta expressão ao tocar um instrumento”, disse Rick que foi apresentado por seu pai aos integrantes da banda. Sem cerimônia, o pai pediu que arrumassem um trabalho para o filho. O pedido foi atendido e Rick foi convidado para tocar em uma banda dissidente da Traditional Jazz Band, a Original Jazz Band, com Sacha Kliass (washboard) e Austin Roberts (trompete), entre outros.
Além de tocar eventualmente ao lado da cantora Rosa Maria, todas as noites Rick se apresentava no Victoria Pub e no Barbadinho, com uma guitarra fazendo o papel de banjo. “Eu estava sem instrumento naquela época, e quem me arrumou uma Shaftesbury, linda, preta, foi a Lucinha Turnbull”, disse o músico. “Devo muito a ela, que botou fé e foi muito generosa comigo. Tenho uma gratidão imensa por ela. Logo fiz uma grana e comprei uma guitarra, devolvendo a dela.”
GILBERTO GIL
Rick contou ao Música em Letras que, por conta de sua “amizade colorida” com Lucinha Turnbull, conheceu os músicos Perinho Santana e Gilberto Gil, com quem viveu um incidente engraçado. Ao viajarem de ônibus para Santos, cidade do litoral paulista em que o artista baiano faria um show, Rick foi encarregado de cuidar de uma guitarra Gibson 335, do autor de “Aquele Abraço”.
Quando acabou o show, todos embarcaram no ônibus e foram embora, mas esqueceram Rick, que havia ido ao banheiro com a guitarra. “A Lucinha depois me contou que eu cheguei a ser xingado pelo Gil que disse: ‘Filho da p…, o cara roubou minha guitarra, Lúcia. Ele fugiu, deu o golpe e fugiu com minha guitarra’. Ao que ela respondeu: ‘Não Gil, aposto que ele está lá, no mesmo lugar e em apuros. Pode voltar que ele está lá’. Os caras já estavam na estrada, mas resolveram voltar. Demorou uns 50 minutos e o ônibus apareceu na minha frente e eu lá, parado, gelado, tremendo sem saber o que fazer com a porra da guitarra na mão. Entrei no ônibus e só ouvi palmas, assovios e gritos me saudando”, contou rindo o músico.
INÍCIO DO ÁRIES
Rick trabalhava na Informa-Som na parte da manhã, estudava à tarde e tocava à noite, até três da manhã. Quem “dançou”? O inconveniente cursinho da tarde. Quem surgiu? O grupo Áries. Como?
“O Fúlvio, baixista, trabalhava comigo na Informa-Som. Ele gravou um compacto simples com duas músicas melosas, cantadas em inglês, “Your Last Tear” e “Light a Fire on You”, ambas dele. Eu toquei guitarra nesse disco. A voz era de um gringo chamado Wendy. Na bateria, era o Alaor Neves. O Fúlvio pensava em se colocar no mercado pegando um resquício do que havia sido deixado por Mark Davis (codinome de Fábio Junior), que cantava em inglês, mas o disco não deu em nada”, contou o músico sobre o disco gravado pela underground Crazy, depois comprada pela Warner WEA.
A partir desse disco, Fúlvio e Rick resolveram formar uma banda. Chamaram o guitarrista Rubens, que conheceram por intermédio do baterista Tufas Napoleon. A ideia era “atacar” em bares da noite paulistana. Contudo, ainda faltava um baterista e um cantor, pois o gringo que havia gravado o compacto tinha virado fumaça.
Os três mosqueteiros foram uma noite até a alameda Jaú, entraram no bar Calabar. Lá tocavam músicos muito bons como os guitarristas Faísca e Álvaro, além do baterista do Rádio Taxi, Gel Fernandes, entre outros. As bandas da casa também não eram fracas. Havia a Comitatus e a Green Apples, essa última com Ricardo Braza (baterista) e Ricardo Muniz (baixo). Todas tocavam Beatles, mas a Green Apples tinha Dominguinhos em seu repertório.
Foi depois de assistirem a uma canja do cantor Mala nessa banda que os três integrantes iniciais do Áries o convidaram para integrar o grupo. O homem aceitou. Ainda faltava o batera.
O quarteto convidou Horácio (baterista), que havia chamado Rick para gravar o disco da banda de rock nacional Quarto Crescente. A banda foi um projeto do ex-vocalista do grupo Made In Brazil, Percy Weiss (1955-2015), com o guitarrista Tony Babalu. Ambos contavam ainda com o baixista Tiguês e Horácio na batera.
O MITO QUARTO CRESCENTE
Segundo Rick, o LP do grupo Quarto Crescente virou cult entre os amantes do rock nacional e, muitas vezes, é mencionado como um dos tesouros da época. O guitarrista não entende o porquê?
É ele quem conta: “Eu tinha acabado de me machucar jogando bola. Feri sério um dedo da mão e estava em casa de molho, com o dedo imobilizado. O Horácio pediu para eu gravar um solinho em uma faixa desse disco. Falei que estava com o dedo ferrado, ele viu a minha condição, mas insistiu. Desencapei o dedo e fui”, contou o músico que não previu a cilada. “Quando cheguei lá, era para gravar o disco inteiro. Passei a madrugada gravando solos. Todos de prima, gravados na mesa, sem amplificador, com uma Gibson que eu tive. Gravei, mas não acho nada demais no que fiz. Acho até ruim. Acho aquilo uma bosta”, contou rindo.
PRECURSORES
Com a entrada do baterista Horácio se aliando ao som do quarteto Rick (guitarra), Fúlvio (baixo), Rubens (guitarra) e Mala (vocal) estava feita a primeira formação do grupo Áries, no final de 1979. Entretanto, logo a banda trocou de batera. Na dança das baquetas, saiu Horácio e entrou Nenas. Saiu Nenas, e entrou Ademir. Em abril de 1980, sob o signo de Áries, o grupo finalmente se estabeleceu.
Daí para frente, a banda passou a tocar todos os finais de semana, às vezes começando na quinta-feira. No repertório, abandonaram as duas músicas autorais e melosas de Fúlvio, gravadas no compacto simples “Áries”, e passaram a tocar só músicas dos Beatles e dos Stones. Tocavam em vários locais da cidade. Entre eles, no Yellow Sunshine, e no Roda d’Água.
Quando tocavam no Bixiga, lotavam o bar Taverna Bohêmia. Do lado de fora, pequenas multidões de não pagantes dançavam na calçada e congestionavam o trânsito. “Eu tirava as letras das músicas por fonemas para o Mala cantar. Depois, quando eu achava as letras originais, morria de vergonha”, lembrou o músico que hoje não ensaia tanto como antes e tira uma música em menos de cinco minutos. “Hoje é bem mais fácil, quem mais se ferra é quem canta porque tem que decorar as letras que ficaram muito extensas”, falou.
No início do Áries não havia concorrente direto para este tipo de som. Havia sim, muita bossa nova, jazz e, segundo Rick, a banda Comitatus, “que cobrava o mesmo que um show do Fábio Junior. Nós éramos uma banda boazinha, que animava, e se pagassem uma cerveja estava tudo certo”.
Hoje, Rick é o único remanescente da Áries. Os bateristas Horácio e Nenas, assim como o vocalista Mala e o guitarrista Rubens, morreram.
Embora o sucesso fosse enorme, Rick pensava que seria efêmero. Em abril de 2016, a banda completa 36 anos. Embora tenha tido várias formações, continua fazendo sucesso. A banda está sempre se reinventado e melhorando.
AUDIENCE PARTICIPACION
O humor também tem sua vez no repertório da banda de Rick. Por exemplo, no meio de um punk rock dos Raimundos, entra uma música do Wando (1945-2012), que serve de trilha sonora para uma brincadeira maliciosa, em que uma cobra empunhada pelo vocalista Hélio seduz alguém da plateia para subir no palco e participar da cena. Algo que, guardadas as devidas proporções, lembra as “audience participations”, realizadas por Frank Zappa (1940-1993) durante seus concertos, nas quais o artista convidava pessoas da plateia para se apresentarem no palco ao lado da banda.
O grupo Áries é uma prova de que a diversidade só aceita músicos bons. Os do Áries são. Executam músicas de diferentes pegadas, com um som preciso de cada uma delas, suingado, performático e pesado quando tem que ser.
Rick Rehder calcula ter realizado mais de três mil shows com a banda. “Antes, apesar de ganharmos pouco, tocávamos muito, ganhávamos no varejo, ou seja, na quantidade. Dava uma grana boa”, falou o músico. Hoje, o cachê da banda gira em torno de R$ 2 mil por apresentação em bares. “Para empresas, é sempre um pouco mais. Já fechamos até por R$ 8 mil, mas tem que ter bom senso, porque com mais R$ 2 mil o cara traz uma celebridade.”
MORTE NO BAR
Nos anos 1980, na avenida Vereador José Diniz, em São Paulo, havia um bar, o Casablanca, que abrigava uma piscina enorme. “Acho que era olímpica, era muito grande. O lugar era um point que reunia uma moçada de grana. Uma noite, enquanto tocávamos ´Under My Thumb´, dos Stones, rolou uma briga entre dois playboys. Um atirou contra o outro na nossa frente. Um tiro foi no pescoço de um deles, eu vi. Carregaram o cara de ambulância para o hospital, mas ele morreu. Resultado, fechou o bar. Ninguém podia sair. A polícia não deixava. Tinham que achar a arma do crime. Colocaram mergulhador na piscina, desmontaram até meu amplificador em busca da ‘peça’ e, bem depois, acharam o revólver no banheiro. Só então, nossa saída foi liberada. Os dois playboys morreram.”
COVER
Atualmente a concorrência para o Áries é absurdamente maior. Uma banda que toque Beatles e Stones não é novidade. Tem aos montes. Alavancados pela tecnologia, gente muito jovem já chega tocando superbem. Porém, a maioria toca sempre as mesmas músicas. O Áries começou tocando cem por cento de seu repertório só de clássicos do rock. Hoje, metade do show é de músicas novas. Cerca de 35 músicas por apresentação, que duram cerca de duas horas. Contudo, nunca deixam o palco sem repetir alguns números a pedido do público, sempre eufórico, como ficava o jovem Rick ao assistir os programas Jovem Guarda.
Geralmente as bandas apresentam o mesmo repertório. Isso por que o público quer ou o dono da casa impõe? Ambos. Entretanto, para Rick, o Áries sempre buscou equilibrar essa questão. “Por isso, somos diferentes. Tocamos Santana, Jeff Beck, e outros, mas na hora certa. Tocamos até no bar Cabral, reduto de axé music, e agradamos bastante. Tem hora certa de tocar algumas músicas. Depende da casa e do público que está assistindo o show”, disse o experiente guitarrista.
Depois de tanto sucesso em São Paulo, os shows começaram a rarear. A banda passou a realizar mais apresentações no interior. Entre outras cidades, o Áries se apresenta regularmente em Taubaté, no Mutley Music Bar, e em São Caetano, no Duboiê Bar. A média de show da banda fica entre cinco e seis por mês. “Não fazemos mais, porque todos têm outros compromissos, mas estamos com a agenda fechada até fevereiro”, disse o guitarrista.
MAIS QUE IMITAR
A banda Áries tentou fazer uma trilha musical, como uma “cama” eletrônica “non-stop”, com guitarras pesadas, para agradar o público que gosta do som das baladas. “Até que funcionou. As pessoas gostavam, mas diziam que a música ficava diferente. Quer dizer, não funcionava tão bem. Então, decidimos, por exemplo, pegar um música eletrônica da Lady Gaga e fazermos com que fique minimalista na guitarra, bem pesada. Colocamos o canto e o batidão. Outro exemplo, pegamos uma do Bruno Mars e na introdução metemos um Led Zeppelin. As pessoas adoram”, disse o músico que disponibiliza alguns exemplos no site da banda http://www.aries.com.br/.
Segundo Rick, o público gosta de músicas conhecidas, para cantar junto. “Se você for em um show do David Gilmore e ele só tocar músicas novas, você não vai gostar. Mas na hora em que ele tocar (nesse momento, Rick dedilha no violão o manjado riff de “Shine On You Crazy Diamond”), você vai chapar. É isso que o povo quer. Não importa se é dançável ou não, tem que ser hit e, se tiver interação com a plateia, fica perfeito.”
Para o guitarrista, há uma grande vantagem em “fazer cover”. “Tirando o fato de que se pode matar uma música conhecida, tocando-a mal, se a música for ruim, o cara que vá reclamar com o Bono Vox, com o George Harrisson (1943-2001), ou com quem criou a música. Essa responsabilidade não é nossa”, falou o guitarrista, afirmando que nem por isso é um “trabalho menor”, além de ser “muito gratificante”.
O músico ressaltou ainda a importância da versatilidade. “Não é fácil tocar no estilo do Billy Gibbons (cantor, compositor e guitarrista norte americano da banda ZZ Top) e de repente passar para o do Van Halen. Somos ‘versionistas’ e isso requer arte”, disse o artista que recebeu elogios, entre outros, de um dos maiores nomes das guitarras roqueiras em plagas brasileiras: Luiz Sérgio Carlini.
TOCANDO SEM PARAR
Há cerca de um ano, Rick Rehder descobriu ser a música sua razão de viver, depois de enfartar no palco durante uma apresentação.
“Cara, a música é tão importante para mim, me traz tanta adrenalina e realização, que neste dia dancei, toquei, pulei, solei, suei, e enfartei sem perceber. Só depois que saí do palco, foi que me senti um pouco fraco, com falta de ar, e acabei sendo levado de maca para uma ambulância”, contou o músico que enquanto era carregado, passando no meio do público, ouviu: “Aêê, bebum! Cachaceiro! Bebe filho da p…”. No hospital, foi confirmado que havia um entupimento em uma de suas artérias. Colocaram um “stent” (tubo minúsculo usado para normalizar o fluxo sanguíneo da artéria coronariana) no guitarrista, e por um tempo deixaram-no de molho.
Hoje, Rick está recuperado e como sempre tocando muito, embora tenha que tomar seis medicamentos diariamente. “Cara, fiquei mais atento a alguns sinais, mas nunca vou parar de tocar. Fazer música para mim é isso, tocar por inteiro. Se eu tivesse morrido no palco, acho que teria partido feliz. Mesmo tocando músicas dos outros.”
Assista ao guitarrista tocando o blues “Hide Away”, de Freddie King (1934-1976).